Jack Spicer nasceu em janeiro de 1925, em Los Angeles, Califórnia.
Uma boa introdução sobre o poeta, feita pelo Ricardo Domeneck, já foi feita na revista Modo de Usar (http://revistamododeusar.blogspot.com.br/2008/06/jack-spicer-1925-1965.html), por isso não vou me ater a arremedar uma outra introdução sobre o poeta.
Entretanto, Spicer era um tipo interessante, de uma poética igualmente interessante, mas ainda sim pouco traduzido ao português – traduções dele temos as da Patrícia Lino (http://makelove-notbeds.blogspot.com.br/2014/07/jack-spicer-tres-poemas-three-poems.html ), do já mencionado Ricardo Domeneck, do Guilherme Gontijo Flores (http://revistamododeusar.blogspot.com.br/2015/02/traducao-de-guilherme-gontijo-flores.html) e algumas minhas (http://guarita.tumblr.com/post/159372718350/poemas-de-amor-por-jack-spicer).
Nessas traduções abaixo selecionei alguns poemas em fases diferentes da sua vida, a exemplo dos escritos durante a Berkeley Renaissance (“UM POEMA PARA O DADA DAY AT THE PLACE, 1 ABRIL, 1955” e “NÓS ACHAMOS O CORPO DIFÍCIL DE FALAR…”), alguns textos do seu livro After Lorca (“BALADA DA GAROTINHA QUE INVENTOU O UNIVERSO”, “PASSEIO DE BUSTER KEATON”, “UM DIAMANTE” e uma “carta” enviada a Federico García Lorca, e “QUATRO POEMAS PARA RAMPARTS”, presente no seu livro, BOOK OF MAGAZINE VERSE.
– victor h. azevedo
* * *
“Nós achamos o corpo difícil de falar…”
Nós achamos o corpo difícil de falar,
O rosto muito duro de entreouvir,
Achamos que olhos ao beijar gaguejam
E essas pesadas virilhas erguidas
Balbuciam como idiotas.
Sexo é uma dor na boca. O
Rangido que os nossos corpos fazem
Quando eles esfregam suas bocas umas nas outras
Tentando falar.
Como crianças caladas abraçamos
Doendo juntos.
E o amor é um vazio no ouvido. Como cura
Nós colocamos um rosto contra o ouvido
E o escutamos como se fosse uma concha,
acalentada por seus rugidos.
Nós achamos o corpo difícil, e falamos
através da sua parede como estranhos.
“We find the body difficult to speak . . .”
We find the body difficult to speak,
The face too hard to hear through,
We find that eyes in kissing stammer
And that heaving groins
Babble like idiots.
Sex is an ache of mouth. The
Squeak our bodies make
When they rub mouths against each other
Trying to talk.
Like silent little children we embrace,
Aching together.
And love is emptiness of ear. As cure
We put a face against our ear
And listen to it as we would a shell,
Soothed by its roar.
We find the body difficult, and speak
Across its wall like strangers.
§
QUATRO POEMAS PARA RAMPARTS
1.
Tire essas palavras da sua boca e as coloque dentro do coração. Se não
existe
Um Deus não acredite Nele. “Credo
Quia absurdum,” cria guerras e amores vazios e era
até mesmo em tempos tertulianos uma heresia. Vi ele como uma tartaruga
rastejando pelo vasto deserto da incredulidade.
“As sombras do amor não são as sombras de Deus.”
Essa é a segunda heresia criada pelo homem primevo de Piltdown na
caverna de Platão. Mesmo
O fogo moldando uma sombra ou não.
Balões vermelhos, laranjas e roxos, todos soltos
juntos em um céu chuvoso.
O céu onde os homens choram pelos homens. E sobre o céu uma lua
ou um astronauta sorri na televisão. O amor
Por Deus ou pelo homem transformado em distância.
Essa é a terceira heresia. Dante
foi o primeiro escritor de ficção cientifica. Beatrice
Cintilando no espaço infinito.
2.
Um papa quase morrendo de soluçar. Ou São Pedro
Contando à polícia, “Juro por Deus que não conheço esse homem,”
até que o galo cante três vezes e eles o soltem.
