Heleno Godoy (1946-), por Matheus Mavericco

Heleno Godoy no Festival

“Heleno Godoy é um dos maiores poetas goianos”. Oh, sim, claro. Como se possuíssemos pelo menos uma dezena. Em Goiás a maior parte do que já se publicou não era livro e sim esterco quadriculado. Se reconheço a excelência da obra, que sentido faz nivelá-la por baixo? Louvarmos a literatura de nossa região só funciona se no fundo, lá no fundo estamos com os dedos cruzados, sonhando com prováveis grandes escritores que ainda estão por nascer. Na prática, quando mencionamos autores de nossa predileção, aprisioná-los a qualquer tipo de grade geográfica é sempre um modo implícito de menosprezo.

Heleno Godoy estreou na poesia em 1968 com o livro Os veículos, de forte influência práxis. Caso o leitor não se recorde, a poesia práxis é aquela vanguarda que você vislumbra de passagem nos 45 do segundo tempo das aulas de literatura do ensino médio. Seu professor provavelmente o explicou como uma vanguarda de forte preocupação social que polemizou com os concretistas e que (os olhos do professor lacrimejam) manteve o verso. Que lindo. Até pareço um youtuber. Mas que tal irmos além? Sucintamente, a poesia práxis ensinava dois passos de dança: no primeiro o poeta analisava a realidade e visava apreender as estruturas por trás dos fenômenos sociais, por exemplo a vida no campo, nas grandes fábricas ou a porqueira dos três poderes. Depois ele pegava o relatório de dados e, com base nos instrumentos verbais que viessem a calhar, como que reproduzia, recriava ou, se quisermos ser até mais enfáticos e precisos, produzia e criava uma estrutura estética análoga àquela da realidade e que, aspecto importantíssimo, fizesse com que o leitor, até então indefeso, provavelmente acomodado ou quem sabe alienado, encarasse o texto e, como que por tabela, tivesse um vislumbre da estrutura social destrinchada pelo poeta.

O Heleno aprendeu a lição de casa. Quando travou contato com os preceitos praxistas, ele era um jovenzinho na casa dos seus 17 anos. Fazia parte de uma congregação chamada Grupo de Escritores Novos, o GEN. O propósito era o de discutir e promover literatura no estado, coisa que, verdade seja dita, fizeram e fizeram bem. Que tenham formado nomes como Miguel Jorge, Yêda Schmaltz ou o próprio Heleno, destaques na literatura goiana, é apenas o ápice, afinal de contas o grupo, quando de vento em popa, chegava a contar com dezenas de pessoas em suas reuniões.

Todavia, o leitor deve entender que a preocupação de ordem estrutural e analítica da poesia práxis não se traduziu em adoção monástica e monótona por parte do poeta goiano. Pelo contrário. Quando digo que aprendeu a lição de casa, quero dizer que incorporou o que havia pra ser incorporado da vanguarda e (coisa que os próprios vanguardistas costumam fazer já no ano seguinte) manteve a pesquisa estética em dia praticando “novas artes, novo engenho”. Ou seja: a relação do Heleno com a poesia práxis é a relação de qualquer poeta inteligente com qualquer coisa. Pressupõe uma cabeça nutrida e estofada com o que de melhor a tradição literária oferece.

Você percebe isso se pôr reparo na tendência de nítido viés construtivista da poesia do Heleno, ou seja, uma poesia de pendor cerebrino e analítico que executa muito mais a música com ideias a que se referia Ricardo Reis do que os arroubos sentimentais de boa parte dos contemporâneos de Heleno (poesia parece que estagnada no pântano liricoide da pior safra da geração de 45); você percebe esse nítido viés na poesia do Heleno se condimentar não só poesia práxis no caldeirão mas se for mais longe e adicionar a figura de João Cabral, de Afonso Félix de Sousa em seus melhores momentos (penso em especial no Íntima parábola), de Mallarmé, Horácio e tantos mais.

