Bruna Martins

bruna martins

Bruna Martins (2000- ) nasceu em Itamarati de Minas, na Zona da Mata Mineira, e vive em São Paulo. É poeta, escritora, editora e graduanda em Letras Português e Francês pela Universidade de São Paulo. Colabora no Boletim 3×22 (1822 – 1922 – 2022), da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP. Sua produção busca diálogos com outras linguagens, além de refletir sobre o dialeto e a vivência mineiros, sob um corpo feminino, em confronto com a experiência nas grandes cidades. Contato: bruna.xm@usp.br

*

Do alto da Urca, conjuro

Jamais verei um navio sem lembrar.
Da Inocência, foi.

Leva bauxita?
Poeira de enrubescer.
Leva seios?
Das meninas tão gerais.
Leva discursos? Fascistas tropicais?

Pesam trezentos anos
sobre o meu corpo marítimo
ou seriam toneladas
de lama?

Morena,
mas bonita
mas diferente de vocês.

Passo o filtro na face
fico branca à la française
e recordo:

que nunca fui ao Leblon
que essa areia é suja
e a guerra é outra

adentro.

§

Bão mesmo é leite gordo

Sempre aberto o portão de casa,
anfitriã senhora à espera de alguém,
qualquer ôpa palma pó entrá!

Do balanço ela impera seu reino imóvel,
cátedra dos artríticos e artrósicos.
Ouvir: sua arma de guerra.

Somente o leiteiro adentra,
moto-boi sagaz.
Dois litros de leite sobre a mesa,
deixa-os, ensacados, estáticos.

A filha mais velha os ferve e transborda
uma espuma leitosa entre as chamas.
Éros agindo…

Chega a tarde,
o amarelo ocre no chão          outro derrame.
Ajunta o castigo filial,
chora a criança desamparada,
o caos    o sermão    depois         silêncio.

Carencia o falar.

Logo mais, retorna a filha o leite a caneca
o leiteiro em sua nova bezerra que
toma
devagar
sua porção de vida.

§

Meninas tão gerais

Quando tinha quinze anos
Um homem torto que só
Passara à minha esquerda
Me dera um panfleto de Deus
Nuvens se abriram sol ardeu

Depois doeu tive febre tosse cólica
Corre-corre à metrópole
Tomografei-me toda
Pelada na maca estéril

Doutô me deu a foto da pedrinha
Disse um triste “tadinha, mas não dói.
Vamos tirar sua pepita canhota”.

Sorte a minha que ia ficar rica
Vendendo gramas de mim
No mundo do garimpo.

§

Três vezes santo

Do mundo da seda à mata
atlântica, o Povo-em-Pé chora
um salgueiro tropical distante.
Um charco de negro sangue,
o mangue, refaz a casa de outrora.

Ave, peregrino! Jerusalém é disputada
com a Baía de Guanabara sagrada.
Nossa Senhora da Ponte!
De Judeia metralhados os montes.

As chagas doutro rio curastes,
às margens pregastes,
mas estas águas de maio
são rubras de Juno,
coturnos sujos agindo soturnos.

Que milagre salvará o patrono
dessa terra de alvo engano?
Vê a hélice demente girar, escorraçado
por novas guilhotinas do Estado.

Espera a cesta de vime dos trópicos
teus infantis e condenados ossos.
Abençoa-lhes Santa Ágatha que
imortal serás de volta à mata.

Grande salgueiro barlavento,
abrace os filhos do tormento!
Nossa Senhora da Ajuda,
ofertai salix à dor muda!

Todo complexo é reprimido,
logo, faço amplo pedido:
Que louvem em 18 de maio
João Pedro de São Gonçalo.

*

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