“Uma pedra
Sobre a qual eu construirei uma igreja.”
E ainda está lá. Aceitando a divindade como Jesus aceitou
a humanidade. A contragosto, sem paixão, mas o ponto
mais importante para ver no mundo.
Não acreditamos muito nisso. Deus é uma inverdade palpável. Coisas
espalhando-se pelo universo como lições.
Mas Jesus morreu e retornou com buracos nas mãos.
Como o clima,
E é, espero, para ser alcançado, e é algo para se rezar
E é o Filho de Deus.
3.
Na rubra aurora do Apocalipse (São João não é o Departamento de
Defesa) posso ouvir os soldados se movendo. Papa João
Vestido como o Anticristo é o primeiro a sair do mato
ou seja lá qual selva.
“Pacem in terris,” ele brada como se estivesse cantando “The Eyes Of
Texas Are Upon You” e é atingido imediatamente na cabeça pelo tiro
de um revólver estrondoso.
Há tantos deles nos matos ou em Seja Lá Quais Selvas
(São João) que mal valem a pena serem mortos. Eles são
franco-atiradores disfarçados com os rostos da terra que deveríamos
estar protegendo. Seus japas parecem com nossos japas. Papa João
Parece morto mesmo quando sua fantasia cai.
4.
Mecanicamente nos movemos
no Universo de Deus, Incapazes de fazê-lo
Sem a graça ou ódio Dele.
O centro do ser. Como quase um centro de computadores,
sem graça. Um mundo enfadonho
Sem Seu ódio.
Um centro do ser — não a existência de robôs.
Se Ele quisesse, Ele poderia fazer de uma máquina um Cristo, colocá-lo
na segunda pessoa que é Você.
Por que ele se incomodou com o homem é um mistério que até Jó se Perguntou.
Deus tornando-se humano, tornou-se um assunto para antropólogos,
para história, e todos as outros, miseráveis coceiras de um animal
que de repente (tão de repente?) recebe uma alma.
Quando olho nos olhos e almas daqueles daqueles que amo, eu
(em uma floresta escura entre graça e ódio) duvido de Sua
sabedoria.
Cur Deus Homo, era o título do livro de São Anselmo. Sem
pontos de interrogação.
Graça!
FOUR POEMS FOR RAMPARTS
1.
Get those words out of your mouth and into your heart. If
there isn’t
A God don’t believe in Him. “Credo
Quia absurdum,” creates wars and pointless loves and was
even in Tertullian’s time a heresy. I see him like a tortoise
creeping through a vast desert of unbelief.
“The shadows of love are not the shadows of God.”
This is the second heresy created by the first Piltdown man in
Plato’s cave. Either
The fire casts a shadow or it doesn’t.
Red balloons, orange balloons, purple balloons all cast off
together into a raining sky.
The sky where men weep for men. And above the sky a moon
or an astronaut smiles on television. Love
for God or man transformed to distance.
This is the third heresy. Dante
Was the first writer of science-fiction. Beatrice
Shimmering in infinite space.
2.
A pope almost dying of hiccups. Or St. Peter
Telling the police, “Honest to God I don’t know this man,”
until the cock crowed three times and they released him.
“A rock
Upon which I will build a church.”
And yet it’s there. Accepting divinity as Jesus accepted
humanness. Grudgingly, without passion, but the most
important point to see in the world.
We do not quite believe this. God is palpably untrue. Things
spreading over the universe like lessons.
But Jesus dies and comes back again with holes in his hands.
Like the weather,
And is, I hope, to be reached, and is something to pray to
And is the Son of God.
3.
In the red dawn of the Apocalypse (St. John’s not the Defense
Department’s) I can hear the soldiers moving. Pope John
Dressed like the Antichrist is in first to come out of the bushes
or whatever jungle.
“Pacem in terris,” he shouts as if he were singing “The Eyes Of
Texas Are Upon You.” He is immediately shot in the head
by a loud revolver.
There are so many of them in the bushes or Whatever Jungle
(St. John’s) that they are hardly worth killing. They are
snipers disguised with the faces of the land we ought to be
protecting. Their gooks look like our gooks. Pope John
Looks dead even when his costume has fallen off.