É por isso que mesmo quando Heleno trabalha o rico manancial dos sentimentos, ele o faz sempre de forma pensada, levando a cabo o que foi dito pelo Fernando Pessoa ortônimo a certa altura do célebre poema da pobre ceifeira: “O que em mim sente ‘stá pensando”. Assim, no 46 de Sob a pele (2005), por exemplo, o leitor verá o modo como o trabalho a respeito do tema da saudade, de forte eminência lírica, não é feito à maneira inocente e deslumbrada de um Casimiro de Abreu strikes again. Pelo contrário. A estrutura anafórica de cada estrofe e o talhe paralelístico que estabelecem entre si nos remete de imediato a procedimentos recorrentes na poesia práxis – mas não só.

Penso que a poesia do Heleno integra uma tradição poética peculiar que concebe menos o poema ou o verso isolado do que o efeito estético do conjunto, no que podemos ligá-lo às cantigas trovadorescas, aos painéis históricos no corpo das epopeias (o exemplo literal é o do início do Canto VIII de Os Lusíadas), às sequências parnasianas (em especial o Bilac de Tarde), ao melhor do alto modernismo e da geração de 45 (Jorge de Lima, o romanceiro de Cecília, Afonso Félix), às séries cabralinas, a experimentos de vanguarda (não só os praxistas mas também os de Affonso Ávila e Haroldo de Campos) ou, no caso da poesia contemporânea, a recortes generosos de Paulo Henriques Britto, Wladimir Saldanha e Érico Nogueira, bem como, em Goiás, ao Pio Vargas de Anatomia do gesto no final da década de 80 ou Miguel Jubé entre os mais novos. O resultado só podia ser ótimo: o saudosismo esperado quando falamos de poemas assim é invertido na própria medula, fazendo com que o recorte dos versos, se nas duas primeiras estrofes sugere que algo de fato resta de maneira deslocada e incômoda (é o caso das palavras “amargo”, “mágoa” e “praga” na primeira estrofe, ocupando, cada qual, o espaço solitário de um único verso), já na última mostra a reversão do quadro com a inclusão enfática de um “não” em seu começo, pronto pra fazer com que o poema, uma composição em anel, se reinicie.

Muito mais poderia ser dito. Escrever poesia em Goiás é difícil. Num estado que durante a maior parte de sua história revelou um silêncio incômodo em suas letras, onde até mesmo poesia ruim era difícil de encontrar, não espanta que mesmo um poeta de excelência sofra dificuldades em transcender a masmorra do planalto central. E quando o faz, parece que nem isso é o suficiente se não tivermos uma conjunção de esforços críticos, acadêmicos e editoriais em prol da obra poética. Ou por acaso bastou que em 2006 um leitor do calibre de Luiz Costa Lima escrevesse uma ótima resenha elogiosa na Folha de São Paulo a seu respeito (clique aqui)?

Hoje o momento é mais propício. A vinda de Inventário, contendo a poesia completa do autor acrescida de fortuna crítica, denota um admirável empenho. Publicado pela editora goiana martelo e com organização da professora Solange Fiuza, o leitor interessado fará bem investindo parte do seu ordenado adquirindo a obra, que, se querem saber, sai a preço módico especialmente se considerarmos o fato de ser obra poética completa: o esforço de uma vida.

 

Heleno Godoy, nascido em Goiatuba, Goiás (1946), é, desde 1991, professor titular de Literatura Inglesa do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. É também professor Adjunto de Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa no Departamento de Letras da Universidade Católica de Goiás, desde 1976. É autor de Os veículos (Práxis, 1968), As lesmas (Agepel, 2002), O ser da linguagem (UFG), A ordem da inscrição (UFG), Identidades prováveis, representações possíveis (2005) e Lugar comum e outros poemas (Kelps, UCG, 2005), entre outros. Em 2015, lançou Inventário: poesia reunida, inéditos e dispersos [1963-2015] (Martelo Casa Editorial), com organização de Solange Fiuza Cardoso Yokozawa, que reúne em 660 páginas toda sua produção.

 

Matheus Mavericco

* * *

 

No limite da hera, esse esplendor
das horas rente ao muro,
a casa se esverdeia – o traço
de um outro estado: sequência.

No limite do vaso, esse furto
do jardim junto à porta,
a casa se enfeita – o trato
de um outro espaço: premência.

No limite da mesa, esse fausto
da horta junto ao prato,
a casa se alimenta – retraio
de um outro espanto: falência.

