Rosas doentes

William-Blake

Em duas ocasiões anteriores, tratamos aqui dos poemas “The Tyger” e “The Lamb”, das Canções de Inocência & Experiência de William Blake. Recentemente eu fiquei meio obcecado com outro poema desses dois livros, “The Sick Rose”, e sinto que, apesar de ser curtíssimo, o poema merecia uma postagem inteira dedicada a ele.

Segue no original:

The Sick Rose

O Rose thou art sick.
The invisible worm,
That flies in the night
In the howling storm:

Has found out thy bed
Of crimson joy:
And his dark secret love
Does thy life destroy.

Destaco duas traduções aqui deste poema. Uma de Mário Alves Coutinho & Leonardo Gonçalves, presente no volume Canções da Inocência e da Experiência, da editora Crisálida:

A ROSA DOENTE

Ó Rosa, estás doente.
O verme que vadia,
Invisível na noite
De uivante ventania:

Achou teu leito feito
De prazer carmesim:
Seu negro amor secreto
Dedica-se ao teu fim.

E outra de Augusto de Campos, que acompanha uma versão verbivocovisual:

A rosa doente

Ó Rosa, estás doente!
Um verme pela treva
Voa invisivelmente
O vento que uiva o leva

Ao velado veludo
Do fundo do teu centro:
Seu escuro amor mudo
Te rói desde dentro.

a-rosa-doente

Publicado pela primeira vez em 1794 (antes, portanto, até mesmo das Lyrical Ballads de Wordsworth & Coleridge, que “fundam oficialmente”, por assim dizer, o romantismo na Inglaterra), “The Sick Rose” é um poema muito estranho. Qual é o sentido dessa parábola? O verme invisível “voa na noite”, pela “tempestade que uiva”, descobre o sugestivo “leito de alegria carmim” da rosa e destrói a sua vida com seu amor negro e secreto. E é isso, nenhuma explicação sobre a moral da história, nenhuma ideia do que possa ser o verme invisível (e como e por que diabos ele voa? e por que na noite, na tempestade?). É evidente que esse não é um poema sobre jardinagem e que as duas figuras são metafóricas, apontando para algo além de si mesmas, mas para o quê? Nem Baudelaire, com toda a sua modernidade (que os críticos e teóricos amam glosar), num poema como “O Albatroz” resiste àquela ponta de vontade iluminista de explicar as coisas, e, mesmo depois de martelar já na nossa cabeça que quem é o rei dos ares acaba sendo reduzido a uma criaturinha patética ao descer dos céus e ser obrigada a andar (que é o albatroz, logo, o poeta, na metáfora), resolve enfiar uma quarta estrofe explicitando essa relação: “Le Poète est semblable au prince des nuées“. Aaaah, claro, Charles! Nunca iríamos adivinhar.

Mas, bem, piadas às custas de Baudelaire à parte (eu ainda sou um baudelairiano irremediável, porém), voltando ao poema, é impossível não notar a aura pesada de erotismo que paira sobre o “The Sick Rose”. “Crimson joy” é uma expressão muito sugestiva, e o gesto do verme encontrando a rosa e, imagina-se, abrindo suas pétalas remete a claramente aos lábios da vulva, ao ato sexual. Mas, em todo caso, é um erotismo mórbido. O crítico S. Foster Damon, num texto de 1924, William Blake: His Philosophy and Symbols faz uma leitura algo cristianizada do poema: a rosa é a flor do Amor, e o verme é a Carne, e Damon identifica na destruição da rosa uma ideia de que esse amor casto é destruído pelo sexo – e, assim, Blake acreditaria num amor inocente e puro, muito em consonância com uma certa visão castrada que se tem da poesia romântica.

Mas essa é uma visão bem inocente. Sem querer fazer uma leitura biográfica aqui, mas já a meio caminho de fazê-la, gostaria de lembrar que a historiadora Marsha Keith Schuchard, em seu livro Why Mrs Blake Cried: William Blake and the Sexual Basis of Spiritual Vision (2006), aponta para documentos que confirmam uma suspeita antiga dela, a de que os Blake eram filiados a uma igreja bastante curiosa, a Moravian Chapel, em Fetter Lane, liderada pelo Conde Zinzendorf. Para explicar e entender o que acontecia na Moravian Chapel, basta pensar nas já famosas descrições do êxtase místico de Santa Teresa d’Ávila, que se parecem muito com a descrição do êxtase sexual. No caso dos Moravians, a semelhança não era metafórica e de fato o Conde Zinzendorf incentivava relacionamentos abertos entre os membros da igreja, dava aulas de educação sexual para recém-casadas e instruía preces e hinos direcionados à ferida na costela de Jesus, que tem um longo histórico de representação iconográfica em que ela se assemelha a uma vagina. Pois é.