4.
Mechanicly we move
In God’s Universe, Unable to do
Without the grace or hatred of Him.
The center of being. Like almost, without grace, a computer
center. Without His hatred
A barren world.
A center of being—not the existence of robots.
If He wanted to, He could make a machine a Christ, enter it in
its second person which is You.
Why he bothered with man is a mystery even Job wondered.
God becoming human, became a subject for anthropologists,
history, and all the other wretched itchings of an animal
that had suddenly (too suddenly?) been given a soul.
When I look in the eyes and the souls of those of those I love, I
(in a dark forest between grace and hatred) doubt His
wisdom.
Cur Deus Homo, was the title of St. Anselm’s book. Without
question marks.
Grace!
§
UM POEMA PARA O DADA DAY AT THE PLACE, 1 ABRIL, 1955
Querido,
A diferença entre o Dada e o barbarismo
É a diferença entre um aborto e um sonho molhado.
Um aborto
É um sacrifício consciente do passado, a pintura de um bigode
Na Mona Lisa, a rendição
De crianças reais.
O outro, querido, é um sacrifício
Dos filhos de ninguém, é barbarismo, é um Esquimó
Correndo amuado em um museu, é a Boêmia
Renunciando cidades que nunca foram conquistadas.
Um Vândalo feio mijando em uma estátua não é Fídias
mijando em uma estátua. Barbarismo
É menor que um gesto.
Destrua seus próprios deuses se você quer ser Dada:
Desista dos seus vícios, queime sua jukebox,
Desenhe bigodes na música, pinte uma mãe de verdade
em cada tela não-objetiva. Suje somente
Essas coisas que pertencem a você.
“Beleza é uma coisa tão rara,” Pound disse,
“pouquíssimos bebem da minha fonte.”
Você só tem o direito de mijar na fonte
Se você for belo.
A POEM FOR DADA DAY AT THE PLACE, APRIL 1, 1955
Darling,
The difference between Dada and barbarism
Is the difference between an abortion and a wet dream.
An abortion
Is a conscious sacrifice of the past, the painting of a mustache
On Mona Lisa, the surrender
Of real children.
The other, darling, is a sacrifice
Of nobody’s children, is barbarism, is an Eskimo
Running amok in a museum, is Bohemia
Renouncing cities it had never conquered.
An ugly Vandal pissing on a statue is not Phidias
Pissing on a statue. Barbarism
Is something less than a gesture.
Destroy your own gods if you want Dada:
Give up your vices, burn your jukebox,
Draw mustaches on music, paint a real mother
On every non-objective canvas. Befoul only
Those things that belong to you.
“Beauty is so rare a thing,” Pound said,
“So few drink at my fountain.”
You only have the right to piss in the fountain
If you are beautiful.
§
TRÊS ENSAIOS MARXISTAS
HOMOSSEXUALIDADE E MARXISMO
Não deveriam haver regras para isso mas deveria ser simultâneo se fosse pra haver.
Homossexualidade é essencialmente estar só. Que é uma luta contra os patrões capitalistas que não querem
que nós sejamos sós. Sozinhos somos perigosos.
Nossa insatisfação poderia arruinar a América. Nosso amor poderia arruinar o universo se quiséssemos.
Se deixarmos nosso amor florescer na verdadeira revolução ficaremos cheios de ofertas para camas.
OS JATOS E O MARXISMO
Jatos odeiam política. Eles crescem em uma sociedade de gatos gordos onde não houve nenhuma depressão ou guerra. Eles
são contra a pena de morte.
Eles não poderiam se importar menos. Eles usam canivetes atados com fitas. Eles sabem que o que move este país
é uma máquina IBM conectada a uma máquina IBM. Eles nunca pensam em usar seus canivetes contra seus gabinetes de alumínio.
Uma Liga Contra a Juventude e o Fascismo deveria ser formada imediatamente pelo nosso Partido. Eles são nossos convidados. Eles são ignorantes.
OS JATOS E A HOMOSSEXUALIDADE
Certa vez no áureo amanhecer da homossexualidade houve um filósofo que havia dado a fórmula para uma nova sociedade —
“de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundo suas necessidades.”
