Leandro Rafael Perez

LRP por André Sato

Leandro Rafael Perez (1987 – ) é um poeta de São Paulo, autor de Pálpebras amareladas (2008, inédito em papel, publicado online no Scribd) e Lança além do real só (Patuá, 2010). Ele já deu as caras aqui no blog num post do Guilherme sobre Robert Creeley com o poema “RC (Robert Creeley / Roberto Carlos)”, e como um dos integrantes do Vinagre… e eis que agora já mais do que passou da hora de ter seu post próprio.

Não vou negar que o considero um poeta um tanto hermético (e, pelo que já conversamos, não, isso não é uma ofensa, e não estou sozinho nesse julgamento); é verdade que esse hermetismo é às vezes maior, às vezes menor… há algo constante, porém, no modo como ele se vale da opacidade da linguagem para dizer o que sente que precisa ser dito. Uma de suas principais influências, além da combinação inusitada de Creeley e Góngora, é Wallace Stevens, mas eu diria ainda que encontro nele também algo reminiscente de outro modernista, Hart Crane, notavelmente o mais difícil do pessoal de sua geração no quesito dificuldade pura – i.e. sem recorrer à dificuldade mais “artificial” da referência e da citação erudita, obscura e poliglota, à moda de Eliot e Pound. Talvez seja algo acerca de uma certa vagueza e indeterminação, imagino, que os aproxime. De qualquer modo, é justo por isso que, quando um ou dois versos mais compreensíveis vêm à tona, eles acabam ganhando força pelo efeito do contraste, como ocorre, por exemplo, no final de “RC (Robert Creeley / Roberto Carlos)”, com a oralidade de “Só nos falta o imperativo / — vem com pressa, a  tarde // é fria, imagina a noite”.

Sobre isso, há uma dose ainda de, bem, é difícil chamar de “experimentação”, a esta altura da história da literatura, mas há certamente uma tendência para o desconforto, com combinações inesperadas de palavras, sintaxes estranhas, empregos vocabulares heterodoxos (como, por exemplo aqui, o uso da palavra “latrina” como verbo, em vez de substantivo, em “O que latrina nossa concórdia é a forma”) e jogos de vozes, especialmente em Lança além do real só, cujo título me parece ser uma manifestação bastante clara já dessa poética. A poesia de LRP, no entanto, não me parece dura o suficiente a ponto de afastar o prazer da leitura. Os poemas são incômodos, mas também, com muita frequência, bonitos (como, paradoxalmente, é o caso do poema da latrina) e sempre fica um ou outro verso que serve de caminho para permitir ao leitor adentrá-los, versos que requerem alguma meditação posterior. Tenho uma profunda dificuldade em listar algum outro autor que tenha uma poética parecida com a de LRP – o que, entre os poetas, é sempre uma vantagem – e, considerando-se que ele é ainda bastante novo, imagino que podemos esperar coisas bastante interessantes dele no futuro.

LRP também foi um dos editores do coletivo Projeto Uníssono e atualmente edita seu blog fumante entre cavalos e desenvolve o próximo livro, intitulado Austera Lanugem, que descreve como uma “pedagogia do desespero”, a “linguagem em estado de anuvio”. É desse futuro livro que extraio o primeiro poema da seleção que se segue. Os últimos dois, com títulos, foram extraídos de Lança, enquanto os do meio são uma mescla de inéditos e poemas já postados em seu blog.

Quem tiver interesse, pode ler mais alguns de seus poemas também no blog 332 poemas, comprar o Lança além do real só no site da Editora Patuá, ou ainda baixar e ler por aqui mesmo, no escamandro, o Pálpebras amareladas.

Adriano Scandolara

           

ligue o mesmo
Ao oposto

pelo lado que o Demo
gosta, gemialidades,

espelho é que não,

algo que o tempo fira mais
do que manchas cinzas no orgulho
de imitar à perfeição, Quero sortilégio
& cacoete, espanagem enquanto

hobby vital & meta última do instante
qualquer que o seja a vida naquele dia,

vitelinos de uma mesma ansiedade;
você vai, eu fico, a paisagem dança.

           

crível pujança
diminuto impulso

craquela aquilo que
de pronto esmerilha

consome até isto
se galga perpétuo

esmiúça jamais
pedagogia não.

           

castrato respirando hélio
cachos de anjo, púbis bárbara

recita a abstração do espelho,
lago sem fronteiras

patrulha da obra,
sombra de uma intenção

repete o espelho,
faz o barco

quilha de armar,
um erro proposto

rotundo içar,
furta-alarme.

           

O que latrina nossa concórdia é a forma
como você varre as folhas secas.

A ideia não é esperar, meu bem, nascerem
flores do estrume: Drummond está morto.

Te digo que lia em Portugal são as fezes
onde o porco rola.

Você diz que continua sendo um bonito nome.

           

Abro mão do que te satisfaz
e um pegajoso persegue meus dedos

faz do tempo a corda de um piano monotom,
diminuto,

que reclama para si cada memória ou sobrevida.

           

GÓNGORA NA BALADA GAY

As colunas acabam e continuam no chão
coxas de mulheres de biquíni; na verdade,
as colunas, que são troncos esguios fazendo topless na penumbra,
são apenas colunas: o mistério vem das sombras,
não concordo, e procuro quais holofotes fizeram pélvis,
pernas, triângulo escaleno, descalça, os seios oculares.

           

QUOTIDIANA

Depois do alento,
há uma vitória ingrata
aos que não sabem cantar,
todos nós, ao fim do mundo
já descalços tropeçamos em saltos
ainda, ruído ainda lamento
melancolia perdendo sons por dentro
desalento descanso desdém dia
até sobrar uma única letra
a ser acrescida antes que tudo fim:
Algo algo antes que tudo some,
melodia.

(poemas de Leandro Rafael Perez)

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