Wound of Christ circa 1375

E parece que a Moravian Chapel tinha também alguma coisa com apropriação de noções de meditação cabalística aplicadas à prática sexual (como se concentrar nas letras do alfabeto hebraico), o que permitiria o visionarismo, mas enfim, estou me estendendo demais já sobre o assunto. O ponto a que eu quero chegar é que Blake não era nenhum Álvares de Azevedo, que sonhava com virgens puras entre nuvens inatingíveis. E isso, longe de ser um detalhe biográfico, encontra reflexo em sua poesia, o que faz com que a leitura de Damon pareça um tanto equivocada, talvez refletindo os valores conservadores de sua própria época. O mesmo acontece com a crítica em torno de Shelley (muitas vezes, não por acaso, comparado a Blake), lido como um poeta do amor espiritual puro, mas que a uma leitura mais detida revela um louvor ao amor livre e uma carnalidade bem acentuada.

Eu encontrei um site aqui de um professor da Universidade de Minnesota chamado Norman Fruman, que reconta uma anedota em sala de aula em que uma aluna sugere que o verme invisível do poema seja um símbolo fálico, ao que outra aluna responde: “se você acha que o verme invisível é um símbolo fálico, você precisa arranjar outro namorado” (fonte). Apesar da sagacidade da piada da moça (eu, pelo menos, ri), acontece que o verme tem de fato uma conotação fálica em Blake. Ele aparece em “O Livro de Thel” com essa dupla simbologia de imagem do sexo (falo) e da morte (o verme que rói os cadáveres), mas é uma figura patética, porque a narrativa se passa em Beulá, o jardim da inocência, na mitologia de Blake, que Thel habita e do qual se recusa a sair. No estado de inocência não existe morte e geração (i.e. procriação), assunto de que já tratamos anteriormente numa postagem sobre Joseph Campbell (clique aqui), e por isso Thel tem pena da criaturinha ridícula, ao mesmo tempo um verme inócuo e pênis infantil. E isso muda muito em “The Sick Rose”, não um poema do livro da inocência, mas da experiência.

E aqui eu vou ter que citar Harold Bloom. Sei que muita gente tem problema com ele, e com toda a razão, mas o Bloom de começo de carreira era um ótimo leitor dos românticos, e o seu livro The Visionary Company: a reading of English Romantic poetry (1961) é uma excelente introdução a Blake, Wordsworth, Coleridge, Keats, Shelley e Byron, escrita na época em que ele ainda não estava completamente obcecado com termos cabalísticos, angústia da influência e defesa do cânone. Na seção sobre “The Sick Rose”, que emenda com uma seção anterior sobre o poema “Earth’s Answer”, também sobre dominação sexual, Bloom diz o seguinte:

Porém os amantes se encontram nas florestas da noite e não à luz do dia. Esse tema encontra sua perfeita expressão em “The Sick Rose”, trinta e quatro palavras que formam um poema maravilhosamente compacto. Como com “The Tyger”, a dificuldade deste poema o faz herdar o tom problemático de sua abertura exclamatória:

O Rose, thou art sick!

A ênfase aqui é na palavra “art” (és/estás) e o tom é macabro, com a assertividade de um profeta que viu sua profecia de calamidade ser cumprida:

The invisible worm
That flies in the night,
In the howling storm,

Has found out thy bed
Of crimson joy,
And his dark secret love
Does thy life destroy.

O leito precisa ser “descoberto” porque está oculto, e já é um leito de “alegria carmim” antes que o verme chegue a ele. Os elementos de ocultação deliberada e de autogratificação sexual deixam claro que o poema é uma invectiva contra o mito de que são as mulheres que fogem e os homens que as buscam, com seu padrão sinistro de recusa sexual e subsequente destrutividade. O amor do verme é um amor negro e secreto e portanto destrói a vida, porém o verme vem invisivelmente à noite e pela ação da tempestade que uiva, porque um amor solar e declarado não poderia ser recebido. Nem o verme, nem a rosa têm culpa, na verdade, porque foi a Natureza que ocultou o leito da rosa e assim pôs os contrários gerativos masculino e feminino um contra o outro. A força do poema se encontra no paralelo humano que fica sugerido, em que a ocultação é mais elaborada e o casamento-estupro destrutivo é um ritual social.