Essa fórmula aparece no Novo Testamento — a parábola da figueira — e em outros lugares.
Continuar o argumento é infrutífero.
THREE MARXIST ESSAYS
HOMOESEXUALITY AND MARXISM
There should be no rules for this but it should be simultaneous if at all.
Homosexuality is essentially being alone. Which is a fight against the capitalist bosses who do not want us to be alone. Alone we are dangerous.
Our dissatisfaction could ruin America. Our love could ruin the universe if we let it.
If we let our love flower into the true revolution we will be swamped
with offers for beds.
THE JETS AND MARXISM
The Jets hate politics. They grew up in a fat cat society that didn’t even have a depression or a war in it. They are against capital punishment.
They really couldn’t care less. They wear switchblade knives tied with ribbons. They know that which runs this country is an IBM machine connected to an IBM machine. They never think of using their knives against its aluminum casing.
A League Against Youth and Fascism should be formed immediately by our Party. They are our guests. They are ignorant.
THE JETS AND HOMOSEXUALITY
Once in the golden dawn of homosexuality there was a philosopher who gave the formula for a new society—“from each, according to his ability, to each according to his need.”
This formula appears in the New Testament—the parable of the fig tree—and elsewhere.
To continue the argument is fruitless.
§
Balada da Garotinha Que Inventou O Universo
uma tradução para George Stanley
Flor de jasmim e um touro com a garganta cortada.
Calçada infinita. Mapa. Quarto. Harpa. Amanhecer.
Uma garotinha imita um touro feito de jasmim
E o touro é um crepúsculo sangrento que sobe.
Se o céu fosse um garotinho
Os jasmins pegariam metade da noite para si
E o touro uma praça de touros azul só sua
Com o coração ao pé de uma pequena coluna.
Mas o céu é um elefante
E os jasmins são água sem sangue
E a garotinha é um buquê de flores noturnas
Perdida em uma grande calçada escura.
Entre o jasmim e o touro
Ou ganchos das adormecidas pessoas de mármore ou
No jasmim, nuvens e um elefante —
O esqueleto de uma garotinha se virando.
Ballad of the Little Girl Who Invented the Universe
A Translation for George Stanley
Jasmine flower and a bull with his throat slashed.
Infinite sidewalk. Map. Room. Harp. Sunrise.
A little girl pretends a bull made of jasmine
And the bull is a bloody twilight that bellows.
If the sky could be a little boy
The jasmines could take half the night to themselves
And the bull a blue bullring of his own
With his heart at the foot of a small column.
But the sky is an elephant
And the jasmines are water without blood
And the little girl is a bouquet of night flowers
Lost on a big dark sidewalk.
Between the jasmine and the bull
Or the hooks of the sleeping people of marble or
In the jasmine, clouds and an elephant—
The skeleton of a little girl turning.
§
Passeio de Buster Keaton
uma tradução para Melvin Bakkerud
GALO: Cocoricó!
(Buster Keaton entra carregando quatro crianças em seus braços.)
BUSTER KEATON (pega um punhal de madeira e os mata):
Minhas pobres crianças!
GALO: Cocoricó!
BUSTER KEATON (contando os corpos no chão): Um, dois, três, quatro. (Pega uma bicicleta e vai embora.)
(Entre pneus velhos e latas de gasolina um negro come um chapéu de palha)
BUSTER KEATON: Que tarde bonita!
(Um papagaio tremula no céu sem sexo.)
BUSTER KEATON: Gosto de andar de bicicleta.
CORUJA: Hoo hoo.
BUSTER KEATON: Que bonito o canto desses pássaros!
CORUJA: Hoo!
BUSTER KEATON: É lindo!
(Pausa. Buster Keaton inefavelmente cruza juncos e pequenos campos de centeio. A paisagem se encurta sob as rodas da sua máquina. A bicicleta tem uma única dimensão. É capaz de entrar em livros e expandir-se até mesmo em óperas e minas de carvão. A bicicleta de Buster Keaton não tem uma sela de caramelo ou pedais de açúcar como as bicicletas que os homens maus pedalam. É uma bicicleta como todas as outras exceto por uma única chuvarada de inocência. Adão e Eva passam correndo, assustados como se estivessem carregando um vaso cheio de água e, ao passar, acariciam a bicicleta do Buster Keaton.)
