
Priscilla Campos nasceu no Recife. É jornalista, crítica literária, poeta e doutoranda em Literatura Hispano-Americana pela Universidade de São Paulo (USP), onde pesquisa a obra da autora uruguaia Marosa di Giorgio. Publicou, em poesia, o gesto (nosostros editorial) e, em formato ensaio, Nenhum muro à altura do peito (Edições Macondo).
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(sem título)
Trocar de pele. Pausa. Eu sou o sonho perdido da minha mãe. Trocar de pele. Sentir o incômodo. Trocar de pele.
Acordar e ver.
Alicerce. Rasgar a pele. Sentir o incômodo. Música. Rasgar a pele. Empunhar a faca. Segurar o mistério com as mãos. Rasgar a pele.
Acordar e ver.
Assumir a pele. Segurar a flecha. Empunhar as mãos. Pescar com a precisão e a doçura de Logun. Saber o que tem que saber. Assumir a pele. O que dança dentro de mim é o brilho do mundo. Dar espaço na ponte. Assumir a pele. Encarar o céu. Manejar a água. Desenhar a nossa última fé.
Acordar e ver.
Cair da Torre. Queimar a pele. Postura. Apontar a dor. Dizer: aqui dói. Queimar a pele. Pular. Construir o precipício como quem constrói o quarto de um filho. Queimar a pele. Deixar o fogo arder na minha boca e nos meus ouvidos.
Acordar e ver. Saber que sou eu.
(sem título)
1.
dar espaço aos verbos das mãos
mão segura
mão bate
mão limpa
maneja teus dedos como os espinhos de um ouriço:
firmes no corpo enquanto te protegem e decidem os
caminhos
manobra meus braços para onde apontam as flechas
eu quero cortar o ar
destemida e retilínea
mão pinta
mão escreve
mão delimita
coloca o dorso das tuas mãos em cima dos meus olhos
e assim eu vejo o quanto dói o teu espírito
mão constrói
mão afasta
mão toca
2.
a quadra de esportes brilha no escuro da mata
criamos nosso jogo ritualístico
você está com um prisma
nas mãos
me ensina:
o que importa é a maneira de segurar
antes do lançamento
mão planta
mão benze
3.
lanço o prisma em direção à terra
a forma de carregá-lo organiza
a força de seu voo
giro e te encaro de frente
mão direciona
mão dança
o prenúncio de um encontro
só se conhece depois de arremessar
luz e sombra no céu
abro os meus cotovelos e te recebo
como o pescador que não toca
em nada, mas tudo guia
mão dá carinho