No limite da cama, esse encanto
do corpo junto ao corpo,
a casa se experimenta – contrato
de um outro assalto: carência.

(de A Casa, 1992)

§

 

46.

ficou daquele tempo este sabor
amargo,
ficou daquele tempo uma certa
mágoa,
ficou daquele tempo uma aguda
praga

uma reclamação contra forças
contrárias,
uma vontade de vingança contra
repreensões,
uma frustração por conta de muitas
proibições

não ficou sequer o desejo da volta
no tempo,
uma angústia pelos anos já cumpridos
nesta masmorra
com que as saudades nos levam
ao esquecimento

(de Sob a Pele, 2007)

§

 

15

Se o amor é forma, então este edifício
foi feito de mármore, talhando condições
de sobrevivência e enfrentamento duro
de qualquer processo de corrosão ou um

outro qualquer que venham a inventar
e a usar contra, destruir o construído,
inventar nomes, acusar desafetos, cair
na tentação fácil das eficácias questio-

náveis ou das perguntas de respostas ob-
vias sobre as relações do dia com a noite
possível e dos encontros clandestinos
ou não, consentidos ou conseguidos

através de expedientes dúbios, como
um vaso de flor cheirosa, um buquê
de cravos caros e luxuosos, uma flor
mais rara ainda, como violeta escura

e refratária, difícil em sua obscura casa
de verdes folhas propositadamente
repletas. Se é assim este edifício, então
pode-se ver nele uma construção mais

frágil, embora mais duradoura, como
um pé depois de outro, a mensuração
o espaço dividido e, às vezes, também
compartilhado. Se o amor é uma forma.

(de A ordem da inscrição, 2005)

§

 

18

É preciso dizer a elas o que elas
significaram. Pessoas são dizíveis,
pois crédulas, e escutam e creem,
quando ouvem, claro, e se veem.

É preciso dizer-lhes de seu barro
em volta, não do estofo de que são
feitos os ditos sobre sua origem.
Essa lama de dentro é só crença.

É preciso dar atenção ao lado lodo
de fora, essa vidraça em mica, uma
aparência fosca de vidro falsamente
medo proposto, propósito amplo

de afiadas espadas postas em uso
quando se diz isso e aquilo e mais
se adiciona, por se querer mais, co-
ação silente e móvel, penetrante.

Vem daí uma dor que é preciso
fazer doer de novo e repetir
propositadamente. As pessoas
são cegas à própria voz ouvida,

são refratárias ao mesmo vento que
as desabriga, sonham com o que é
pesado e duro e, também, sempre,
imponderável, um sol responsável.

(de A ordem da inscrição, 2005)

§

 

O Espelho

Diante de um espelho não se põe
um sujeito, mas uma linguagem.

Nele não se articula um rosto,
mas uma fala comprometida.

O espelho não é, pois, inocente,
reflete o abismo de uma ousadia,

o jogo narcísico de uma mentira,
a ânsia de uma farsa, o medo

de uma falha, o fio branco de um
engodo recente ou centenário,

e o medo, na própria articulação
de suas angústias irresolvidas.

(de Trímeros, 1998)

§

 

Deve haver uma razão para tudo isso:
o porquê de existir esta porta e a janela
abrir para o oeste, esta. Aquela outra,
ao leste, abre seus lados libertos, des-

trancados, e deixa que um sol morno
entre pela manhã, apagando o mofo que
se estende pela parede inconsequente.
Deve haver uma outra razão para isso.

Deve haver uma razão para essa fumaça
branca à tarde, que se dispersa e não
se ajunta, mas incomoda e irrita, claro.
O porquê de haver um vidro de compota

intocado, não para ser comido, mas para
ser deixado lá, sobre a mesa, como um
enfeite, uma chamada, um aviso, medida
de conveniência, paciente presença cuja

razão escapa a quem se indaga sobre…
Mas, se existe razão, por que escapa ela
ao entendimento de quem vive na casa e
nem se pergunta sobre tais fatos? Falha

a percepção que têm da casa: uma ou duas
janelas, uma porta fechada ou aberta, um
sol matutino, aquele vidro abandonado,
como outras coisas entre as paredes da casa.

