Denise Levertov (1923 – 1997) foi poeta, escritora e tradutora inglesa, naturalizada nos Estados Unidos e ligada à Geração Beat.
Atualmente traduzo algumas das principais poetas americanas do século XX. Escolhi Denise Levertov para essa colaboração por dois fatores: primeiro, uma intensa ligação que sinto com a poeta no presente, além da mesma ser pouco conhecida no país. De traduções já realizadas da autora, encontrei uma anterior por aqui, por Stefano Calgaro, assim como outra na revista Zunái, feita por Ruy Vasconcelos, e por último, no Jornal Rascunho, por André Caramuru Aubert.
A escolha dos poemas aconteceu a partir de minha leitura dos seus livros, incluindo The Jacob’s Ladder (1961), O Taste and See (1964) e The Sorrow Dance (1967). São livros que trazem conceitos marcantes da poética de Levertov, com imagens intensas e associações entre o ser, o seu local e a natureza das coisas, também explorando o momento de transição da sociedade na década de 60, incluindo sua constante práxis no feminismo.
Em relação à tradução, busquei uma equivalência em nossa língua para a dicção e o vocabulário da poeta, procurando valer-me de seus recursos e reproduzir a sonoridade do verso livre inglês sem comprometer o sentido, explorando a capacidade fluídica e o impacto de suas palavras.
Mariana Basílio
***
Quatro poemas dos livros The Jacob’s Ladder (1961), O Taste and See (1964) e The Sorrow Dance (1967).
SALMO RELATIVO AO CASTELO
Deixa-me estar no lugar do castelo.
Deixa o castelo estar dentro de mim.
Deixa que ele se eleve firme do anel do fosso.
Deixa que as águas do fosso reflitam a verde plumagem dos patos, deixa que os cascos das tartarugas rompam a superfície ou sejam vistos através das profundezas ondulantes.
Deixa a cavalaria postada nas bordas do fosso, e um cachorro, sempre alertas à chegada do sono.
Deixa que o espaço embaixo do primeiro piso seja escuro, deixa que a água envolva os pilares de pedra e que o vívido lodo verde neles cintile; deixa que lá fique um bote.
Deixa que as cariátides do segundo piso sejam ursos sustentados por vigas que sejam dragões.
No parapeito do salão central, deixa quatro arqueiros, olhando aos quatro horizontes. Dentro, deixa que o príncipe se sinta em casa, deixa-o sentar pensativo, em paz, todas as janelas abertas para as lógias.
Deixa que a jovem rainha se sente no alto, no ar fresco, seu filho nos braços; deixe-a ver com alegria o grande círculo, as sombras peregrinas, o labor do sol e o folgar do vento. Deixa-a caminhar de lá para cá. Deixa as colunas sustentarem o telhado, deixa que os pisos sustentem as colunas, deixa um espaço escuro embaixo do piso mais inferior, deixa que o castelo se eleve firme do fosso, deixa o fosso ser um anel e suas águas serem profundas, deixa que os guardiões o guardem, deixa que hajam vastas terras ao seu redor, deixa que o campo onde ele esteja fique dentro de mim, deixa-me estar onde ele estiver.
PSALM CONCERNING THE CASTLE
Let me be at the place of the castle.
Let the castle be within me.
Let it rise foursquare from the moat’s ring.
Let the moat’s waters reflect green plumage of ducks, let the shells of swimming turtles break the surface or be seen through the rippling depths.
Let horsemen be stationed at the rim of it, and a dog, always alert on the brink of sleep.
Let the space under the first storey be dark, let the water lap the stone posts, and vivid green slime glimmer upon them; let a boat be kept there.
Let the caryatids of the second storey be bears upheld on beams that are dragons.
On the parapet of the central room, let there be four archers, looking off to the four horizons. Within, let the prince be at home, let him sit in deep thought, at peace, all the windows open to the loggias.
Let the young queen sit above, in the cool air, her child in her arms; let her look with joy at the great circle, the pilgrim shadows, the work of the sun and the play of the wind. Let her walk to and fro. Let the columns uphold the roof, let the storeys uphold the columns, let there be dark space below the lowest floor, let the castle rise foursquare out of the moat, let the moat be a ring and the water deep, let the guardians guard it, let there be wide lands around it, let that country where it stands be within me, let me be where it is.
§
A DOR DO MATRIMÔNIO
A dor do matrimônio:
coxa e língua, amado,
carregam seu peso,
que pulsa nos dentes
Buscamos comunhão
e somos rejeitados, amado,
todos e cada um
É leviatã e nós
em seu estômago
atrás de alegria, alguma alegria
inconcebível fora dele
de dois a dois na arca
dessa dor.
THE ACHE OF MARRIAGE
The ache of marriage:
thigh and tongue, beloved,
are heavy with it,
it throbs in the teeth
We look for communion
and are turned away, beloved,
each and each
It is leviathan and we
in its belly
looking for joy, some joy
not to be known outside it
two by two in the ark of
the ache of it.
§
CANÇÃO DE AMOR
Tua beleza, que uma vez perdi de vista
por longo tempo, é longa,
não simétrica, e veste
as cores terrosas que me fazem vê-la.
Uma longa beleza. Que é isso?
Uma canção
que pode ser cantada uma e outra vez
longas notas ou longos ossos.
O amor é uma paisagem que as longas montanhas
definem mas não
separam da
distância imperceptível.
No outono, no outono,
tuas árvores esticam
seus braços longos em mangas
de vermelho terra e
amarelo céu, um pouco
podadas. Eu dou
longos passeios por eles. As uvas
que precisam de geada para amadurecer
são âmbar e crescem profundas na
sebe, meio ocultas,
como tua beleza cresce em longas gavinhas
meio na escuridão.
LOVE SONG
Your beauty, which I lost sight of once
for a long time, is long,
not symmetrical, and wears
the earth colors that make me see it.
A long beauty, what is that?
A song
that can be sung over and over,
long notes or long bones.
Love is a landscape the long mountains
define but don’t
shut off from the
unseeable distance.
In fall, in fall,
your trees stretch
their long arms in sleeves
of earth-red and
sky-yellow, a little
lop-sided. I take
long walks among them. The grapes
that need frost to ripen them
are amber and grow deep in the
hedge, half-concealed,
the way your beauty grows in long tendrils
half in darkness.
§
OS ELFOS
Os elfos não são menores
que os humanos, e caminham
como os humanos fazem, nesse mundo,
mas com mais graça que a maioria,
e não são imortais.
Sua beleza os separa
dos demais homens e mulheres
a menos que uma mulher tenha aquele fogo frio em si
chamado poeta: com isso
ela pode vê-los e por sua luz
eles a conhecem e não a temem
e prateadas línguas de amor
cintilam entre eles.
THE ELVES
Elves are no smaller
than men, and walk
as men do, in this world,
but with more grace than most,
and are not immortal.
Their beauty sets them aside
from other men and from women
unless a woman has that cold fire in her
called poet: with that
she may see them and by its light
they know her and are not afraid
and silver tongues of love
flicker between them.
***
MARIANA BASÍLIO (1989) é poeta. Autora de Nepente (Giostri, 2015) e Sombras & Luzes (Penalux, 2016), atualmente versa Megalômana, e Tríptico Vital (3º lugar ProAC 2016). Tem poemas em revistas do Brasil e de Portugal, como alagunas, Diversos Afins, Garupa, Germina, InComunidade, mallarmargens, Odara, Raimundo, entre outras. Aqui no escamandro já apareceu quatro poemas. Contato: http://www.marianabasilio.com.br
Um comentário sobre “Denise Levertov, por Mariana Basílio”