BUSTER KEATON: Ah, amor, amor!
(Buster Keaton cai no chão. A bicicleta escapa dele. Corre até atrás de duas enormes borboletas cinzentas. E roça loucamente meio centímetro no chão.)
BUSTER KEATON: Eu não quero falar. Alguém por favor diga algo?
UMA VOZ: Imbecil!
(Ele continua andando. Seus olhos, infinitos e tristes como um animal recém-nascido, sonho de lírios e anjos e cintos sedosos. Seus olhos que são como o fundo de um vaso. Seus olhos d’uma criança louca. Quais são os mais fiéis. Quais são os mais belos. Os olhos de um avestruz. Seus olhos humanos de uma equivalência segura com melancolia. A Filadélfia é vista ao longe. Os habitantes dessa cidade agora sabem que o antigo poeta de uma máquina Singer é capaz de circular as grandes rosas da estufa mas não de todo, para compreender a diferença poética entre uma tigela de chá quente e uma tigela de chá gelado. A Filadélfia brilha ao longe.)
(Uma menina americana com olhos de celuloide surge da grama.)
A AMERICANA: Olá.
(Buster Keaton sorri e olha para os sapatos da garota. Que sapatos! Nós não temos que admirar seus sapatos. Seria preciso um crocodilo para usá-los.)
BUSTER KEATON: Eu gostaria de—
A AMERICANA (sem fôlego): Você carrega uma espada adornada de folhas de murta?
(Buster Keaton dá de ombros e levanta o pé direito.)
A AMERICANA: Você tem um anel de pedra envenenada?
(Buster Keaton se entorta lentamente e levanta uma perna inquirida)
A AMERICANA: Bem?
(Quatro anjos com asas de um celestial balão de gás mijam entre as flores. As senhoras da cidade tocam num piano como se estivesse pedalando uma bicicleta. A valsa, a lua, e dezessete canoas indianas balançam o precioso coração do nosso amigo. Como a maior surpresa de todas, o outono invade o jardim como a água que explode um amontoado geométrico de açúcar.)
BUSTER KEATON (suspirando): Eu gostaria de ter sido um cisne. Mas eu não posso fazer o que eu gosto. Porque — O que aconteceu com o meu chapéu? Onde está meu colarinho de passarinhos e minha gravata mohair? Que desgraça!
(Uma moça com uma cintura de vespa e um colarinho alto surge montada em uma bicicleta. Ela tem a cabeça de um rouxinol.)
MOÇA: Quem tenho a honra de saudar?
BUSTER KEATON (com um arco): Buster Keaton.
(A moça desmaia e cai da bicicleta. Suas pernas no chão tremem como duas najas agonizantes. Um gramofone toca milhares de versões da mesma canção — “Na Filadélfia eles não têm rouxinóis”.)
BUSTER KEATON (ajoelhado): Querida Srta. Eleanor, pardon me! (mais baixo) Querida (ainda baixo) Querida (mais baixo) Querida.
(As luzes da Filadélfia piscam e saem do rosto de milhares de policiais.)
§
Um Diamante
uma tradução para Robert Jones
Existe
Um diamante
No coração da lua ou dos ramos ou da minha nudez
E não há nada no universo como um diamante
Nada em toda a mente.
O poema é uma gaivota descansando em um cais no fim do oceano.
Um cão uiva na lua
Um cão uiva nos ramos
Um cão uiva na nudez
Um cão uivando com a mente pura.
Peço ao poema que ele seja tão puro quanto a barriga de uma gaivota.
O universo desmorona e revela um diamante
Duas palavras chamadas gaivota estão pacificamente flutuando lá onde as ondas estão.
O cão está morto lá com a lua, com os ramos, com minha nudez
E não há nada no universo como um diamante
Nada em toda a mente.
Diamond
A Translation for Robert Jones
A diamond
Is there
At the heart of the moon or the branches or my nakedness
And there is nothing in the universe like Diamond
Nothing in the whole mind.
