Simônides de Ceos, por Guilherme Gontijo Flores

Embora seja quase certo que Simônides tenha nascido na ilha de Ceos, praticamente não temos nos fragmentos nada que indique uma produção poética voltada para a própria pátria. Não à toa, Luísa Nazaré Ferreira, no seu trabalho de 2013, vai estudar exatamente a mobilidade poética antiga a partir de Simônides. Temos indicações de poesias feitas para diversos pontos da Grécia, de Andros e Eubeia até Atenas, Esparta, Tessália e Sicília, muitas vezes por encomendas de tiranos e regentes, como Hierão, Escopas, Anáxilas, Antíoco, etc.

Diante de tanta variedade espacial e de indivíduos, é possível concluir ao menos quatro coisas:
a) Simônides teve grande fama em vida;
b) provavelmente vivia da comissão de seus poemas;
c) escreveu uma variedade enorme de gêneros, tais como epinícios, peãs, trenos, hinos, epigrama, elegia, etc.;
d) ele não parece estar vinculado a nenhuma tradição local específica.

Pela sua intensa produção em torno de 480 a.C., costumamos datar seu nascimento c. 518 a.C. e assim negar as duas datas sugeridas pela Suda (556 ou 532 a.C.)

No plano estilístico, é muito claro que Simônides segue a mesma tradição que de poetas como Estesícoro e Íbico (com o gosto pelo dátilo-epitrito e a construção triádica, do luminoso e dolorido frag. 543, possivelmente coral, mas não obrigatoriamente, ou a construção estrófica complexa, do frag. 542). Seu dialeto também lembra um pouco do de Estesícoro e Íbico, com base dórica e empréstimos homéricos constantes; no entanto vemos o jônico nos epigramas e elegias e, por vezes, o eólico, uma variedade inaudita até então em termos de circulação sobrevivente da poesia grega arcaica.

Curioso notar que, no corpus epigramático e elegíaco atribuído a Simônides, temos um interesse intenso pelas batalhas contra os persas. Último ponto que pode ser interessante é a abertura retórica que aparece na lírica, que por vezes parece já anunciar o mundo sofístico de Atenas (cf. frag. 542).

Digo isso tudo para adiar o que vocês podem saber em instantes, logo abaixo. A poesia atribuída a Simônides de Ceos é das coisas mais fabulosas que podemos carregar na vida. Tenho estes poemas traduzidos e engavetados há praticamente uma década, como gesto do convívio, que agora mostro. Dois dos fragmentos já se tornaram peças musicais: o frag. 543 eu apresentei algumas vezes sozinho, mas nunca foi gravado; já o frag. 521 se tornou repertório da Pecora Loca há muitos anos (gosto deste vídeo, deste dia, a música começa aos 2m25s). A maior parte das traduções abaixo buscam emular os efeitos da métrica grega, para permitir um canto paralelo às melodias perdidas. Esses dois casos de composição musical minha são um esforço, que venho mantendo ao longo dos anos, de sonhar o canto desaparecido do passado como gesto alterado no presente.

Guilherme Gontijo Flores

* * *

frag. 520 Campbell, Estobeu 4.41.9

ἀνθρώπων ὀλίγον μὲν
κάρτος, ἄπρακτοι δὲ μεληδόνες,
αἰῶνι δ’ ἐν παύρωι πόνος ἀμφὶ πόνωι·
ὁ δ’ ἄφυκτος ὁμῶς ἐπικρέμαται θάνατος·
κείνου γὰρ ἴσον λάχον μέρος οἵ τ’ ἀγαθοὶ
ὅστις τε κακός.

Sobre os homens pequena
é a força e fracas as aflições,
duro e duro sempre num breve durar;
implacável, imbatível morte lhe sobrevirá,
pois dela só um quinhão os melhores terão,
terá quem for mau.

§

frag. 521 Campbell, Estobeu 4.51.5

ἄνθρωπος ἐὼν μή ποτε φάσηις ὅ τι γίνεται αὔριον,
μηδ’ ἄνδρα ἰδὼν ὄλβιον ὅσσον χρόνον ἔσσεται·
ὠκεῖα γὰρ οὐδὲ τανυπτερύγου μυίας
οὕτως ἁ μετάστασις.

