Natália Agra nasceu em Maceió, Alagoas, em 1987. É poeta e jornalista. Acaba de publicar seu livro de estreia: De repente a chuva (Corsário-Satã,2017).
***
Estrela-do-mar
Para Lis
que espetáculo é a palavra crepúsculo!
labirinto-oceano
estrela cadente que valsa céu abaixo
segredos de água-viva
do navio projeto-me em concha, um par de mãos dadas
vieira-vênus:
(explosão da aurora)
que palavra é estrela senão chuva?
§
In the mood for love
I
como hei de dizer poesia?
o toque fino nas costas
do desenho abstrato
nasce uma orquídea nos dedos
II
os gatos nos distraem
se distraem
até que pegam no sono por nós quatro
III
eu gosto é de ficar aqui
com você
e os últimos desejos
namorados das estrelas
IV
a alegria nem sempre alegra
é aí que nos abraçamos e aumentamos o volume pela casa
já é tarde, no outro dia
você diz que meu sorriso desnuda o seu
V
decoramos a casa
com os nossos beijos
e muita bagunça na cama
VI
você me deu a sua máquina de poemas
eu te mostrei o meu maior segredo
você se esconde dentro de mim
VII
na rua
espalho a multidão
deixo você passar
e parar quando quiser
caso queira, vejo contigo as vitrinas mudarem de estação
aliás, vemos a chuva, a rua molhada, a luz da noite derramar na chuva a luz da lua
fazemos a chuva parar
e voltamos pra casa
VIII
do olho mágico
te vejo sair
e te espero voltar
IX
o que me deixa mais feliz?
o fim da noite
quando no teu peito
sinto o teu coração bater
e respondo, noite bem!
X
estamos no segundo inverno
aquietando a chuva
na rosa mais vermelha do coração
§
Love song
quando você me aperta o coração
cortando da gaivota
o silêncio
da solidão, o frio
aprendo aos poucos os acordes de “La Vie en Rose”
te dou metade da palavra amor
e espero do caminho,
a outra metade
§
Não sei andar na chuva
muito mais que o tempo, dividir um guarda-chuva
atravessar sem medo, queda longe da parede
pega pela mão, a formiga
na outra, carrega-o
– tempo de costas
alguém disse: não sei andar na chuva
sendo um a menos
estampido são os gritos
no ritmo dos passos
alguém repetiu: eles eram muito felizes
ela, quinze anos
ele, os mesmos quinze
dividiam no guarda-chuva
a mesma tempestade
o riso insolente
o silêncio na xícara de café
beija o inverno delicado
não havia mais ninguém na casa
além do talher empoeirado
ainda da última visita
de um marido morto
a música que faz chorar
hoje só esconderijo
impossível viver numa casa onde não faz calor
frágua que forja lágrimas
onde a chuva não caminha
como dói a paisagem
quando o olho morre aberto
fica no meio um abismo vermelho da saudade
para entrar no sonho
e esperar que aconteça um milagre
§
Troco em balas
Para Angélica Freitas
hoje troco quase tudo por açaí
e tranco a chave
hoje troco a vereda pela exaustão do caminho mais longo
troco a corneta pela flauta doce
hoje troco farpas por gentilezas
e deixo anotado na porta da geladeira
hoje troco quase tudo por bala
troco a dieta por milk shake
troco o reiki por haicais
hoje troco passeios em Vênus por meias voltas pela casa
deixo o vento ser uivo em meus cabelos-redemoinho
hoje troco quase tudo por nada
troco nada por açaí e balas
hoje troco arqueiros por flamingos
e ensino o alvo
troco a Via Láctea por farinha láctea
hoje troco quase tudo
e passo o troco em balas
§
Silêncio
aquilo que os grilos descosturam
*
Um comentário sobre “Natália Agra”