“O Palácio”, de Kaveh Akbar, por Layla Oliveira

Os poemas de Kaveh Akbar foram publicados em jornais como The New Yorker, Poetry, Paris Review, Best American Poetry, The New York Times, e muitos outros. Ele é o autor de duas coletâneas completas: Pilgrim Bell (Graywolf, 2021) and Calling a Wolf a Wolf (Alice James, 2017). Ganhador do Prêmio Levis Reading, múltiplos prêmios Pushcart, e Ruth Lilly and Dorothy Sargent Rosenberg Poetry Fellowship, Kaveh é o editor-fundador do Divedapper, site de entrevistas com as maiores vozes da poesia contemporânea. Nascido no Teerã, Iran, leciona na Universidade de Purdue e nos programas de baixa residência do MFA no Randolph College e Warren Wilson. O site dele é http://kavehakbar.com/#/.

Layla Gabriel de Oliveira é poeta, atriz e estudante de Letras na Universidade Federal do Paraná. Está atualmente traduzindo o livro inédito do poeta Kaveh Akbar, Pilgrim Bell, para publicação simultânea nas duas línguas. Concluiu o seu primeiro projeto de pesquisa na Iniciação Científica, sobre tradução e recepção de teatro grego, na área de clássicas.

original: https://www.newyorker.com/magazine/poems/kaveh-akbar-the-palace

* * *

O Palácio

É difícil lembrar com quem estou falando
e o porquê. O palácio queima, o palácio
é fogo
e meu trono é cômodo e
quadrado.

Lembra: o velho rei convidou seus súditos para casa
para se deliciarem com estoques de tortas de maçã e cordeiro doce.
[Para se deliciarem com cordeiro doce de estórias. Ele acreditou

que eles o amavam, que a sua bondade
tinha feito ele merecer a bondade deles.

A bondade deles o arrastou para a rua
e despedaçou

seus braços, arrancou
a sua bondade, arrancou os seus dedos
feito penas.

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Não há bons reis.
Só há belos palácios.

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Quem aqui poderia alegar ser meramente culpado?
Os meros.

Minha vida
ficando monstruosa
com facilidade.

Para ser um Americano meu pai deixou seus irmãos
pensando
que nunca os veria de novo. Meu pai
queria ser o Mick Jagger. Meu pai
virou fantasma,
acabou trabalhando em granjas por trinta anos, certa vez
[um sono
um sofá
ele cospe uma pena.

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América poderia ser uma metáfora, mas não é.
Dormindo no sofá, ele cuspiu uma pena branca de pato.

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Não há portas na América.
Só buracos king-size.

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Ser um Americano é ser um especialista
em oportunidade.

Oportunidade custa.

Cada laranja que eu como desaparece os milhares de
pêssegos, ameixas, peras que eu poderia ter comido

mas não comi.

No céu, oportunidade custa.
No céu dela

minha mãe planta
pêssegos, ameixas, peras, e eu como até desmaiar

e acordar no céu;

acordar, e comer um pouco mais. Eu não poderia sonhar em fazer
[nada
pela metade. Seja o que for, eu quero o ramo
todo. Por favor. E rápido.

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Você ainda está ouvindo?
Cada pessoa que toco
me custa dez milhões que eu nunca vou conhecer. Pessoas e pessoas,

dentro de cada
um palácio em chamas. Dentro de cada

Mick Jagger usando um casaco de pele de gorila coberto de penas de
[avestruz.
Ele chama de “glamouflagem”.

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O que se foi, mas permanece visto?

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Soldados sem sorte,
o lápis atravessa lentamente o tríceps do meu irmão.

(O que se foi, mas permanece visto?)

Ele não gritou, só deixou os olhos lacrimejarem.
Se eu sorrir, mesmo que um pouco: eles começam a afiar as espadas.
E estão certos. Agora não é hora de alegria.

Agora não é hora. O palácio queima.
O lápis atravessa lentamente o irmão do meu irmão.

(O que permanece, mas visto que se foi?)

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Um rei governa melhor
no escuro, onde não dá pra ver suas mãos se mexendo. Um rei

não nos vê
assistindo o rei.