Não digas jamais, homem que és, como amanhã poderá correr,
nem penses saber quanto há de ser próspero quem o é;
pois nem o bater amplialado da mosca vai
se mudar veloz assim.

Outra gravação disponível aqui.

§

frag. 522, Estobeu Antologia 4.51.5

πάντα γὰρ μίαν ἱκνεῖται δασπλῆτα Χάρυβδιν,
αἱ μεγάλαι τ’ ἀρεταὶ καὶ ὁ πλοῦτος.

Tudo ruma pra uma só horrenda Caríbis
seja uma grande virtude ou riqueza.

§

frag. 524 Campbell

ὁ θάνατος κίχε καὶ τὸν φυγόμακον

mas a morte também segue quem foge ao combate

§

frag. 526, Teófilo de Antióquia A Autólico 2.8

οὔτις ἄνευ θεῶν
ἀρετὰν λάβεν, οὐ πόλις, οὐ βροτός.
θεὸς ὁ πάμμητις· ἀπή-
μαντον †δ’ οὐδέν ἐστιν ἐν αὐτοῖς.†

sem o favor de um deus
nem mortal nem cidade atingiu virtu-
de, mas um deus tem o saber,
sem dor nada é dado aos humanos.

§

frag. 531 Campbell, Diodoro Sículo 11.11.6

τῶν ἐν Θερμοπύλαις θανόντων
εὐκλεὴς μὲν ἁ τύχα, καλὸς δ’ ὁ πότμος,
βωμὸς δ’ ὁ τάφος, πρὸ γόων δὲ μνᾶστις, ὁ δ’ οἶκτος ἔπαινος·
ἐντάφιον δὲ τοιοῦτον οὔτ’ εὐρὼς
οὔθ’ ὁ πανδαμάτωρ ἀμαυρώσει χρόνος.
ἀνδρῶν ἀγαθῶν ὅδε σηκὸς οἰκέταν εὐδοξίαν
Ἑλλάδος εἵλετο· μαρτυρεῖ δὲ καὶ Λεωνίδας,
Σπάρτας βασιλεύς, ἀρετᾶς μέγαν λελοιπὼς
κόσμον ἀέναόν τε κλέος.

Em Termópilas, entre os mortos,
glória tem a sorte; belo é seu destino;
por tumba o altar; por lamento o memento; por prantos o espanto:
essa mortalha nem mesmo bolores,
nem o tempo onivencedor irá destruir.
O templo dos homens valentes elege a honra helênica
como a melhor guardiã; assim nos diz Leônidas,
o rei espartano, ao deixar-nos grande adorno
da virtude e uma glória sem fim.

§

frag. 542, Platão, Protágoras, 339a-346d

ἄνδρ’ ἀγαθὸν μὲν ἀλαθέως γενέσθαι
χαλεπὸν χερσίν τε καὶ ποσὶ καὶ νόωι
τετράγωνον ἄνευ ψόγου τετυγμένον·
[
[ 5
[
[
[
[
[ 10

οὐδέ μοι ἐμμελέως τὸ Πιττάκειον
νέμεται, καίτοι σοφοῦ παρὰ φωτὸς εἰ-
ρημένον· χαλεπὸν φάτ’ ἐσθλὸν ἔμμεναι.
θεὸς ἂν μόνος τοῦτ’ ἔχοι γέρας, ἄνδρα δ’ οὐκ
ἔστι μὴ οὐ κακὸν ἔμμεναι, 15
ὃν ἀμήχανος συμφορὰ καθέληι·
πράξας γὰρ εὖ πᾶς ἀνὴρ ἀγαθός,
κακὸς δ’ εἰ κακῶς [
[ἐπὶ πλεῖστον δὲ καὶ ἄριστοί εἰσιν
[οὓς ἂν οἱ θεοὶ φιλῶσιν.] 20

