Nikki Giovanni, nascida Yolande Cornelia Giovanni. Jr, em Knoxville, Tennessee em 1943, é uma grande poeta norte americana, embora pouco conhecida no Brasil. Tem uma escrita que nos soa familiar: fala sobre si, o que vive e sente, sobre suas experiências. Dentro desse espectro, aborda temas como amor, amizade, rejeição, raiva, frustração. De certa forma, organiza o que sentimos em palavras de forma natural, parecendo simples, porém com uma consistência que não tem nada de ingênua. Além de poeta, Nikki é professora, ativista e além de escreve literatura infantil e de não-ficção.
Para traduzir, passei por muitas versões de laudos e manuais para, finalmente, tentar me guiar por caminhos mais contemplativos, ainda que sem perder a firmeza. Assim como na vida, me deixei levar pela poesia buscando amaciar corações enrijecidos, além do meu próprio, e tenho prosperado. Esperando que cada pessoa, ao ler um poema, sinta o calor que dele emana em tempos cada vez mais frios.
Danieli Corrêa
*
I would not be different
Every now and then
We all fall in love
With a totally inappropriate
Person
And I would not be different
You sort of see someone
And you don’t want to notice
That ring on his finger
Nor really that sort of happy
Look in his eyes
You do however know
Immediately
How wonderful it would be
To fall into those arms
To nuzzle the hairs
Of his underarms
To rub your cold feet
Against those thighs
You do want to know
What the water would feel like
As it caresses you two
In a rainbow shower
The soapy suds swirling around
As you kiss and kiss and kiss
You do want to know
How he takes his eggs
Whether his toast should be buttered
On both sides
If he drinks decaf or regular
But he is a totally inappropriate person
And all the world knows
This cannot work
Yet all the world would think
If they could see him
“I want to be in love with that”
And I would not be different
Comigo não seria diferente
De vez em quando
Todos nós nos apaixonamos
Por uma pessoa completamente
inapropriada
E comigo não seria diferente
Você meio que vê alguém
E não quer perceber
Aquele anel em seu dedo
Muito menos aquele olhar de felicidade
em seus olhos
Você, no entanto, sabe
Imediatamente
Como seria maravilhoso
Cair em seu braços
Acariciar os pelos
de suas axilas
Esfregar seus pés gelados
Em suas coxas
Você quer saber
Como seria sentir a água
A acariciar vocês
Em um banho de arco-íris
As bolhas de sabão borbulhando
Enquanto vocês se beijam e beijam e beijam
Você quer saber sim
Como prepara seus ovos
Se passa manteiga nas torradas
Dos dois lados
Se o café é normal ou descafeinado
Mas é uma pessoa totalmente inapropriada
E o mundo todo sabe
Que isso não pode dar certo
Mesmo assim, o mundo pensaria
Se vissem essa pessoa
“Eu quero me apaixonar”
E comigo não seria diferente
§
Bicycles
Midnight poems are bicycles
Taking us on safer journeys
Than jets
Quicker journeys
Than walking
But never as beautiful
A journey
As my back
Touching you under the quilt
Midnight poems
Sing a sweet song
Saying everything
Is all right
Everything
Is
Here for us
I reach out
To catch the laughter
The dog thinks
I need a kiss
Bicycles move
With the flow
Of the earth
Like a cloud
So quiet
In the October sky
Like licking ice cream
From a cone
Like knowing you
Will always
Be there
All day long I wait
For the sunset
The first star
The moon rise
I move
To a midnight
Poem
Called
You
Propping
Against
The dangers
Bicicletas
Poemas da madrugada são bicicletas
Nos levando a caminhos mais seguros
Do que aviões
Mais rápidas
Do que caminhar
Mas nunca um caminho
Tão bonito
Quanto as minhas costas
Te tocando embaixo do edredom
Poemas da madrugada
Cantam uma doce canção
Dizendo que
está tudo bem
Está
Tudo
aqui por nós
Me estico
Para alcançar a risada
O cachorro pensa
Preciso de um beijo
Bicicletas se movem
com a brisa
da Terra
Como uma nuvem
Tão quieta
No céu de outubro
Como lamber um sorvete
No cone
Como saber que você
Estará
Sempre lá
Espero o dia todo
Pelo pôr do sol
Pela primeira estrela
Pela lua
Me movo
Para o poema
Da madrugada
Chamado
Você
Se apoiando
Nos perigos
§
No translations
the smells of a pot roast from the oven
turnips garlic onions
potatoes celery parsnips
tomatillo yucca root
Jack Frost painting
the windows
my cold feet
your warm back
“It started in New Orleans
but now its everywhere . . .” Pure Jazz on your dial
chocolates coffee
a good red wine
18 degrees and falling
high winds
maybe a power loss
giggles laughter
sweatpants jeans
I speak to you
in the language
of love
no translations
necessary
Nenhuma tradução
o cheiro de um assado no forno
nabos alho cebolas
batatas salsão mandioquinha
tomatillo¹ mandioca
quadro do Jack Frost
as janelas
meus pés gelados
em suas costas quentes
“Começou em New Orleans
mas agora está em todo lugar. . .” Pure Jazz no rádio
chocolates café
um bom vinho tinto
18 graus e caindo
ventos fortes
talvez uma queda de energia
risinhos risada
moletom jeans
Converso com você
no idioma
do amor
nenhuma tradução
se faz necessária
§
Mercy
She asked me to kill the spider
Instead, I got the most
peaceful weapons I can find
I take a cup and a napkin.
I catch the spider, put it outside
and allow it to walk away
If I am ever caught in the wrong place
at the wrong place, just being alive
and not bothering anyone,
I hope I am greeted
with the same kind
of mercy.
Misericórdia
Ela me pediu para matar a aranha
Ao invés disso, peguei as armas
mais pacíficas que pude encontrar
Peguei um copo e um guardanapo.
Capturei a aranha, levei-a para fora
deixei que fosse embora
Se eu for pega no lugar errado
no local errado, apenas vivendo
sem incomodar ninguém,
espero ser acolhida
com a mesma
misericórdia.
§
I wrote a good omelette
I wrote a good omelet… and ate
a hot poem… after loving you
Buttoned my car… and drove my
coat home… in the rain…
after loving you
I goed on red… and stopped on
green… floating somewhere in between…
being here and being there…
after loving you
I rolled my bed… turned down
my hair… slightly
confused but… I don’t care…
Laid out my teeth… and gargled my
gown… then I stood
… and laid me down…
To sleep…
after loving you
Escrevi um bom omelete
Escrevi um bom omelete e comi um poema quente…
depois de te amar
Abotoei meu carro… e dirigi meu casaco
para casa… na chuva…
depois de te amar
Segui no vermelho… e parei no verde… flutuando por aí…
aqui e ali…
depois de te amar
Enrolei minha cama… soltei meu cabelo…
um pouco confusa, mas… não me importo…
Vesti meus dentes… fiz um gargarejo na camisola…
então fiquei de pé… e me deitei…
Para dormir…
depois de te amar
§
Danieli Corrêa, tradutora e revisora de textos. Nasci, cresci e me formei no interior, moro agora em São Paulo, cidade que é um caso de amor e ódio (no meu caso, mais amor do que ódio, sempre bom dosar), trabalho regularmente como revisora em uma agência.
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