
Marconi Fonseca é poeta, reside em Vitória (ES), formou-se em Direito pela Universidade de Velha- UVV e em Letras/Português pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Foi um dos idealizadores do Sarau Poético “O Quinze” que ocorreu continuamente em Vitória (ES) entre os anos de 2002/2012. Lançou as obras poéticas Marcha dos Fragmentados em 2015, Ratos Retumbantes em 2018 e Assim que a Chuva Escrever o Sol em 2020.
INVENTANDO AVESSOS
avesso do rosto
o avesso do rosto
….desprende-se
do espelho
….enxerga-se
no raso
….do rio
que ainda ri
….apesar de seco
o rosto ao avesso
veste-se
de outro rosto
….reflete-se no chão
de outros passeios
….transita anônimo
pelas mãos vazias
….dos seres alheios
o rosto
….em sua febril inversão
de traços e gestos
….de risos e gulas
salta angelicalmente
….no inferno dos tempos
…………..rasteiros
a avesso do rosto
……..desloca-se
por longos
….espaços estreitos
……por corpos opacos
escassos arpejos
o rosto se confronta
….despe-se da realidade
da pureza inventada
e completamente cru
….sente-se inteiro
no ventre do espelho
que o engole quando afaga
*
avesso da flor
a flor em sombra
….impressa na parede
folha caule
….pétalas impossíveis
……..de se eriçar
….no raso mar
de cimento
que se abre e pra si
….a tudo quer arrastar
rente ao seu avesso
….a flor se ergue
impõem-se
com empáfia
….perfumada
persiste no gesto
……..da travessia
ao redor de si mesma
……..anda e gira
como fogo
…..em campo vasto
como corpo
….em sol que grita
o avesso da flor
….a faz mais forte
valente e viva
….alma que vibra
na aspereza do chão
….sopro que salta
da pele faminta
com fome de bicho
….que come o sertão
a flor enfrenta
….seu avesso
com calma nos olhos
….vigor nas veias
luz na estreiteza
……incerta das mãos
a flor em seu avesso
acende outras flores
……possíveis primaveras
que singelas vingarão
*
avesso do olho
o avesso do olho
..atinge com cores
….inexatas
as paisagens transitórias
.que caladas se arrastam
.o olho ao avesso
de sua mínima
….estrutura
reverte-se em estrelas
….que se erguem prematuras
ao rés do céu
….que as abriga
além do chão
……..que as sepulta
em seu avesso
……..inesperado
o olho cresce
….em fuga
..salta da face
do rio de rugas
….e tenta com a força
……..que a alma lhe destina
encher com correntezas
….as raquíticas ruínas
do amor ausente que explode
nas veredas cruas da retina
….o olho em seu constante
……..estado contrário de ser
mal sabe a que se encaminha
….a que terra a que rosto
a que campo verdejante
………………..ou minado
em seu avesso
………………..bifurcado
o olho ressoa
……..sem receio
….passeia pelo mundo
profundamente acordado
§
CARDUME DE VOZES
seguir as trilhas
….curvas
do sangue
….em estado
de rio
tocar o céu
….da boca
com o chão
..da língua
desdizer
o silêncio
ávido
….e bruto
fazer do mundo
cardume de vozes
….e gestos
e sílabas
….anunciadas
por fim
deixar livre
….o coração
pra ser alma
….ou senão
…………palavra
§
AGONIA DO GIRASSOL
o girassol espreme-se
….entre pedras
e paisagens
……..incolores
….as grandes folhas
se encolhem
….se misturam
ao silêncio
….intermitente
das sementes
….donde nascem
……..todas flores
o girassol sabe
….da dor dos dias
do tempo
….que mastiga
………..as peles
dos seres precários
…..que inundam
…………….o mundo
com facas
……..que falam
com fachos
……..que ferem
….mas a flor é rebelde
……..gira em torno dos medos
arma-se com o coração
….das coisas fortes
enfrenta
com os olhos vivos
o que vivo pulsa
….no olhar da morte
o girassol
….a si mesmo
se socorre
explode-se
….em gotas amarelas
que formarão
…………….singelas
um tipo doce de mar
é quando suas pétalas
como braços
….que se acham
como línguas
……..que se abraçam
…………serão sonho a pulsar
Fazia tempo que eu não era afetado.