Mirabai foi uma das mais interessantes personalidades do norte da Índia do séc. XVI. Devota de Krishna e poeta, escreveu suas composições no dialeto hindi do Rajastão. Existem muitas lendas ao seu respeito, mas pouco se sabe com certeza sobre sua vida. Dizem que era neta do fundador da cidade de Merta. Seu pai estava no comando de um pequeno território que compreendia doze cidades. Existe uma controvérsia a respeito de quem foi seu marido, mas sabe-se que, rapidamente, ficou viúva e, algum tempo depois, em uma guerra contra o rei mogol, seu pai também morreu.
Nesse período, parece ter entrado em conflito com a família, que chegou até mesmo a tentar envenená-la devido ao seu comportamento pouco apropriado para uma mulher segundo os costumes da época, já que não apenas recebia os devotos de Krishna em seu palácio, mas também os encontrava nos templos.
Mirabai é conhecido por seus padas, breves canções espirituais, rimadas e composta em ritmos simples, cantadas segundo uma determinada melodia (raga). Os assuntos de seus padas são diversos, mas seu grande tema é o amor por Krishna, que tem como esposo. É que seu caminho espiritual é a devoção amorosa (bhakti), que se articula na forma do amor conjugal (dampatya). Por isso, seus poemas falam de seu amor por Krishna de uma forma muito concreta e expressam a dor da separação (virah) do esposo místico, ao qual deseja se unir.
Para Mirabai, Krishna é a encarnação de Deus, que salva seus adores e os libera das correntes desse mundo. Ela o chama de natavar (grande dançarino) e mohan (atraente), mas nunca perde de vista a sua divindade, chamando-o também de avinasi (eterno).
Gostaria de apresentar aqui algumas versões de seus padas, feitas por Jorge Sousa de Braga a partir da tradução inglesa de A. J. Alston (em The Devotional Poems of Mirabai). A tradução de Braga foi publicada em 2009 pela Assírio & Alvim.
I.
Oh Mohan deixei-me seduzir
pela beleza do teu corpo
dos teus olhos semelhantes
a pétalas de lótus dos teus
olhares furtivos Nas margens
do rio apascentas gado e
tocas flauta Mira sacrifica
tudo àquele que levanta
montanhas e absorve-se
na contemplação dos seus pés
II.
Só sei dançar
para o meu Mestre
Despi-me de toda
a vergonha trago
vestida apenas
a minha fidelidade
e umas argolas de oiro
nos tornozelos Quando
se deita com Ele
Mira veste só
a cor do seu Deus
III.
Não sei amiga o que irá
acontecer entre o meu Amado
e eu Veio até mim mas
foi-se embora enquanto
dormia Vou rasgar em duas
as minhas vestes comprar
um sari amarelo deitar
os braceletes fora deixar
o cabelo cair-me sobre
os ombros O desejo
assola-me noite e dia
Mira diz Uma vez juntos
os amantes não se devem
separar
IV.
Mira dança com campainhas
nos tornozelos Mira está
louca dizem é a ruína
da família O príncipe deu-lhe
veneno a beber Ela sorveu-o
de um trago enquanto
sorria Prostrada a teus pés
sou toda tua Basta ver-te
para apagar a minha sede
de ti O refúgio de Mira é
aquele que levanta montanhas.
bernardo lins brandão