
Catarina Lins nasceu em Florianópolis, SC, em 1990. É autora de Músculo (2015), Parvo orifício (2016), O teatro do mundo (2017) e Na capital sul-americana do porco-light (2018). A seleção de poemas, logo abaixo, faz parte do livro Um bom ano para o milho, ainda inédito.
* * *
As possibilidades contrafatuais
a pele,
um tronco –
(uma pessoa que é uma celebridade
apenas no Uruguai)
As partes que se encontram
apenas uma vez
só para depois
se separarem novamente – uma ainda de frente
para a outra –
mas: as partes frias
eram essas as que mais davam
a sensação
de que seria
– impossível –
(agora, quando se deita
de cabeça para baixo
com os lençóis ainda arrumados por cima
da própria cabeça e mesmo depois, quando por baixo
da própria barriga você ainda pudesse
olhar
ou pensar
exatamente sobre aquilo:
em breve você vai
sair e realizar os movimentos de que falei –
(como se esta decisão não fosse
realmente sua), mas –
Uma vassoura
nada mais é do que um pincel muito grande
e um pincel
não mais é do que uma vassoura minúscula, dependendo do pincel, e
Nós
andamos pela terra, antes das 9h,
e olhamos o desenho que isso causa, causou, causava
ou iria ainda
causar:
às vezes
se assemelha a um tatu
outras vezes, a coisas muito menos “altas”
– andamos pela casa e, curiosamente,
dentro das mulheres
havia pedras
(e essa seria
sua razão borgeana para não gostar de espelhos)
apenas andávamos, antes das 9h, e gostaríamos
de que todos os nossos amigos
estivessem lá, e vissem isso, também,
todos impecavelmente
vestidos
foi quando descobriram que a palavra cordeiro
aparece 26 vezes no livro do apocalipse
e 26 vezes você iria dizer
“cordeiro”, durante o almoço,
– passamos a tarde tomando café
no escritório da minúscula editora. Daqui a pouco eu deveria
descer e perguntar aos homens da Arquitetura
o porquê de tudo isso. Mas, para nós, é bastante óbvio:
braveza
é braveza
e uma pintura
é uma vassoura ou um pincel
muito grande assim como
um pincel
é só uma vassoura
minúscula (dependendo do pincel)
Depois,
você mudaria
de assunto porque leu nos livros
que já era a hora
de partir (ou ficar, dependendo
do ponto de vista) e portanto você
com sua real altura
talvez pudesse
dar um pequeno passo atrás
(olhando para dentro do táxi, os olhos de dentro do táxi)
tentando entender como é possível
um movimento como este:
que as frases venham e voltem
a seus donos.
Um bom ano para o milho
caso eu fosse a esposa
de um mafioso, agora,
acariciaria uma taça de vinho
exceto
se após as aulas de meditação avançada
voltássemos para casa e abríssemos pacotinhos
de chips
de milho
<< Sequoia >>
porém: nada daquilo importa.
naquele momento,
o importante seria apenas
“tomar as decisões corretas”
(mesmo se elas nunca parecessem
certas, na hora)
certo:
você imagina
e diz que este é um acordo
sobre o qual devemos
meditar
certo: a hora
em que os convidados chegam
é sempre muito variável –
jogamos as almofadas sobre o tapete,
pedimos mais vinho, salada,
uma bandeja para por tudo em cima e ainda uma banda
para falar das coisas que não entendemos por completo ou fingimos
não entender
(à noite, antes de dormir,
você parece alguém de quem não sei o nome
arrumando os copos e outras coisas frágeis em cima da pia
de modo que tudo se equilibra embora pareça sempre prestes
a cair)
A mesma fonte de luz
Você se tornou um amante de tocqueville por causa dele
quando sentiu, no ar, vindo dos mesmos cabelos,
o cheiro de shampoo de hotel
falando comigo sobre a vida e
sobre as ferramentas usadas
para pesar o ouro – em vila-rica – você
tentava acreditar em B., quando disse, ontem, no quarto de hotel,
que as coisas pareciam ainda mais
“normais” – isso
não no congresso
de historiadores mexicanos,
mas em num livro
que era um romance
e ficava p/ trás, agora –
a gente pode falar de reflexos
e dos parafusos no chão, com os quais
eu deveria ter tomado cuidado
mesmo que a linguagem, nesse caso,
(mas não só nesse)
parecesse assim
imprecisa
e mesmo
que eu já tivesse
colocado os óculos e então pensado
sobre as manchas de sol de manhã – não sobre esta ou aquela
em especial, mas as que sobre
os seus ombros e pernas
crescem
conforme a música
(elas iam de dentro pra fora e depois de fora pra dentro) e ninguém sabia
como tudo iria
se desenrolar – perfeitamente,
como crianças
que ainda não falam a mesma língua, por exemplo, mas sentem, mas
por que você fala tão alto?
e com palavras que eu ainda não conheço?