Nathalia Campos (1986—)

Nathalia Campos (1986, Belo Horizonte) é doutoranda em Estudos Literários pela UFMG, professora, revisora e cantora. Está entre os 12 poetas brasileiros contemplados na antologia bilíngue (português-espanhol) Inventar la felicidad – muestra de la poesia brasileña reciente (2016), organizada por Fabrício Marques e Tarso de Melo, e possui publicações em jornais e revistas regionais e nacionais. Desinfinito (Editora Patuá, 2017) é seu livro de estreia.

* * *

ACADEMIA

Submergir
Nos baldes de pipoca
Azeitando a mola das rótulas
Pra não me restar um piruá sequer
Na alma encruada
Chorar com as pitangas
Todo o meu vermelho
Pra aumentar o retorno das válvulas
E chamar o lobo anêmico em jornada
Fazer flexões na superfície natural
Que até Jesus preferiu
A abrir funduras sem causas
Tão velhas quanto andar pra frente
Desempatar meu 0 x 0
Em campeonatos de risos
Partidas com 12 músculos em campo
E sisos de leite
Alongar o dorso na barra maciça
Dos teus ombros altos
Em olimpíadas de abraços
Sem tempos alternados pra voltar ao chão
Dançar com os coelhos do céu
E abrolhar calos nas pestanas açucaradas
Binóculos bulindo a ventarola de algodão
Estrear poros sonantes
Na fumaça dum balneário
As árias tontas de pedras
Rendendo a mudez do corpo
O zênite
No dedão do pé e na ponta do seio
Sem a mania do aposto bronco
Entre a cabeça e o resto

Agora dei pra ser atleta

§

 CIÊNCIA

Derreter a certeza dos astros
E com a parafina colorida do giz de cera
Animar os sistemas
Como nos dias da nossa infância
Quando a luz elétrica pingava
Um dia sim um dia sim
E qualquer verde era azul
Ou nem tanto

Acaçapar as bolas de sinuca em gozo de anarquia
(Rico mesmo era quem nem vela tinha)
Nos dava o luxo de recontar o universo
Com a goela do breu

Só as crianças sabem
Que o que existe mesmo é a luz
E se safam da fogueira

§

CÂMERA ESCURA

CENA 1: PINTURA

o sol tomba no pátio uma oliveira seca
como a narrar a tarde em voz alta
à carmelita sem janelas e os males de quem canta:
uma traqueia embargada de ferrugens e gemas
arfando a queda
para que olhos se o deserto também é claustro?
auscultar a paisagem é ouvir espelhos

CENA 2: MORTALHA

os objetos são para os olhos
o que a mulher amada é para os artistas:
só têm alma se admirados
bem o sabem os espelhos
que vendados em dias de luto
choram o morticínio invisível de suas Galateias
não lavradas à luz

CENA 3: IMAGEM

e se na verdade os espelhos não refletissem
mas observassem?
atrás de nossas familiares lentes
em autocontemplação apaixonada
Narciso se divertisse em dançar
com o mundo que perdeu para si mesmo
ao som do compacto
lado a – eu, lado b – você?
(repare
como assoma sempre um meio riso cínico
no canto da sua boca após algum tempo de cisma
diante da incurável face)

CENA 4: ECLIPSE
há coisas
dizem
só se nos dão a ver
quando olhadas por outros olhos
o balé dos ciprestes por Van Gogh
a louça pelo vizinho
o gênio pelo amanhã
o cinema pela Górgona
o corpo pelo desejo forâneo
penso eu me encarando de costas
de dentro da polaroide

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