ALGUNS POEMAS DOS ÚLTIMOS ANOS DE ANNE SEXTON
Nos últimos poemas do livro The Awful Rowing Toward God (1975), último livro que Anne Sexton (1928-1974) chegou a revisar antes de seu suicídio — embora tenha deixado outros textos para posterior compilação — o poema “Mothers” chama a atenção pelo diálogo que ele possui com textos em outros livros seus. Trabalha-se com esses textos pois que a fase final da obra de Sexton não recebe a mesma atenção que seus primeiros livros, mas ela apresenta uma riqueza simbólica tão vasta quanto, e, em especial, nos temas que são caros a ela e atravessam sua poesia.
É recorrente uma continuidade temática em sua obra, especialmente por sua inscrição na poesia confessionalista estadunidense, em que elementos supostamente biográficos se confundiam com elaborações fictícias. Assim, podemos falar de uma persona poética de Sexton em seus poemas, e, nesta performance de si, a relação entre mãe e filha é um assunto frequente, presente desde seu primeiro livro, To Bedlam and Part Way Back (1960), em “The Double Image”. Conforme a biografia de Anne Sexton por Diane Middlebrook, quando ela fazia leituras públicas desse poema, que relata a relação entre três gerações (a filha da persona poética, ela mesma e sua mãe), ela costumava dizer: “o grande tema não é o de Romeu e Julieta. O grande tema de que todos nós compartilhamos é o tornar-se quem se é, de superarmos nosso pai e nossa mãe, de assumirmos nossa identidade de alguma forma” (tradução minha).
Assim, retomam-se aqui particularmente dois poemas de The Book of Folly (1972), “Dreaming the Breasts” e “The Author of the Jesus Papers Speaks”, desenvolvendo esse tema familiar, com uma reverberação imagética que parece ter no texto de 1974 e publicado em 1975. O segundo poema, em particular, não fala da relação maternal explicitamente, mas a referência ao leite e à alimentação estabelecem outra interpretação para os outros textos. Escritos em verso livre, procura-se pela tradução recriar seu ritmo e jogos sonoros internos, ainda que alterando levemente o sentido das frases, para que o efeito poético não se perca. Considerando o ritmo, busca-se manter a mesma quantidade de sílabas fortes dentro de cada verso, ainda que a tradução resulte maior, para tentar conciliar a menor extensão das palavras em inglês com relação às suas possíveis traduções ao português e, assim, preservar o conteúdo do poema na medida do possível.
Beatriz Regina Guimarães Barboza
***
DREAMING THE BREASTS
Mother,
strange goddess face
above my milk home,
that delicate asylum,
I ate you up.
All my need took
you down like a meal.
What you gave
I remember in a dream:
the freckled arms binding me,
the laugh somewhere over my woolly hat,
the blood fingers tying my shoe,
the breasts hanging like two bats
and then darting at me,
bending me down.
The breasts I knew at midnight
beat like the sea in me now.
Mother, I put bees in my mouth
to keep from eating
yet it did no good.
In the end they cut off your breasts
and milk poured from them
into the surgeon’s hand
and he embraced them.
I took them from him
and planted them.
I have put a padlock
on you, Mother, dear dead human,
so that your great bells,
those dear white ponies,
can go galloping, galloping,
wherever you are.
SONHANDO OS SEIOS
Mãe,
estranha face divina
sobre meu lar leitoso,
aquele delicado asilo,
te comi toda.
Toda minha falta te
engoliu como um prato.
O que você ofertou
eu lembro em um sonho:
os braços sardentos me enlaçando,
o riso n’algum lugar sobre meu chapéu de lã,
os dedos de sangue atando meu sapato,
os seios pendurados como dois tacos
e então me atingindo assim,
me curvando.
Os seios que eu soube à meia-noite
soam como o mar em mim agora.
Mãe, ponho abelhas em minha boca
para me impedir a comida
mas isso de nada adiantou.