(de A Casa, 1992)

§

 

Fazer a sesta na tarde quente da casa
vazia, como uma televisão ligada à-toa,
a luz a ser acesa mais tarde, na noite
que nem será menos quente, menos vazia.

Fazer esse repouso, sono interrompido
vez ou outra por barulhos do mundo lá fora,
ônibus, carro, apito, martelada, como uma
volta ao quarto, em si mesmo, uterinamente.

Interior e antes, pois, este sossego quente,
pensante, proposto por um lado só, sem
idade certa, esta que lutasse por algo em
que acreditasse: sonho obscuro, olho rubro.

Um martelo ou chave de fenda largada lá,
sobre uma mesa a um canto: assim fica a
casa em seu abandono de tarde quente, sol
sangrando, paisagem aguda, o fim do dia.

Canto dormente, sofá sonolento e embalado,
perdidas as paixões no corpo adormecido,
embora a hora falhe, o talhe afie, fique
amargo o gosto no lábio, o coração pulsa.

(de A Casa, 1992)

§

 

nos espaços de teu corpo
teu nome em todas as pedras
no espanto de teus traços
teu nome em todas as horas
e meu estar incontável
entre pedras por todas as horas

nos pontos de teu corpo
teu fato em todas as tendas
na marca de teus braços
teu fato em todos os lados
e meu estar incontável
entre tendas por todos os lados

nas amarras de teu medo
teu contra em todas as feras
no vazio de teus laços
teu contra em todos os cantos
e o meu estar incontável
entre feras por todos os cantos

nos confins de tua fuga
teu normal em todas as vagas
no desejo de tua volta
teu normal em todos os dias
e meu estar incontável
entre vagas por todos os dias

(de Fábula Fingida, 1985)

§

 

quem me cala, não consente
e posso ser eu mesmo, descontente
a sonegar, em meu canto
o sentido e a presença

quem me acha, tão contente
e passa a ser eu mesmo, consequente
a inventar, em seu canto
a forma e a anuência

quem me conta? só sequente
e poço a ser eu findo, minudente
a ir de encontro ao canto
o invento e a sequência

quem me encanta? nem vidente
e espaço em mim mesmo, intermitente
a incluir, em seu canto
a soma e a aparência

(de Fábula Fingida, 1985)

§

 

que pedras rolaram de teu rochedo
que chuva caiu sobre teus campos
que ondas bateram em tua praia
que vento soprou sobre tuas cercas
que vagas irromperam em teu abismo
que fogo queimou em tuas relvas

eu rolei como pedra e não me amparaste
eu caí como chuva e não me absorveste
eu bati como onda e não espraiaste
eu soprei como vento e não me protegeste
eu irrompi como vaga e não me evitaste
eu queimei como fogo e não me apagaste

(de Fábula Fingida, 1985)

§

 

Requiem / AEternam lEternal Rest / Repos Éternel / Ewige Ruhe
Requerer Eterno / Eterno Resto / Repouso Eterno / Erguida Rua

Nota: A seguir, “uma longa “tetra-tradução” do texto da missa de defuntos, tal como utilizada por Giuseppe Verdi em sua monumental Messa da Requiem, composta em homenagem a Alessandro Manzoni e apresentada pela primeira vez na igreja de San Marco, em Milão, no dia 22 de maio de 1874. Heleno Godoy partiu do texto da missa em latim, inglês, francês e alemão, para chegar a um texto em português pela mais rigorosa “transcriação”.

 

1.

Requerer eternamente.
Recusar, naturalmente.
Reclamar constantemente.
Erguer, regularmente,
um recurso eterno:
garantir ao que resta,
ó donas e ó senhores
de todos os domínios,
repouso eterno, luz
perpetuada sobre ele.

Nós loucos, senhores,
dizemos ao deus logro
de Sião tão longe, dece-
pados hinos, homen-
agem paga a tíbio redentor.

Elevando a voz exaurida,
em oração, meio de omis-
são a ser pago, quem escuta
nosso pedido racional
e vê nossa flecha?

Deste ônibus caro vem
a fúria bifronte, corrente
que vem de ti e come
o que te omite, a grama
e o eterno resto
e o luminoso brilho.

