Daisy Serena, São Paulo (1988), mulher negra, mãe do acauã, artista e ativista visual, poeta, pisciana, com estudos em sociologia e política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Seu primeiro livro, Tautologias, foi publicado em Novembro de 2016, pela Padê Editorial. Co-idealizadora do projeto Poemas para Combater o Fascismo (2019). Sua primeira exposição aconteceu em 2016, dentro da Mostra de Criadoras em Moda: Mulheres Afro-latinas, no Sesc Interlagos: Tecituras de Tempo & Identidade.
*
a mulher existe
apesar do
cheiro de cocô
da fralda no saco
q
inda tão dentro
das narinas
queima
a mulher insiste
apesar do
corpo pedindo
cama aninhar
na cria que re
clama
um movimento
sonoro qualquer
a mulher não chora
porque até retina
cansa e seca
e perde o sentido
lagrimar quando
só se quer
o que se?
a mulher tinha uma lista
perfeitamente escrita
trabalhos
projetos
aquilo que
ficou de comprar
mas o corpo
alastra
ligeiro e lento
sobre si mesmo
como o fogo invade
a mata
como cachoeira
tromba os corpos
numa surpresa
vagarosa
tarde demais
para mover
rápido demais
para afugentar
a mulher assiste
a noite comer a
fatia mais larga
da lista do porvir.
*
SUAVE
atravessasse a
coragem
declarava
eu prefiro suave
o atlântico
por testemunha
d’ desfeita cena
quando o mistério
misturou-se a terra
tornando lume
em lama para meu
escalda-pés
das cosas que nunca
dije
cochicho um fonema
e tu sabes
que é do peito
macio que peço
agrade
não me firas
de sexo
o que é
cariño
en mi
eu prefiro suave
um já velho
tele-
fonema
tua voz em
veludo lullaby
nakupenda,
malaika
fingindo dizer
o que escolho
ouvir
*
A IRA DA FILHA DE CAM
parece perda de palavra
que
mucama
num é quem ama
é qual a
mulata
bicho que se quer
domesticado
nos quintais das
fazendinhas
projeto
colonial
e sanha?
ou tu me diz
que é sina?
eu daqui do
doismilevinte
não sabia que
minha cria
não era minha
esse leite só podia
ser de aia
ou qualquer outro
palíndromo
servil
inda que seja
servir ao
projeto
esclarecido
que num é
meu é do
racismo
creditando no
meu filho
uma conta
‘redentora’
d’uma pretitude
que nunca se quis
extinguir.
:
parece perda de palavra
só que é muito mais.