1 poema inédito de Mariana Basílio

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Mariana Basílio é prosadora, poeta, ensaísta e tradutora. Nascida em Bauru, interior de São Paulo, em 1989.  Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Autora dos livros de poesia Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016). Colabora em portais e revistas nacionais e internacionais, tendo traduzido nomes como May Swenson, Alejandra Pizarnik, Edna St. Vincent Millay, Sylvia Plath e William Carlos Williams. Com patrocínio do prêmio ProAC (2017) do Governo de São Paulo, publicou em 2018 seu terceiro livro, o poema longo Tríptico Vital (Patuá). O projeto também foi finalista do programa de Residência Literária do SESC (2018). Mantém o site www.marianabasilio.com.br. Já esteve presente na escamandro com poemas autorais e traduções de Denise Levertov e Edna St. Vincent MIllay.

*

Brasil 2019

O poema Fim, disposto nessas linhas em três atos, foram versados durante o resultado do período de eleições presidenciais de 2018. Apesar de a autora não ser partidária nem de si, nem de outros, sentiu no avesso do estômago o resultado das urnas, e ali sentou o pensamento. O fato finito talvez esteja nos brasis de um só Brasil, que continuam abrasados como vespas amontoadas em nossos cílios – nada ordenados ou progressistas. Eis apenas uma imagem. Primeiro publicada na revista impressa portuguesa Flanzine (18º), a convite de João Pedro Azul, e lançada nos dias 8 e 15 de dezembro de 2018 nas cidades de Porto e Lisboa, agora disposta na revigorante escamandro, pelo fino trato de Nina Rizzi.

Mariana Basílio
*

បញ្ចប់

PRIMEIRO ATO

 Toda a manhã consumida
Como um sol imóvel
Faiscado nas rugas do
Percurso móvel.
Toda a manhã consumida
O DESERTO – rigoroso horizonte –
Bico dos seios no cu que se curvava: um anel dourado
O lombo estralado na pátria assassinada
Rasteja nos pares ao fundo
Condor, ó condor resvalado!
Pelos dedos dos pés há um menino há uma
Menina rasgados pela sagrada escritura
Onde as palavras tornaram-se inúteis.
Os despachos os cantos os berros os
Ouvidos: atentos! Mentes confinadas
– Estou sem ar! – disse ele.  – Está bem… que seja…
Apenas deixe-me sair… por favor.
O lastro da boca é o leite derramado
Ouve-me. Ouve-me enquanto
“É o coração de Cabestan no prato.”
Cospem no céu, cospem no chão
– Aonde vocês vão? – espantaram-se as senhoras de K.
– Anna Pávlovna, aonde você vai, querida?
Pro inferno, diacho, pro inferno de Riobaldo!

Es el inospito! Es el inospito! Es el inospito!

UM VAZIO hoje se condecora com lágrimas –
Esqueçam os faróis, os traços são mesmo azuis
E ainda vivemos aqui

SEGUNDO ATO

Assim a luz chove, assim verve o estômago
Talheres dispostos, silêncio silente le solo seul
Nós pairamos aqui
Água férvida, espasmos estridentes à
Comida entalada no pescoço porque
NADA mudará compondo o abismo do amanhã
“And to die is different from what any one supposed, and luckier.’’
Pelos dedos das mãos há um homem há uma
Mulher mutilados pela hipocrisia literária.
Ouve-me. Ouve o espanto tragado de mim que
Vi as piores mentes da minha geração saudadas pela loucura
Cuspidas no céu, cuspidas no chão aos
Animais cochichando “Como são imbecis os humanos!”
Com o coração perfurado da vida o coeficiente da morte é esquartejado
Pelo próprio corpo, e é só o começo comestível de mil anos
A madeira lascada, o vidro trincado, a lama putrificada
É uma dança de adeuses no passado gigante que nos ouve
Zoe says this is over! this is over! this is over! this is over!
Mas não acabou o mar com o fogo
Na lareira do tempo o teu crisol na caça fundida dos chacras
“Eleonora, ἑλέναυς e ἑλέπτολις!”
A tromba elevada, as costas ancoradas
A água jorra do inesperado
CABRUM CABRUM ela se refez da mata

TERCEIRO ATO

Koi no yokan diz a placa
Altar dos demônios expirados nos sorrisos de criança
Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento.
O BRASIL recoberto de mágoas chafurdando corações
– Eram uns tempos grávidos de nomes,
era um rumor de apelos
e de dádivas. – com os lábios segurando cigarros no entardecer.
Altar das vísceras cindidas nos enganos de todo santo dia.
Percorrer a Glória, endoidecer perante os rostos pedindo moedas
No arpoador gazelas fogem dos tiros por detrás, à esquerda
Há uma miudeza mofando pelas axilas há medo e há lume
– Era uma noite; e as cobras se enlaçavam
destronadas; e um mundo se paria. – o peito inflamado de fumaça
Tossia ainda que a lua se dispusesse no sonho desalmado da noite.
Mas ainda caminhávamos, sedentos,
– E, entanto, o olhar audaz e visionário
Já tem clarões sinistros de fogueira! – um pau entre as coxas esporrava
Ela dizia socorro! E o mundo de costas aplaudia – cabeça entre lágrimas
Abraçada nos destroços da padaria: uma senhora
De las geraciones de las rosas
que en el fondo del tiempo se han perdido
Alguém já contou nossos dias, alguém que já sabe das horas
Acaba de proferir o manifesto dos odiados.
Cosme contemplava a ternura e os faróis ressurgiam:
O que sou eu, gritei um dia para o infinito
E o meu grito subiu, subiu sempre
Até se diluir na distância. – Mas as pontas não se enlaçavam.
As armadilhas na dentadura do cadáver sob a mesa do jantar
Eram o próprio sol imóvel, dissecado na memória,
Escalado nas paredes do paraíso que nos destruirá
A VOZ – “Pensa no que te disse, se não quiseres te arrepender!”
Um caranguejo se agiganta no açoite
Macunaíma deu uma grande gargalhada.
A verdadeira dor é incompatível com a esperança.

Um porco caminha procurando por comida na rua do Bairro de Bangu.
Um porco caminha procurando por comida na rampa do Palácio do Planalto.

De dois em dois nessa vala um pressentimento ainda faísca na
Manhã consumida – o coro das vozes é aqui incendiário –
A limpeza dos ideais se exalta no nu de nossas cabeças.

E estou moribunda à beira do caminho.

*

 

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