Aqui, garantindo a regra
e o domingo, ó domínios,
a luz que chia e olhos jamais
deleite, luxo que esmorece, ao
pé de estranho, piedoso dito.

 

2.

Direis a ira do dia, da ilha deste
dia de jogo, tábuas da cólera,
zonas de um Zeus solvente
e consumido.

Séculos nas favas, dádiva
do anúncio sibilante, quando
lêem o teste, já tremendo/
temendo concha e arrocho.

Qual foi o efeito aparente,
em grãos de zimbro, quando,
julgando, vêm venturosos a um juiz?

Quanto tremor neste futuro,
uma concha que se come
para render/arrochar um estrito
arredio, esta flanela flâmula!

 

3.

A turba que mira ouve este trompete
escandindo seu som prodigioso,
pousado e lauto e de posse erguida.

Pôr sepulturas em regiões
acrósticas, graves de lendas,
tais as sepultas ervas,
em chás bebidas.
Com o ressurgir da criatura,
mancando os ares, toda
a criação se arrepende,
recavando a gleba.

Rendendo a conta concha,
judicando e respondendo
ao som juiz da fonte, e afronta
a criatura, a tuba mira e sopra.

 

4.

Livremente, a escritura busca
ser vizinha e ousa, na busca,
ser trazida a proferir, para quem
tudo contém, todo o conteúdo
dado ou entregue a quem anda
por mundos e sítios do mundo,
erguendo sedas e tomando as-
sentos. Donde as cercas sítios de
rios que cercam sedentos apelos,
cachos vendas, ao jugo do verbo
e vento, quem de lado aparece,
apela, ri do resto impuro, nuli­-
ficando o que remanesce e revém
inavegando, rastejando o nada
como súbita flama flâmula e falha.

 

5.

Aqui, a soma de um mísero
tão discurso. Qual chave,
que direito agora?

Miserável sagacidade protege
quem patrocina e roga eventos.

Justo o mais bravamente sábio
e garantido, ajustando as penas
e garantindo um vazamento justificado.

 

6.

Rei tremendo, resto que
lembra a justa majestade
de quem salva, voz sonante,
freio dinheiro grato, a fonte
do posto, pista da propriedade,
e é surdo ao pé da grande volta.

 

7.

Recordar ao pé do justo gentio
suavemente, doce malte erguido.

Qual a soma de tua causa e via,
a razão de tímido olho, por meu
rejeitar o passo de um jogo escalado?

Quaresma, me sediaste o lasso passo,
o que sepultou quem me esposava
ou suspendia, redimindo crustáceos
passos e tais muitos trabalhos em vão,
e vem aqui quem sofre, cruz pendente.

Tanto labor, em teu caso, ritualmente
julgando a vingança e a justa sentença,
ao gerenciar a regra e dar, fato remissão,
o prêmio do esquecimento, antes do dia
reconhecendo a rendição gerida/ querida.

 

8.

De joelhos e gemendo, em gemido tanto
quanto réu, grunhindo como símio acusado,
culpa roubada, guia rendido, pêssego regur-
gitado, esta face em chamas e em suplicante par-
ceria espargindo súplica, céu dela que implora.
Quantas Marias absorvidas, esperadas por sua
perda, vergadas e ladras exaltadas, vergastadas
à ladra fé. Meu preço, assim rendida a esperança,
vai por dívida, vai por menos flechas, prece
minha sem mérito, mas tua a misericórdia,
o bom feito e benigno brilho de fogo eterno ..
Bem, de baixo, e engolfando perenes crimes
ígneos, um lugar de larga esfera, estas ovelhas
localizadas no prado e separadas dos bodes por
entre britas, estátuas na parte destra estendidas
por reta mão entre bocas, estabelecidas como
à minha direita, uma tal dita seita e serventia ..

 

9.

Confrontando os mal ditos danados,
confundindo olho sombra, flamingos
que acirram os aflitas.

Flâmulas consignam-se flambantes,
verdadeiras e devoradoras beladonas.

A vaca que comeu com pressa
o apelo por entre selvas, um ouro
em súplica e bem debaixo da cura
quase cínica, entre cedros reduzida
e zunindo o fim desta verdade.