E essa leitura me parece estar mais alinhada ao sentido ético geral da mitologia elaborada por Blake, que não tem espaço para essa dicotomia simples entre amor “puro” e o amor erótico – dicotomia esta cujo tom implícito de disciplina e proibição remete a Urizen, o demiurgo da cosmologia blakiana que representa a lei e a razão e visa restringir a liberdade humana, e, em todo caso, é angelical demais para partir da mesma persona que reclama, em O Matrimônio do Céu e do Inferno, que Swedenborg só “escreveu as velhas falsidades” por ter conversado “apenas com os Anjos, que são todos religiosos, & não os Diabos, que odeiam, todos, a religião”. Esse topói do amor que é destrutivo por ser obrigado a ser oculto e clandestino, já prepara o terreno ainda para a releitura homossexual do poema no contexto da segunda metade do século XX, nas mãos de figuras como o cineasta Derek Jarman (1942 – 1994), que foi grande leitor de Blake. Não me por acaso também, o grupo de música eletrônica e industrial Coil (1982 – 2004), que trabalhou com Jarman em projetos como The Angelic Conversation (1985) e Blue (1993), utiliza o poema como mote no álbum Love’s Secret Domain (1991).

Mas voltemos ao texto. Notem que Bloom, infelizmente, como costuma fazer em suas análises, não presta muita atenção aos elementos formais mais básicos do poema. Para dar um exemplo, a pontuação usada por ele (que tem aquele ponto de exclamação horroroso) é diferente da que se vê na placa em que o poema está ilustrado:

The_Sick_Rose_(Fitzwilliam_copy)

A pontuação idiossincrática, com essa falta de vírgulas, soma uma camada a mais de estranheza ao poema, junto de sua métrica irregular, que leva a uma contagem de sílabas 5/6/5/5 e 5/4/6/5:

o / ROSE | thou / art / SICK |
the  / in / VI | si / ble / WORM |
that / FLIES | in / the / NIGHT |
in / the  / HOWL | ing / STORM |

has / FOUND | out / thy / BED |
of / CRIM | son / JOY |
and / his / DARK | sec / ret | LOVE |
does / thy / LIFE | dest / ROY |

…no primeiro verso temos um jambo (sílaba fraca + sílaba forte)  e um anapesto (sílaba fraca + sílaba fraca + sílaba forte), depois dois anapestos nos dois versos seguintes e uma combinação de anapesto e jambo que inverte a do primeiro verso. “Of crimson joy” consiste de dois jambos só, e “dark secret love” é uma expressão complicadinha de escandir, por causa da dinâmica de força entre as tônicas do inglês em que geralmente os adjetivos acabam perdendo para os verbos e substantivos. Mas aqui há um encavalamento de adjetivos e, assim, temos 3 opções: ou imaginamos que este seja um verso anômalo no poema com 3 tônicas, e o lemos com o choque desagradável de duas tônicas (DARK | SEC | ret) ou ainda com o “dark” perdendo a tonalidade para o “his” (o que é bem forçado); ou supomos que o pé métrico usado seja um com três sílabas átonas e uma tônica, o chamado peônio (and / his / dark / SEC | ret / LOVE), que é uma opção meio bizarra; ou lemos “secret” como sendo uma palavra inteiramente átona, o que é também uma opção bem estranha, que foi o Guilherme que me sugeriu aqui e que eu rejeitei a princípio, mas depois acabei vendo que era a melhor opção, fazendo com que ele seja, como o segundo verso, anapéstico.