The poem is a seagull resting on a pier at the end of the ocean.
A dog howls at the moon
A dog howls at the branches
A dog howls at the nakedness
A dog howling with pure mind.
I ask for the poem to be as pure as a seagull’s belly.
The universe falls apart and discloses a diamond
Two words called seagull are peacefully floating out where the
waves are.
The dog is dead there with the moon, with the branches, with
my nakedness
And there is nothing in the universe like Diamond
Nothing in the whole mind.
§
CINCO PALAVRAS PARA JOE DUNN SOBRE SEU VIGÉSIMO-SEGUNDO ANIVERSÁRIO
Te devo cinco palavras de aniversário.
A primeira palavra é anthropos
Aquele que celebra aniversários.
Ele está mirrado e rijo e cego, tagarela
Das velhas guerras e da beleza morta.
Ele está lá pela calma do teu coração quando os dias correm
E as guerras se perdem e as rosas murcham.
Ele pode derrotar todos os inimigos que te atingirem.
Ele pode lembrar de toda beleza que possa morrer em teu coração.
A segunda palavra é andros
Aquele que se orgulha de seu gênero
Que se veste como um galo de rinha, ereto
Através da meia-noite do tempo
Como uma vela de aniversário.
Ele te dar sabedoria assim como um Tolo
Se esconde nos lombos
Chorando pela deselegância
De tudo isso que não é sagrado.
A terceira palavra é eros
Aquele que se apega a ti a cada nascimento
Trazendo ao teu coração sustância.
Seja lá quem for que você toque ele irá te amar,
Sentirá o apego do Seu toque
Como a luz do sol dispersa sobre um espelho antigo.
A quarta palavra é thanatos, o ventre negro
Que devora aniversários.
Eu não te dou thanatos. Eu te trago a palavra para chamá-lo
Thanatos, devorador de rapazes, mordedor cardíaco, lambedor de ossos.
Olhe, Ele se esgueira quando você o chama.
Chame-o! Thanatos.
A última palavra é agape,
A dançarina que põe aniversários em movimento.
Ela está lá para conduzir as palavras.
Contrariando tudo, Ela faz as palavras
Girarem ao Seu redor. Palavras dançam.
Veja. Anthropos perene,
Andros tornado virgem, Eros irrefletível
Thanatos devorado.
Agape, Agape, mestra de cerimônias,
Ame
Isso que vem para além dos aniversários,
Isso que faz poesia
E move estrelas.
FIVE WORDS FOR JOE DUNN ON HIS TWENTY-SECOND BIRTHDAY
I shall give you five words for your birthday.
The first word is anthropos
Who celebrates birthdays.
He is withered and tough and blind, babbler
Of old wars and dead beauty.
He is there for the calmness of your heart as the days race
And the wars are lost and the roses wither.
No enemy can strike you that he has not defeated.
No beauty can die in your heart that he will not remember.
The second word is andros
Who is proud of his gender
Wears it like a gamecock, erects it
Through the midnight of time
Like a birthday candle.
He will give you wisdom like a Fool
Hidden in the loins
Crying out against the inelegance
Of all that is not sacred.
The third word is eros
Who will cling to you every birthnight
Bringing your heart substance.
Whomever you touch will love you,
Will feel the cling of His touch upon you
Like sunlight scattered over an ancient mirror.
The fourth word is thanatos, the black belly
That eats birthdays.
I do not give you thanatos. I bring you a word to call Him
Thanatos, devourer of young men, heart-biter, bone-licker.
Look, He slinks away when you name Him.
Name Him! Thanatos.
The last word is agape,
The dancer that puts birthdays in motion.
She is there to lead words.
Counter to everything, She makes words
Circle around Her. Words dance.
See them. Anthropos ageless,
Andros made virgin, Eros unmirrored,
Thanatos devoured.
Agape, Agape, ring-mistress,
Love
That comes from beyond birthdays,
That makes poetry
And moves stars.
§
PSICANÁLISE: UMA ELEGIA
No que você está pensando?
Estou pensando no começo do verão.
Estou pensando em colinas molhadas de chuva
Água correndo. Derramando-se
Em hectares vazios de carvalho e manzanita
Na velha e verde moita emaranhada ao sol,
Chaparral, sálvia e mostarda-marrom.
