Como o próprio Guilherme já expôs no nosso post comemorativo de 100 posts do escamandro (que deve se tornar 200 muito em breve), o escamandro começou como um grupo de 3 principiantes (4, logo depois, quando o Bernardo começou a escrever) que trocavam e-mails que evoluíram para conversas cara a cara, sempre com “trocas de muitas críticas e poucos elogios”. Nisso, montamos o blog, continuamos escrevendo e tentando melhorar os poemas, que com o tempo foram se agrupando e dando forma aos nossos livros. E eis que o Guilherme, que já escrevia havia mais tempo quando começamos as nossas reuniões e que aproveitou a ocasião para retomar a escrita e tirar a poeira dos poemas na gaveta, é o primeiro de nós a ter o seu livro publicado, com a chancela da Editora Patuá, o brasa enganosa – que, não por acaso, é o título do primeiro poema dele publicado aqui no escamandro. Os detalhes do lançamento oficial aqui em Curitiba esta semana estão no convite abaixo:
É difícil falar do livro de alguém que você conhece com tanta proximidade, ainda mais quando se trata de um livro que, com efeito, você viu nascer. Por isso vou trapacear e dar voz ao nosso ilustre amigo e poeta Tarso de Melo, que redigiu o comentário da orelha do livro. Num dos parágrafos, ele diz:
A poesia de Guilherme expulsa as mediações literárias (e artísticas) que o leitor voraz – como um personagem de Enrique Vila-Matas – coloca entre seus olhos e o mundo, dando a tudo quanto fala o ar solene da citação e, inevitavelmente, alguma artificialidade no contato com as coisas da vida. Em brasa enganosa, ao contrário, todo esforço reside em repelir tais mediações que infestam a memória (“cale-se itabira bom/ despacho santana/ dos brejos cale-se/ cidade dos meus pais”) e tentar enxergar de frente, o mais diretamente possível, a matéria dos poemas por fazer.
E o Tarso, leitor exímio que é, conseguiu sacar muito bem o quê do livro, sem ter visto o processo por trás (uma qualidade tanto do livro quanto do leitor, eu diria). Trata-se da produção de alguém com uma enorme erudição – professor de clássicas, tradutor da monumental Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, e de toda uma penca de poetas do inglês, latim, francês e alemão, como pode-se ver cá – , mas que não quer que a sua produção seja uma mera demonstração de erudição, assim como ele, apesar do virtuosismo (como demonstrado em alguns poemas secretamente metrificados (alguns secretamente sonetos), ou como é o caso do seu pós-moderno Labirinto, uma revisitação de um gênero renascentista), também não faz a virtuose só pela pura virtuose. Ambos podem ser modos sofisticados de disfarçar uma falta de conteúdo com a distração pirotecnia verbal/referencial, mas, no caso, o Gontijo tem de fato algo a dizer, a “matéria dos poemas por fazer” à qual se refere o Tarso, algo a ver com um ethos moderno, distintamente demonstrado na seção do livro intitulada “Réstias”. Ele é provavelmente uma das poucas vozes a engrossar o coro dos poetas modernos que tratam do assunto da alegria, o que é louvável, e o livro todo trabalha em como lidar com isso, como tratar da alegria no mundo contemporâneo, sem que, alienadamente, se ignore à base do wishful thinking o conhecimento de todas as pequenas e grandes desgraças cotidianas.
É uma questão programática, presente já desde o terceiro poema do livro (e segundo da série “Réstias”), “Não basta o rio”, um dos poemas na página do Guilherme no site da editora, que reproduzo abaixo:
NÃO BASTA O RIO murmúrio
adocicado das águas
rumo certeiro transparência
do olho d’água
desaguar suave sua torrente
não adianta fonte pura
ou perpétuo devir dos rios
como se fosse foz
seu único destino
não basta o rio –
cruzar a vida como esquina
sem banzeiro que revire a via estreita
nem
sorrir pra cantilena ilusória do mar –
carece macaréu em barro & areia
arrancando as árvores revendo
o próprio rumo estrondo só
sal revoluto
o corpo inteiro em pororoca
A imagem do rio, mas de uma procura não pelo “murmúrio adocicado das águas” ou a “cantilena ilusória do mar” – as representações melosas e, na verdade falsas, do que é um rio – mas uma forma de afirmação da vida encontrada na própria violência do viver, o macaréu, o sal revoluto, a pororoca.
Por isso, por ser um livro de estreia de peso (ao contrário dos tantos livros de estreia que poetas jovens demais se afobam para publicar com muita precocidade e depois se arrependem), que vão os meus sinceros parabéns ao nosso primeiro escamandrista a ter o seu livro publicado.
Adriano Scandolara
Parabéns 1
Adorei a formação do grupo, iniciativa, iniciação , poesia em ação , publicação , sonho , realização