Foi com estas coisas em mente e ainda mais algumas, tais como apontadas por Jeremy Biles nesta postagem, que resolvi somar mais uma tradução do poema ao português, já que acredito que essas pequenas dissonâncias servem para deixá-lo mais intrigante e até mesmo, arriscaria dizer, mais moderno. O verme acabou aqui se tornando uma praga, no sentido botânico do termo, uma vez que a palavra “worm” em inglês pode ter uma conotação mais genérica que não sei se “verme” tem em português. Por exemplo, não me parece corrente falarmos em verme da maçã ou da goiaba (para nós, pelo menos na variação linguística à qual estou acostumado, diz-se “bicho”, que a fruta está “bichada”), ao passo que “worm” é comum nesses casos em inglês, e a ilustração de Blake nos mostra uma lagarta. “Praga”, além disso, também permite uma aliteração com “procela”, e o Jeremy Biles identifica na expressão “howling storm” um desdobramento da palavra worm (hoWling stORM) que se torna possível se aproximar, na tradução, com “procela” e “chegara”, no verso seguinte (PRocelA, cheGAra). Também tentei reproduzir uma certa irregularidade de metro (apesar de eu não ter me prendido tanto à estrutura dos pés métricos do original) e de pontuação, bem como a repetição da letra “o”, que no original ocorre em todos os versos menos o terceiro (o segundo, na minha tradução) e que parece ser significativa.

Segue a tradução, enfim:

A Rosa Doente

Ó Rosa adoeceste.
A praga invisível,
Que voa na noite
Na procela temível:

Chegara a teu leito
De gozo carmim:
E seu atro oculto amor
À tua vida põe fim.

 

(Adriano Scandolara)

 

PS: o Guilherme também se empolgou com a ideia de traduzir o “Sick Rose” e mandou uma tradução própria. Quem quiser mandar também a sua nos comentários, sinta-se à vontade:

A rosa adoentada

Ah rosa adoentada
um verme que se enrasca
no voo invisível
da uivante borrasca

achou a tua cama
rubra enlouquecida
e num negro amor
corrói a tua vida

(tradução de Guilherme Gontijo Flores)

10 comentários sobre “Rosas doentes

  1. Excelente postagem! Vou dar meus 20 centavos tradutórios também:

    Rosa, estás enferma.
    O parasita oculto
    Que em noite revolta
    Voeja seu vulto:

    Achou em teu leito
    Rubro deleite:
    Seu negro amor secreto
    A vida desfez-te.

    Não tenho certeza se gramaticalmente esse final tá certo não… Se não tiver, podemos tentar (mudando mais ou menos a primeira estrofe também):

    Rosa, estás enferma.
    A larva invisa
    Que plaina na noite
    Irosa e arisca:

    Achou em teu leito
    Deleite escarlate:
    Seu negro amor secreto
    Tua vida abate.

  2. “‘The sick rose’ é o Caramanchão da Felicidade de Spencer [sic] destruído pela guerra dos sexos. A convenção literária de fuga feminina e perseguição masculina, satirizada por Spenser na sempre fugitiva Florimell, revela hostilidade inata. As sedutoras artes de auto-ocultamento da mulher significam que a aproximação do homem deve assumir a forma de estupro. O falo torna-se o inseto conquistador, agente de morte. Retirar-se e esconder-se são sempre atitudes negativas em Blake. Aqui, provocam ataque sádico, em parte uma alucinação da rosa reclusa. A rosa é uma psique narcisisticamente convoluta. O órgão genital feminino é tradicionalmente simbolizado pela rainha das flores, da medieval Rosa Mística de Maria ao clássico do rock ‘Sally, go around the roses’. Blake encara o solipsismo como o perigo da sexualidade feminina. O exclusivismo da rosa mistura medo, vergonha e orgulho. Suas camadas de pétalas são uma forma de autopovoamento. Que o ‘leito de prazer carmim’ da rosa sugere prazer masturbatório, é fato bastante aceito pelos críticos. Para Blake, a compleição da rosa em si mesma é perversa e estéril. A rosa é um dissidente sexual, dividindo onde devia haver inteireza e unidade na natureza. É assim uma primeira versão dos hermafroditas solipsistas dos livros proféticos de Blake.

    A rosa masturbatória de Blake pertence à tradição iniciada no Egito, onde o auto-erotismo é um método de cosmogonia. Blake vê um mundo privado de sexo como uma célula de prisão. A rosa está doente porque pensa que a comunhão do sexo drena e apaga sua identidade. A ambivalência do próprio Blake em relação ao sexo produz a críptica dualidade do poema. O medo masculino da auto-suficiência da mulher está escrito em toda a mitologia e cultura. É a identidade masculina, não a feminina, que é aniquilada na tempestade noturna da natureza. […]”

    PAGLIA, Camille. “Personas sexuais: arte e decadência de Nefertite a Emily Dickinson”.Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 260-3.