Costuramos as iniciais de Deus nas nossas roupas de trabalho

enquanto nossos bebês emagrecem.
Os bebês não nos veem

assistindo nossos bebês
emagrecerem.

Nossos bebês nascidos viciados em medo de bebês.
Nossos bebês mastigando maçãs sob o sol.

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América? a lápide quebrada.
América? longe o bastante de si mesma.

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Alô, aqui é o Kaveh falando:
Eu queria ser o Keats
(mas já vivi quatro anos mais)

Alô, aqui é o Keats falando:
seria um absurdo dizer alguma coisa agora
(muito menos alguma coisa nova)

Alô, aqui é ninguém falando:
floradas de hibisco, penas molhadas,
(um pequeno polegar de cinzas.)

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Ser Americano é ser um caçador.

Ser Americano. Quem pode ser Americano?

Ser Americano é ser? O que? Um caçador? Um caçador
que só atira grana.
Não, grana não –
grana.

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Eu tenho um aparelho de cozinha
que me permite secar alface.
Não tem jeito elegante
de dizer isso – pessoas
com corações vivos
que caberiam no meu peito
querem derreter a cidade onde eu nasci.

Na sua escola, num subúrbio americano,
a camiseta de um menino diz: “Nós Fizemos Com Hiroshima,
[Podemos Fazer Com Teerã!”

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Na sua escola, num subúrbio americano,
a camiseta de um menino diz: “Nós Fizemos Com Hiroshima,
[Podemos Fazer Com Teerã!”

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O troféu:
bode assado ganindo no espeto.

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A camiseta de um menino diz: “Nós Fizemos Com Hiroshima,
[Podemos Fazer Com Teerã!”
Pedem para ele virar a camiseta do avesso.
Pedem? Ele, do avesso.

Depois que ele obedece, seus pais processam a secretaria de
[educação.
Nossas almas querem saber
como foram feitas
o que devem.

Esses pais querem que o menino
queira derreter a minha família,
e eu vivo entre eles.

O trono do palácio. Aconchegante, em chamas.
Eu o desenho sem levantar minha caneta.
Eu o desenho gordo como a criação–
vazio como uma pegada.

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Como viver? lendo poemas, respirando curto,
secando alface.

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América, a respiração curta
como viver?

A armadilha curta, América
capturando

só o que é pequeno demais para comer.

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Os mortos se mantêm aquecidos sob a América
enquanto minha mãe frita berinjela no fogão.

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Eu não estou lá.
Eu estou em algum outro lugar da América (eu sempre estou
em algum outro lugar da América) escrevendo isso, escrevendo isso,
[escrevendo isso, inglês
é a primeira língua da minha mãe,
mas não é a minha.
Eu poderia ter dito bademjan.
Eu poderia ter dito khodafez.

Óleo escaldante, grandes punhos de fumaça, escrevendo isso.

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O primeiro inseto desenhado pelo homem foi o gafanhoto.
Arte é onde o que nós sobrevivemos sobrevive.

Óleo escaldante, grandes punhos de fumaça. Arte. Óleo escaldante. Arte.
Minha mãe frita berinjela. O primeiro

inseto desenhado pelo homem sobrevive.

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Quem vai beijar a rainha do baile?
Cérebro pulsando como uma ostra.

Quem vai ganhar a guerra?
América emerge

coberta dos
miúdos grãos daquilo de que é feita:

Pão fresco inchado com pó de farinha.

Ao escrever um e-mail, eu cometo um erro de digitação:
Eu te chamo tanto hoje,

e deixo assim.

Piedades proibidas, moinhos de vento girando
feito jovens bêbados.

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Qualquer documento de uma civilização é também um documento
[de barbárie
diz o palácio, em chamas.

Eu, um homem
sou tudo que eu não digo.

América, eu te garanto, se você me convidar para a sua casa
Eu vou ficar,

chamando, beijando meus amados com franqueza,
colhendo rabanetes
e tampando todas as suas canetas.

Não há bons reis,
só palácios em chamas.

Me chame hoje, tanto.

* * *

*‘The Palace’ from Calling a Wolf a Wolf,Copyright © 2019 by Kaveh Akbar.

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