Gustavo Petter, poeta e tradutor, mora em Araçatuba/SP, trabalha como professor da rede estadual. Participou da exposição Poesia Agora no Museu da Língua Portuguesa, da antologia 29 de abril: o verso da violência, tem poemas publicados nas revistas Mallarmagens, Germina e Diversos Afins. Mantém o blog agradaveldegradado.blogspot.com.br.
Aqui no escamandro ele já contribuiu duas vezes com traduções da poesia de Roberto Bolãno.
* * *
sobre os que amo
demoro meus olhos
castanho claros onde
a maré da memória
trouxe à margem
uma baleia morta
nadadeira direita
quase desmembrada
silencioso ventre
branco acinzentado
sob o azul sem nuvens
os que amo mergulham
com escafandro o turvo
mar que avança e recua
a linha de espuma
inquietando naufrágios
§
colheu do chão
uma casa de caracol
desabitada
reconheceu nela
importância suficiente
para ser guardada
na antiga caixinha de joias
também colhida
do abandono
§
senti-lo vivo
debatendo-se
contra
o céu
da boca
não o nome
que limita define
circunscreve
a espécie
sim a ampla
palavra: pássaro
debatendo-se
contra o céu
da boca até
reinventar
o voo
§
Os afogados
reúnem-se
em cardumes
Pela palavra
investigar a
reação do corpo
à beleza desoladora
O primeiro esforço
é não ruir sobre si
como a onda um
passo além do ápice
Após noites seguidas
emergindo de
pesadelos
com asfixia
Compreender
nadar para
longe do naufrágio
buscar a margem
é frágil salvação
Natural a sede
por alguma remissão
Cogitar associar-se
aos que militam
pela preservação
das baleias
Fumar baseados
embarcado próximo
ao oceano ártico
com a tripulação babel
Registrar no
diário de bordo
Mishima Bashô
samurais de Kurosawa
mangakas underground
cerejeiras floridas
nem todo japonês
caça baleias
Pela palavra
conhecer a re
ação do corpo
à desoladora
beleza: ao
enredar-se
nos ossos
há que
ouvi-la
ecoar
os afogados
§
desde o começo
fora colocado na
parede do quarto
acima da cabeceira
o anjo da guarda
corpo e asas de gesso
suavemente coloridas
em tons de azul e rosa
a queda foi ruidosa
espalhou brancos
fragmentos sobre
a madeira escura
do chão encerado
compôs uma constelação
a criança soube
que era má
estava abandonada
à própria sorte
mas o poema dirá
a toda criança que
acidentes acontecem
§
Alimentá-las
eis o primeiro
pensamento da manhã
mesmo zelo dedicado
aos animais de estimação
esterilizadas de
memórias ou culpas
como instrumentos cirúrgicos
as lâminas ensinam:
a indocilidade
emana das mãos
Excelente. Muito bom. Agora é publicar. A poesia é o remédio dá alma !
Se não em todos ao menos na maioria dos momentos penso que é o único remédio. Grato pela leitura. Abraços!