  3. “Ó Rosa, enfermaste,
    O verme velado
    À treva voa
    Em vento uivado:

    Deita-se em teu leito
    De deleite carmesim:
    Velado negro amor
    Destrói-te, enfim.”

  4. E aqui vai minha contribuição:

    A ROSA ENFERMIÇA

    Ó rosa enfermiça,
    A lagarta silente
    Que voa de noite
    Na voraz corrente,

    Devassa teu leito
    De rubro gozo;
    Seu hermético amor
    Te será ruinoso.

    Emmanuel Santiago

    1. Faltou uma vírgula ao final do segundo verso:

      “A lagarta silente[,]”

      E eu trocaria o ponto e vírgula do sexto verso por dois pontos:

      “De rubro gozo:”

  5. Achei excelente essa lembrança e o entusiasmo. Há várias histórias em torno a esse poema. Uma delas é de que a lenda de Ginsberg e sua audição visionária em meados dos anos 40, ouvindo a voz de Blake enquanto se masturbava e fumava maconha, se deu enquanto ele lia este poema. Ginsberg titubeia entre este e o “Ah! Sunflower”.

    Quando eu estava traduzindo o “Canções”, li muito a respeito deste poema. Eu o considero um dos trabalhos centrais no livro. Como você sabe, Canções da Inocência e da Experiência é uma obra única no conjunto do que o próprio Blake publicou. É, provavelmente, o seu momento mais lírico, mais cantável.

    Daí, vem aquela leitura em duplas. Lamb-Tyger, Little boy lost (inocência), Little girl lost (experiência). O escuro, nesse pensamento dual que o Blake inventou, simboliza a inocência (ao contrário do que se espera tradicionalmente). A experiência, embora fruto da dor, é mais simbolizada pela clareza. Um dos primeiros poemas da Experiência diz:

    Earth rais’d up her head,
    From the darkness dread & drear.

    Ele duvida que o lavrador lavre de noite e vê o selfish deus Chain’d in the night. Para Blake, não há completude em um dos dois opostos. É preciso haver luz na noite e escuridão na luz do dia. Sem sacar nada de yin e yang, ele já tinha essa intuição.

    Numa leitura possível, o poema que faz par inocente com The sick rose é The Blossom:

    Merry Merry Sparrow
    Under leaves so green
    A happy Blossom
    Sees you swift as arrow
    Seek your cradle narrow
    Near my Bosom.

    Pretty Pretty Robin
    Under leaves so green
    A happy Blossom
    Hears you sobbing sobbing
    Pretty Pretty Robin
    Near my Bosom.

    Onde você tem o leito em the rose, aqui tem o berço. A flor que acaba de nascer paira sob leaves so green. Aqui tem um pretty pretty robin, fazendo as consoantes de assoviarem enquanto a florzinha o ouve sobbing sobbing sobing. É um poema de pura luz diurna.

    Não é pela forma que o verme de The sick rose é fálico, mas por seu caráter de intromissor. Ele penetra no delicado ventre da flor, numa relação semi-sadomasoquista, num sim-não, num sin-virtue duvidoso. A Rosa (tropo comum para metaforizar a passagem do tempo na poesia de todos os tempos) não quer envelhecer, mas mesmo assim deseja o dark secret love.

    Ao contrário da flor que nasce aqui, lá temos uma flor dolente-adolescente. The rose é o mandacaru que fulora na seca. A menina que enjoa da boneca. A rosa carmesim, que se ilumina por dentro, se deixa penetrar à noite.

    Enfim, esses oito versos são de matar. Difíceis de traduzir e merecedores de mil e uma versões que jamais o abarcarão por completo. Dão conversas infinitas.

    Abração!

  6. Parabéns pela análise e pelas traduções do poema. Embora pouco conheça de William Blake, o que li dele gostei muito, e com certeza procurarei mais a seu respeito. O artigo me instigou, e eu tentei traduzir o poema à minha maneira. Gostaria de constar, antes de tudo, que é a minha primeira tradução literária, e que também não tenho certeza de algumas palavras/expressões que traduzi, bem por isso a exponho para eventuais críticas e conselhos que possam ajudar-me a aprimorar o meu trabalho. Desde já, obrigado.
    Lá vai minha tradução:

    A Rosa Doentia

    Ó Rosa que adoenta.
    O verme oculto
    Pairando pela noite
    No uivante tumulto:

    Desvenda o teu leito
    Escarlate de prazer:
    E o atro amor furtivo
    Faz tua vida fenecer.

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