Rafael Zacca nasceu no Méier, 1987. Publicou Kraft | Poemas (Cozinha Experimental, 2015) e é um dxs autorxs do Almanaque Rebolado (2017). Articula a Oficina Experimental de Poesia, no Rio de Janeiro. Colabora com o Jornal Rascunho de Literatura.
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Uma barata no cemitério de Inhaúma
“sem saber se o cheiro que sente
é de açúcar ou de morte”
Heyk Pimenta
Uma barata, Heyk,
esmagada na gaveta da dona Elizabete
no cemitério de Inhaúma
morria sozinha
ainda no portal
metade era só pasta
a outra, miragem às avessas
areia enfim
rodeada de gente
eram brutas as gentes
quando choravam –
hoje não choram mais
a delicadeza
é uma terra arrasada
tática dos russos
a delicadeza
é um desespero de guerra
tanta gaveta sem jeito
uma delas com adesivo
do Tom & Jerry
eles nunca morriam
nem ficavam mancos
não tinham esse corpo
frouxo
dentro do metrô do rio
só o escuro
trazendo a dona Elizabete
ela e os latifúndios
ela e os carregamentos de borracha
era manca
mas não tinha o corpo frouxo
dentro uma lagoa
e uma noite sem fim
e pés de buriti
crescendo entre as patinhas
só o mel vazando
do corpo a última gota
e o convite às moscas
não tem estação do metrô
em São João de Meriti
mas é como se tivesse
a linha 2 enforca
a Pavuna
e São João
a linha 2
é uma casa de engorda
a dona Elizabete
morreu no Cachambi
por isso morreu magra
alçando voo sem asa
não era bicho de desenho animado
era uma água negra
parada
só
antes do voo
foi grito urro televisão no último volume
incomodou o vizinho
recebeu multa
120 reais
, a barata, Heyk,
eu não sei se ficou viva
se tentou ainda as carnes
da dona Elizabete
ou se recebeu
multa de condomínio
morria sozinha
a delicadeza
era manca
um desespero de guerra
crescendo entre as patinhas
só o mel vazando
mas os teus poemas
seguem
tentando as carnes
vivas ou mortas
para lhes dar
alguma dignidade.
Heyk, você é uma casa onde moram os bichos que eu quis pegar pra criar.
Rio de Janeiro, 4-3-2015.