giuseppe ungaretti, por ernesto von artixzffski

ungaretti

giuseppe ungaretti (alexandria, 1888 – milão 1970) talvez seja, do dito grupo dos herméticos – se é que assim se pode classificá-lo -, o mais plural representante. soldado na primeira guerra mundial, lutou na província de trieste. escreveu alguns poemas em francês – publicados sob o título de derniers jours em 1919 – e lecionou durante cinco (1937-42) na USP.

ainda que a ele se atribua o caráter de criador do movimento hermético, não vejo tanto desse poetar alusivo e fragmentário que dominava as produções herméticas. ainda, também, que de certa forma, mas não totalmente, ungaretti tenha aderido a algumas das experiências radicais da modernidade, sua obra se faz menos de alusão e mais de constatação.

mesmo que durante seus mais de cinquenta de produção poética o tema militar/bélico tenha sido quase que um fio condutor, sua poesia não pode ser facilmente enquadrada como “de guerra”. ungaretti soube expressar algo maior: uma experiência profunda da dor. algo semelhante, mas não completamente, à capacidade cabralina de conciliação de extremos, de contrários. o equilíbrio entre o estável e o perene; a profunda dor que concede mais vontade de vida; uma dimensão unitária do tempo: o poético.

sua linguagem justa, despida, reduzida sempre ao essencial deixa, aquilo que pra mim define sua poética, o transcendental (ou sagrado, alto, elevado, sublime, o mistério, sei lá) escamoteado sob a superfície de um discurso aparentemente simples (não vou dizer prosaico se não dá confusão quando falar do pavese).

a poesia do ungaretti, pra mim, enfim, abre sempre, em pares, os abismos perscrutáveis do ser humano. & não seria essa a função maior do poeta?

ernesto von artixzffski

outros poemas de il dolore já foram traduzidos aqui.

* * *

DANNAZIONE

Chiuso fra cose mortali
(Anche Il cielo stellato finirà)
Perché bramo Dio?

DANAÇÃO

Cerrado entre coisas mortais
(até o céu estrelado findará)
Por que grito Deus?

* * *

ATTRITO

Con la mia fame di lupo
ammaino
il mio corpo di pecorella

Sono come
la misera barca
e come l’oceano libidinoso

ATRITO

Com minha fome de lobo
amanso
meu corpo de cordeiro

Sou como
a mísera barca
e como o oceano libidinoso

* * *

CHIAROSCURO

Anche le tombe sono scomparse

Spazio nero infinito calato
da questo balcone
al cimitero

Mi è venuto a ritrovare
il mio compagno arabo
che s’è ucciso l’altra sera

Rifà giorno

Tornano le tombe
appiattate nel verde tetro
delle ultime oscurità
nel verde torbido
del primo chiaro

CLAROESCURO

Sumiram até mesmo as tumbas

Negro espaço infinito calado
desde esta varanda
até o cemitério

A mim veio reencontrar
o meu amigo árabe
que outra noite se matou

Refaz-se o dia

Retornam as tumbas
veladas no verde sombrio
das últimas trevas
no verde turvo
do primeiro clarão

* * *

INNO ALLA MORTE



Amore, mio giovine emblema,

Tornato a dorare la terra,

Diffuso entro il giorno rupestre,

È l’ultima volta che miro

(Appiè del botro, d’irruenti

Acque sontuoso, d’antri

Funesto) la scia di luce

Che pari alla tortora lamentosa

Sull’erba svagata si turba.




Amore, salute lucente,

Mi pesano gli anni venturi.



Abbandonata la mazza fedele,

Scivolerò nell’acqua buia

Senza rimpianto.



Morte, arido fiume…



Immemore sorella, morte,

L’uguale mi farai del sogno

Baciandomi.



Avrò il tuo passo,

Andrò senza lasciare impronta.



Mi darai il cuore immobile

D’un iddio, sarò innocente,

Non avrò più pensieri né bontà.



Colla mente murata,

Cogli occhi caduti in oblio,

Farò da guida alla felicità.

HINO À MORTE

Amor, meu jovem emblema,
Tornado a dourar a terra,
Difuso num dia rupestre,
É a última vez que olho
(Ao pé do valo, de rudes
Águas suntuoso, de grutas
Funesto) o rastro de luz
Qual a pomba lastimosa
Que sobre relva relaxada se agita.

Amor, saúde luzente,
Pesam-me os anos próximos.

Abandonado o cajado fiel,
Escorrerei na água turva
Sem saudades.

Morte, árido rio…

Irmã esquecida, morte,
Igual me farás ao sonho
Beijando-me.

Terei teu passo,
Partirei sem deixar marcas.

Dar-me-ás o coração imóvel
De um Deus, serei inocente,
Não terei mais pensamentos nem bondade.

Com a mente murada,
Os olhos caídos no esquecimento,
Te guiarei para a felicidade.

(trad. ernesto von artixzffski)

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