
P.F. FILIPINI nasceu em Rolim de Moura, Rondônia, em 1994. Formada em Pedagogia, atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Cultiva solidão e se planta ao silêncio para sobreviver, eis sua costura de compreensão. Escreve. E nas horas vagas, existe: esta é toda sua substância. Vive através de uma timidez que lhe parece inerente, e é por isso que escreve: para ordenar cernes, e tentar penetrar à realidade que sua conjuntura tanto dificulta. A condição humana é o pilar de seus escritos evidenciando que, além da habilidade com as palavras, inegavelmente, é a palavra que, habilidosamente, concretiza a feitura da escritora. Publicou os livros FOLHAS DOS OSSOS ou o tratado das coisas insignificantes (Patuá, 2017), e Ensaio sobre a Geografia dos Cernes (Temas Originais, Portugal, 2017).
*
As tardes também morrem dentro de nós
É por isso que existem os pássaros:
são a afirmação de que há uma
tarde, um canto, uma morte,
uma fresta entre pedras que
soluciona a equação complexa
do espaço diminuto e sufocante
que corrompe o número,
a quantidade, a mesmice – e gera
um caule órfão que não é coisa alguma
senão uma flor solitária sem função,
que não produz senão uma alegria magra
que fornece ao mundo uma linguagem de vida:
um som de solidão que fere
a falsidade dos que têm sede
de vazio, de caminho reto,
de espírito intacto.
[…]
Só os espíritos feridos existem.
Os intactos nunca conseguirão
enxergar as flores, pois jamais
serão capazes de suportar qualquer
beleza sem desejar serem vazios.
§
SAGRADO
A minha própria prece sou eu
os móveis, as paredes
[a flor no vasinho
e o barulho da chuva
[me rezam
[…]
Há algo de sagrado
em ser sozinha.
§
Deixe-me plantar uma flor
no teu quintal
para que sempre
eu tenha que perguntar:
[como ela vai?
Quando na verdade
quero saber de ti.
§
MESMO QUE MORRA UM PÁSSARO
não há de passar o tempo
onde o tempo não é morada
e se te amo é porque já nasceram
as flores
[e há um pássaro que canta sempre
e se te amo é porque nada mais
conheço senão os teus olhos
[e há um pássaro que canta sempre
e se te amo é porque já fui rasa
e chão
e tão superfície como superfície
é a vontade de tocar aquilo
que só me custa um passo
e se te amo é porque não sei mais
tirar-me disto, e se soubesse
beberia seu esquecimento
e o pássaro continua cantando
porque é assim que funciona o amor:
mesmo que morra um pássaro
os outros voam em refrão
juntos e minúsculos
bobos e despercebidos
então é assim que te amo:
como quem planta uma flor
para cada dia de vida
para esperar sua morte fazendo
nascer outras mortes.
§
O silêncio é uma picada
de abelha
o ruído cheio de pássaros
a voz que não termina
[…]
todo silêncio é um coletivo
dentro da gente.
§
A vida é esta fresta
entre os pores do sol
que tramam a existência
das coisas
no fim de morrer
[…]
O que é efêmero não dá
trégua.
§
Se persigo o infinito,
jamais hei de me encontrar
[…]
Se não acumulo finais nos
meus olhos
morrerei para sempre.
§
Há em cada espírito solitário
um ilhado
que no primeiro afeto
se torna múltiplo e encolhe
e ainda que encolher-se
o apequene
sabe que – por ser sua própria
intimidade, fica vasto.
§
Estou rapidamente envelhecendo
e a palavra tem se tornado
cada vez mais jovem em mim
[…]
Temo e a felicito, pois algum dia
de tão jovem se tornará semente
e somente os pássaros carregam
sementes.
§
Todas as coisas simples
de tão simples se tornam
mestras
não medem dificuldade
nem nada
abrangem o sentimento:
amar alguém é anular as
eternidades, negar a oração.
*
Pâmela Filipini é clara, direta, concisa; a emoção sob controle sem ser fria; alma jovem e madura, a poetisa não tem medo de ser o que é: sensível, delicada, solene, e livre dos maneirismos que assolam a poesia brasileira dos últimos tempos.
Ricardo, o que quer dizer com “maneirismos”?
Sabrina, penso que maneirismo é o formalismo vazio.