Ou no vento quente que vem de Santa Ana
Vindo pelas montanhas como louco,
Um vento veloz com um pouco de poeira nele
Ferindo tudo e tornando as sementes doces.
Ou na cidade onde os pessegueiros
São estranhos como cavalos novos,
E onde pipas ficam presas nas fiações
Sobre os postes das ruas,
E os bueiros estão todos engasgados de arbustos mortos.
No que você está pensando?
Estou pensando que gostaria de escrever um poema que fosse lento como um verão
Que lentamente fosse começando
Como 4 de Julho em algum lugar pelo meio da segunda estrofe
Depois de muita chuva inusitada
A Califórnia parece maior no verão.
Eu gostaria de escrever um poema tão comprido quanto a Califórnia
E tão lento quanto um verão.
Você me entende, Doutor? Tem que ser tão lento
Quanto cada ponta do verão.
Tão lenta quanto o verão
Em um dia quente bebendo cerveja fora de Riverside
Ou parado no meio de uma estrada branca e quente
Entre Bakersfield e o Inferno
Esperando pelo Papai Noel
No que você está pensando agora?
Estou pensando que ela é bem parecida com a Califórnia.
Quando ela ainda está de vestido é como um mapa das estradas. Rodovias
Indo de cima a baixo na sua pele
Estradas longas e vazias
Com a lua perseguindo lebres
Nas noites quentes de verão.
Estou pensando que seu corpo poderia ser a Califórnia
E eu um turista do oriente, rico,
Perdido em algum lugar entre o Inferno e o Texas
Olhando para um mapa de uma Califórnia comprida, molhada e dançante
Que eu nunca vi.
Envie alguns cartões postais baratos, moça,
Envie.
Cada peito de cada fotografado parecendo
Com curiosos monumentos nacionais,
Um do seu corpo extenso como uma rodovia de três pistas
Vinte e sete milhas de uma noite hospedado
No hotel mais antigo do mundo.
No que você está pensando?
Estou pensando em quantas vezes esse poema
Será repetido. Quantos verões
Irão torturar a Califórnia
Até que os malditos mapas queimem
Até que o cartógrafo louco
Caia no chão e possua
A doce e dura terra da qual ele estava se escondendo.
No que você está pensando agora?
Estou pensando que um poema poderia continuar para sempre.
PSYCHOANALYSIS: AN ELEGY
What are you thinking about?
I am thinking of an early summer.
I am thinking of wet hills in the rain
Pouring water. Shedding it
Down empty acres of oak and manzanita
Down to the old green brush tangled in the sun,
Greasewood, sage, and spring mustard.
Or the hot wind coming down from Santa Ana
Driving the hills crazy,
A fast wind with a bit of dust in it
Bruising everything and making the seed sweet.
Or down in the city where the peach trees
Are awkward as young horses,
And there are kites caught on the wires
Up above the street lamps,
And the storm drains are all choked with dead branches.
What are you thinking?
I think that I would like to write a poem that is slow as a summer
As slow getting started
As 4th of July somewhere around the middle of the second stanza
After a lot of unusual rain
California seems long in the summer.
I would like to write a poem as long as California
And as slow as a summer.
Do you get me, Doctor? It would have to be as slow
As the very tip of summer.
As slow as the summer seems
On a hot day drinking beer outside Riverside
Or standing in the middle of a white-hot road
Between Bakersfield and Hell
Waiting for Santa Claus.
What are you thinking now?
I’m thinking that she is very much like California.
When she is still her dress is like a roadmap. Highways
Traveling up and down her skin
Long empty highways
With the moon chasing jackrabbits across them
On hot summer nights.
I am thinking that her body could be California
And I a rich Eastern tourist
Lost somewhere between Hell and Texas
Looking at a map of a long, wet, dancing California
That I have never seen.
Send me some penny picture-postcards, lady,
Send them.
One of each breast photographed looking
Like curious national monuments,
One of your body sweeping like a three-lane highway
Twenty-seven miles from a night’s lodging
In the world’s oldest hotel.
What are you thinking?