No fim cortaram fora seus seios
e o leite derramou deles
nas mãos do cirurgião
e ele os abraçou.
Eu os tomei dele
e plantei-os.
Coloquei um cadeado
em você, Mãe, querida humana morta,
para que seus grandes sinos,
aqueles queridos pôneis brancos,
sigam galopando, galopando,
onde quer que você esteja.
§
THE AUTHOR OF THE JESUS PAPERS SPEAKS
In my dream
I milked a cow,
the terrible udder
like a great rubber lily
sweated in my fingers
and as I yanked,
waiting for the moon juice,
waiting for the white mother,
blood spurted from it
and covered me with shame.
Then God spoke to me and said:
People say only good things about Christmas.
If they want to say something bad,
they whisper.
So I went to the well and drew a baby
out of the hollow water.
Then God spoke to me and said:
Here. Take this gingerbread lady
and put her in your oven.
When the cow gives blood
and the Christ is born
we must all eat sacrifices.
We must all eat beautiful women.
A AUTORA DOS PAPÉIS DE JESUS SE PRONUNCIA
Em meu sonho,
ordenhei uma vaca,
a terrível teta
grande lírio de látex
suando em meus dedos
e com meu puxão,
esperando pelo suco lunar,
esperando pela pálida mãe,
sangue jorrou dela
e me cobriu com vergonha.
Então Deus falou comigo e disse:
As pessoas só dizem boas coisas do Natal.
Se querem dizer algo ruim,
elas sussurram.
Então eu fui ao poço e trouxe um bebê
lá do fundo da água.
Então Deus falou comigo e disse:
Aqui. Tome esta moça de pão de mel
e ponha-a em seu forno.
Quando a vaca dá sangue
e o Cristo nasce
nós temos que comer sacrifícios.
Nós temos que comer belas mulheres.
§
MOTHERS
for J. B.
Oh mother,
here in your lap,
as good as a bowlful of clouds,
I your greedy child
am given your breast,
the sea wrapped in skin,
and your arms,
roots covered with moss
and with new shoots sticking out
to tickle the laugh out of me.
Yes, I am wedded to my teddy
but he has the smell of you
as well as the smell of me.
Your necklace that I finger
is all angel eyes.
Your rings that sparkle
are like the moon on the pond.
Your legs bounce me up and down,
your dear nylon-covered legs,
are the horses I will ride
into eternity.
Oh mother,
after this lap of childhood
I will never go forth
into the big people’s world
as an alien,
a fabrication,
or falter
when someone else
is empty as a shoe.
MÃES
para J. B.
Oh mãe,
aqui no seu colo,
tão bom quanto uma cuia de nuvens,
eu, sua criança gananciosa,
recebo seu seio,
o mar embalado em pele,
e seus braços,
raízes cobertas de musgo
e com novos brotos surgindo
tirando-me risos com cócegas.
Sim, estou noiva de meu ursinho
mas ele tem o mesmo cheiro seu
assim como o cheiro meu.
Pego nos dedos seu colar
que é todo olhos de anjo.
Seus anéis que cintilam
são como a lua na lagoa.
Suas pernas me balançam pra cima e pra baixo,
suas queridas pernas cobertas de nylon,
são os cavalos em que montarei
à eternidade.
Oh mãe,
depois deste colo da infância
nunca mais poderei sair
ao mundo das pessoas grandes
como uma estranha,
algo inventado,
ou vacilação
quando outro alguém
está tão vazio como um sapato.
§
***
Obrigada por um texto bem escrito! Espero que voce queira ler meu blog/livro tambem.
I’m writing a book in English and have already posted 70 chapters on my blog. People are enjoying it a lot – or so they say – crying, laughing out loud, reflecting on their own lives. Hope you’ll want to check it out. It’s a story, so the beginning (the prologue) is a good place to start. I’d be honored with some feedback!
Have a great December. Bj. 🙂