Gerando meu fim,
ajudando à última hora,
ardendo neste sinal,
queimando este final.

 

10.

Lacrimosa deusa da ilha, furos e toras,
jornadas de lamas, grades de traumas
regurgitando as favas das achas que
arriscam o homem e revivem sua cinza

Justo no mundo, o homem arrisca
a culpa de abater o jugo, este culpado
perdão lugar, aqui erguido em parte
dada e em doce repouso, gentil garantia.

 

11.

Oferto o domínio, jejum cristalizado,
o reino da glória que rói/rui o relicário
e anima o homem fidelidade, o que
entrega aos só fiéis a partilha das almas
de fidançados defuntos, estátuas nos
buracos. E pânico no hall de entrada,
um pênis infernal em profundo lugar,
como jaula de leão ou guelra de leão,
um rato louco absorvendo este tártaro
mar salgado e o engolfando candente
e obscuro. A sede significa santo milagre,
mais que santo nesta tênebra festa, uma
outra porta-estandarte sondando sua re­-
presentação. Luz santa conduzida e que
verá sua luminosidade leite, quando
o óleo prometido, dado à sede de jade
dos defuntos, galopará seminua e sólida
para a sua própria prole posteridade.

Hóstias e preces te louvam em árvore,
te afrontam com pregos, trazem ofertas
e láudano, sacrifícios e praias, luares
nimbos, selos súplicas, memórias fáceis
remendando o dia, ajuntando mais oito
memórias, alta demanda da morte que
domina e faz este passo de morte em
via de traurnatizar, transpirar e vitalizar
de novo, com veemência, o semi-
justo símile na própria prosperidade.

 

12.

Santo, santo, santo sábado este rolo/
dolo santo. Domínio a dar ao sábado
os lordes do grande halo dos armados/
amados do céus e que da terra são
repensados/ renhidos/plenos da glória
tua: um hosana às excelsas e beneditas
células, senhores, um hosana aos mais
altos céus em excelsos halos planaltos.

 

13.

Joelho que se deu e tolhe os pecados do mundo,
que toma do alheio os sinais do mundo, que
afasta os pêssegos do mundo. Dona, eis, pois,
reclamante e garantindo o resto, afastando pés-
segos de novo, dona reclamante e serpentina,
dê a eles um repouso eterno e merecidamente
trocando os pecados deste resto do nosso mundo.

 

14.

Luz eterna,
luxo aéreo
lixo etéreo.

A luz se fez mais eterna,
luxo se fez mais etéreo,
lixo se faz mais aéreo.

Domínios que são pios,
toda arte é boa. O carro
teu é misericordioso.

Seja digno, heliotrópio,
denso em teu gosto,
humilde em teu gasto.

Requisita de tua eterna
dona e da luz perpétua
que perpetuem a tua arte boa
e jamais o repouso misericordioso.

 

15.

Libertem-me, domínios, da morte eterna,
ou entreguem-me, na eterna sorte, à cela
etérea deste jogo terreno. Um dia na ilha
tremenda, tremendo no dia feio, quando
altos e baixos forem abrandados, hinos ao
ungido erguido, o céu movendo-se como
ao julgar o mundo pelo fogo a fazer furor.

Tremem os fatos que são egoístas, cinzelados
no medo e trementes, assim também santos
e crentes e tementes, recobrando a angústia
que os dissuade e venera, atendendo ao julga-
mento e à cólera, quando céu e terra serão
abrandados/igualados/irmanados/transformados.

Dias de ira, sim, ó deus da ilha, aquele dia de rato,
jogo da cólera, maldade e angústia, o grande
jogo de te amar/armar, jovem tábua das zonas
de calamidade e miséria. Quando virás julgar
o mundo pelo fogo que o consome, por
séculos ignorando este magno e amargo vale
excedendo em amargura e rico em tão furor?

Reclamo eterno, reclamar eternamente, ó dona
em seus domínios, e garantir a eles e dar-lhes re-
pouso eterno, perpétua luz que lhes brilhe sobre,
com luminosidade aeretérea, aos olhos nunca
em leite iluminados, luz chiada, brilho sobre este
domínio de luxo aéreo, lixo eterno e luz etérea.

(de Lugar-comum, 2005)

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