I am thinking of how many times this poem
Will be repeated. How many summers
Will torture California
Until the damned maps burn
Until the mad cartographer
Falls to the ground and possesses
The sweet thick earth from which he has been hiding.
What are you thinking now?
I am thinking that a poem could go on forever.
§
Caro Lorca,
Quando traduzo um de seus poemas e encontro palavras que não entendo, sempre deduzo os seus significados. Estou inevitavelmente certo. Uma poema realmente perfeito (ninguém escreveu ainda um) poderia ser facilmente traduzido por uma pessoa que não sabe uma palavra do idioma em que foi escrito. Um poema realmente perfeito tem um vocabulário infinitamente pequeno.
É dificílimo. Queremos transferir o objeto imediato, a emoção imediata para o poema — e no entanto o imediato sempre tem centenas de palavras próprias agarradas a ele, de vida curta e tenazes como cracas. E é errado escalpelá-las ou substituir por outras. Um poeta é um mecânico do tempo não um embalsamador. As palavras ao redor desse murchar imediato e decaído como carne ao redor do corpo. Nenhum trapo de múmia da tradição pode ser usado para parar o processo. Objetos, palavras devem ser conduzidas através do tempo, não preservadas contra ele.
Eu grito “Merda” sob um penhasco próximo do oceano. Mesmo na minha vida o imediatismo dessa palavra irá desaparecer. Estará morta como “Alas”. Mas se eu colocar o penhasco verdadeiro e o oceano verdadeiro dentro do poema, a palavra “Merda” irá perdurar com ele, viajando na máquina do tempo até que os penhascos e os oceanos desapareçam.
A maioria dos meus amigos gosta muito de palavras. Eles as colocam sob a luz cega do poema e tentam extrair toda e qualquer conotação possível de cada uma delas, cada trocadilho temporário, cada conexão direta ou indireta — como se uma palavra pudesse se tornar um objeto por mera adição de consequências. Outros pegam palavras das ruas, dos seus bares, dos seus escritórios e os exibem com orgulho em seus poemas como se estivessem berrando, “Veja o que peguei da Língua Americana. Olhe para minhas borboletas, meus selos, meus velhos sapatos!” O que alguém faz com toda essa bosta?
Palavras são o que aderem ao real. Nós usamos elas para impulsionar o real, para arrastar o real para o poema. Elas são o que temos, nada mais. Elas são tão valiosas em si próprias como uma corda com nada a ser amarrada.
Repito — O poema perfeito tem um vocabulário infinitamente pequeno.
Com amor,
Jack.
Dear Lorca,
When I translate one of your poems and I come across words I do not understand, I Always guess at their meanings. I am inevitably right. A really perfect poem (no one yet has written one) could be perfectly translated by a person who did not know one word of the language it
was written in. A really perfect poem has an infinitely small vocabulary.
It is very difficult. We want to transfer the immediate object, the immediate emotion to the poem—and yet the immediate always has hundreds of its own words clinging to it, short-lived and tenacious as barnacles. And it is wrong to scrape them off and substitute others. A poet is a time mechanic not an embalmer. The words around the immediate shrivel and decay like flesh around the body. No mummysheet of tradition can be used to stop the process. Objects, words must be led across time not preserved against it.
I yell “Shit” down a cliff at an ocean. Even in my lifetime the immediacy of that word will fade. It will be dead as “Alas.” But if I put the real cliff and the real ocean into the poem, the word “Shit” will ride along with them, travel the time-machine until cliffs and oceans disappear.
Most of my friends like words too well. They set them under the blinding light of the poem and try to extract every possible connotation from each of them, every temporary pun, every direct or indirect connection—as if a word could become an object by mere addition of consequences. Others pick up words from the street, from their bars, from their offices and display them proudly in their poems as if they were shouting, “See what I have collected from the American language. Look at my butterflies, my stamps, my old shoes!” What does one do with all this crap?
Words are what sticks to the real. We use them to push the real, to drag the real into the poem. They are what we hold on with, nothing else. They are as valuable in themselves as rope with nothing to be tied to.
I repeat—the perfect poem has an infinitely small vocabulary.
Love,
Jack
Foda!