
Guilherme Pavarin (São Paulo, 1987) estudou Jornalismo na Cásper Líbero e Letras na USP. Foi repórter e editor nas editoras Abril e Globo. Escreve como colaborador para a revista piauí e outros veículos nacionais.
* * *
o retrato
num poste
do bom retiro
um anúncio de cão
desaparecido
fez aniversário
esmoreciam os pêlos
desbotava seu fuço:
couro viúvo da chuva
a abanar raios com
caudas de fagulhas
na esquina, comovido
muitas noites pensei
em ligar para os donos
a fim de acalmá-los
com boatos espíritas
ou recriminá-los
pelo abandono
daquele informe, bem
como das notícias
e de todos os tratos
mas hoje
ao passar pelo poste
vi outro cartaz
o mesmo texto
os mesmos números
as mesmas marcas
e o meu rosto
no retrato
§
farol do sono
lua oculta, novo enigma:
entre os calos das falhas
as valas das dúvidas
desacatam o agora
na forja das grutas
cubro com dorflex e saliva
a coceira de lapidar
uma nova pedra bruta
hoje não há saída:
vedam-se os vagões
o aquário das intuições
partidas, bebidas
amanhã — torço —
os trilhos estarão a postos
um farol iluminará o fosso
a bússola virá como sopro
que a noite germine o ócio
da carne, cresçam os ossos
e o impensável
se torne óbvio
§
manhã
amanheceu na minha esquina
um tanque pixado com flores
e mortalhas sobre o canhão
vizinhos posaram para selfies
homens montaram seus filhos
repórteres alisaram ferrugem
geométrico e tetânico
ele foi ficando jardim
dentadura de pneus
ao lado ergueu-se uma praça
com trânsito, louvores e pipocas
de domingo a domingo
todos à espera dos cuidados
do motorista que lá estacionou
para menos dia
num brecha de nossa vigília
botar outro tanque, mais novo
em seu lugar
§
respeito aos rituais
ao decolar do aeroporto
os pulmões ao lado
roncaram em colapso
removi seus fones
cruzamos o oceano
solenes, eu e o morto
Guilherme, obrigada pela sua sensibilidade, estamos precisando de poesia.
Amei……..”O Retrato” me pegou profundamente.Obrigada.Um abraço poeta.