Poemas sobre Barcelona, de Roberto Bolaño, por Gustavo Petter

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Roberto Bolaño fixou-se na Espanha no final da década de 70, depois de percorrer México, África e outros países europeus. O estopim das viagens foram os oito dias preso por militar na resistência ao governo Pinochet. Mas foi Barcelona que acolheu Bolaño até o ano de sua morte, em 2003. O início foi difícil: solidão, ilegalidade, falta de dinheiro. Trabalhou como lavador de pratos, camareiro, vigilante noturno, estivador. Até que a literatura proporcionou-lhe alguma renda.

Foi em território espanhol que Bolaño se desenvolveu como narrador, produzindo desenfreadamente contos e romances. Sem abandonar a poesia, aliás, se considerava acima de tudo poeta. O caminho em direção à prosa deu-se por preocupações financeiras, queria deixar esposa e filhos bem amparados, pois convivia com uma doença hepática, que o levaria à lista de transplantes.

A poesia de Roberto Bolaño é muito próxima à vida cotidiana, às ruas, pessoas, aos conflitos do sujeito imerso em seu dia-a-dia. Então, Barcelona tornou-se signo recorrente em seus versos. Neles convivemos com a solidão, o erotismo, o contato com o outro, fragmentos urbanos que o eu-lírico traduz com honestidade, visceralidade, sem carregadas metáforas. Da maneira como a poesia Infrarrealista pregava a relação com o mundo.

Dessa forma, a cidade de Barcelona, como símbolo poético, guiou a escolha dos cinco poemas aqui traduzidos. Através deles temos contato, não só com a poética, mas com a vida de Bolaño, tão próxima da nossa, em suas experiências e imagens.

Gustavo Petter

* * *

Agora passeias pelas docas
de Barcelona.
Fumas um cigarro negro e por
um momento crês que seria bom
que chovesse.
Dinheiro não te concedem os deuses
mas sim caprichos estranhos
Olha para cima:
está chovendo.

Ahora paseas solitario por los muelles
de Barcelona.
Fumas un cigarillo negro por
un momento crees que sería bueno
que lloviese.
Dinero no te conceden los dioses
mas sí caprichos extraños
Mira hacia arriba:
está lloviendo.

§

É noite e estou na zona alta
de Barcelona e já bebi
mais de três cafés com leite
na companhia de gente que não
conheço e sob uma lua que às vezes
me parece tão miserável e outras
tão sozinha e talvez não seja
nem uma coisa nem outra e eu
não haja bebido café mas conhaque e conhaque
e conhaque em um restaurante de vidro
na zona alta e a gente que
cri acompanhar na realidade
não existe ou são rostos entrevistos
na mesa vizinha a minha
onde estou sozinho e bêbado
gastando meu dinheiro em um dos limites
da universidade desconhecida.

Es de noche y estoy en la zona alta
de Barcelona y ya he bebido
más de tres cafés con leche
en compañía de gente que no
conozco y bajo una luna que a veces
me parece tan miserable y otras
tan sola y tal vez no sea
ni una cosa ni la otra y yo
no haya bebido café sino coñac y coñac
y coñac en un restaurante de vidrio
en la zona alta y la gente que
creí acompañar en realidad
no existe o son rostros entrevistos
en la mesa vecina a la mía
en donde estoy solo y borracho
gastando mi dinero en uno de los límites
de la universidad desconocida.

§

MOLLY

Uma garota com libras irlandesas
e uma mochila verde.
143 pesetas por uma libra irlandesa,
é bastante, né?
Nada mal.
E duas cervejas em um terraço
de Barcelona.
E gaivotas.
Nada mal.

MOLLY

Una muchacha con libras irlandesas
y una mochila verde.
143 pesetas por una libra irlandesa,
es bastante, no?
No está mal.
Y dos cervezas en una terraza
de Barcelona.
Y gaviotas.
No está mal.

§

A RUA TALLERS

A garota se despiu um quarto estranho
uma geladeira estranha umas cortinas
de muito mau gosto e música popular espanhola
(meu Deus, pensou) e levava meias
presas por ligas negras e eram 11h30
da noite bom para sorrir ele
não havia abandonado totalmente
a poesia um elo mundano quadros bonitos
porém mal emoldurados e postos por simples
acumulação a garota disse cuidado
me come devagar a cor rubra tirada a boina
vão embora ontem disse aplaudiu a pura
esgrima e tua cinta-liga dois cisnes

LA CALLE TALLERS
La muchacha se desnudó un cuarto extraño
un refrigerador extraño unas cortinas
de muy mal gusto y música popular española
(Diós mio, penso) y llevaba medias
sujetas con ligas negras y eran las 11.30
de la noche bueno para sonreír él
no había abandonado del todo
la poesía un ligue callejero cuadros bonitos
pero mal enmarcados y puestos por simple
acumulación la muchacha dijo cuidado
métemelo despacio el rojo se sacó la boina
se marchan ayer dijo aplaudió la pura
esgrima y tu liguero dos cisnes

§

Na realidade quem tem mais medo sou eu
ainda que não aparente O entardecer
de Barcelona Uma ou duas ou três garrafas
de cerveja preta A linda Edna tão distante
Os faróis varrem três vezes a cidade
Esta cidade imaginária Uma duas três vezes
disse Edna Indicando uma hora misteriosa
para dormir Sem mais retornos
De uma vez por todas

En realidad el que tiene más miedo soy yo
aunque no lo aparente En el atardecer
de Barcelona Una o dos o tres botellas
de cerveza negra La hermosa Edna tan lejos
Los faros barren tres veces la ciudad
Esta ciudad imaginaria Una dos tres veces
dijo Edna Indicando una hora misteriosa
para dormir Sin más reuniones
De una vez por todas

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2 comentários sobre “Poemas sobre Barcelona, de Roberto Bolaño, por Gustavo Petter

  1. Interessante. Poemas que de fato refletem um lirismo provocado pelos instantes vivenciados no cotidiano de um indivíduo, mas de caráter comum, universal na vida das pessoas.
    Pelo visto, você está se dando também a uma nova atividade com a literatura.
    Um abraço

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