τοὔνεκεν οὔ ποτ’ ἐγὼ τὸ μὴ γενέσθαι
δυνατὸν διζήμενος κενεὰν ἐς ἄ-
πρακτον ἐλπίδα μοῖραν αἰῶνος βαλέω,
πανάμωμον ἄνθρωπον, εὐρυεδέος ὅσοι
καρπὸν αἰνύμεθα χθονός· 25
ἐπὶ δ’ ὑμὶν εὑρὼν ἀπαγγελέω.
πάντας δ’ ἐπαίνημι καὶ φιλέω,
ἑκὼν ὅστις ἔρδηι
μηδὲν αἰσχρόν· ἀνάγκαι
δ’ οὐδὲ θεοὶ μάχονται. 30

[
[
[οὐκ εἰμὶ φιλόψογος, ἐπεὶ ἔμοιγε ἐξαρκεῖ
ὃς ἂν μὴ κακὸς ἦι] μηδ’ ἄγαν ἀπάλαμνος εἰ-
δώς γ’ ὀνησίπολιν δίκαν, 5
ὑγιὴς ἀνήρ· οὐ †μὴν† ἐγὼ
μωμήσομαι· τῶν γὰρ ἠλιθίων
ἀπείρων γενέθλα.
πάντα τοι καλά, τοῖσίν
τ’ αἰσχρὰ μὴ μέμεικται. 35

pois é difícil que um homem seja nobre
de verdade, em mãos e pés e no espírito,
por inteiro quadrado, sine macula

[
[ 5
[
[
[
[
[ 10

Pítaco pouco me importa quando afirma
tal sentença, mesmo quando esse homem tão
sábio diz que “difícil é só tornar-se bom”.
Só um deus terá honras tais, e jamais se vê
ser humano sem ser um mal, 15
se arrastado cai no imbatível grilhão do azar:
bons todos são quando há sorte na ação,
e maus entre males,
[são amiúde melhores
[quem os deuses amam.] 20

Digo por isso que não irei jamais
esbanjar meu viço numa esperança vã
ou vazia à procura do que não pode ser,
um humano sem mancha que colha por entre nós
cada fruto do largo chão: 25
se encontrar algum, juro, lhes contarei.
Eu louvo mais e amo aquele que não
sentiu nunca pejo:
nem os deuses combatem
contra o necessário. 30

[
[
[não adoro manchar e sei que bastará
que não seja mau] nem um débil deveras, mas
saiba ver a justiça nas políticas 35
esse homem são; não pretendo jamais
zombá-lo, pois sei que a raça maior
dos tolos é infinda.
Tudo é belo se em parte
nunca toca o torpe. 40

§

frag. 543 Campbell, Dionísio de Halicarnasso, Da composição literária, 26

ὅτε λάρνακι
ἐν δαιδαλέαι
ἄνεμός τε †μην† πνέων
κινηθεῖσά τε λίμνα δείματι
ἔρειπεν, οὐκ ἀδιάντοισι παρειαῖς 5
ἀμφί τε Περσέι βάλλε φίλαν χέρα
εἶπέν τ’· ὦ τέκος οἷον ἔχω πόνον·

σὺ δ’ ἀωτεῖς, γαλαθηνῶι
δ’ ἤθεϊ κνοώσσεις
ἐν ἀτερπέι δούρατι χαλκεογόμφωι 10
<τῶι>δε νυκτιλαμπεῖ,
κυανέωι δνόφωι ταθείς·
ἄχναν δ’ ὕπερθε τεᾶν κομᾶν
βαθεῖαν παριόντος
κύματος οὐκ ἀλέγεις, οὐδ’ ἀνέμου 15
φθόγγον, πορφυρέαι
κείμενος ἐν χλανίδι, πρόσωπον καλόν.
εἰ δέ τοι δεινὸν τό γε δεινὸν ἦν,
καί κεν ἐμῶν ῥημάτων
λεπτὸν ὑπεῖχες οὖας. 20

κέλομαι δ’, εὗδε βρέφος,
εὑδέτω δὲ πόντος, εὑδέτω δ’ ἄμετρον κακόν·
μεταβουλία δέ τις φανείη,
Ζεῦ πάτερ, ἐκ σέο·
ὅττι δὲ θαρσαλέον ἔπος εὔχομαι 25
ἢ νόσφι δίκας,
σύγγνωθί μοι.


quando em seu baú
dedálico enfim
assopraram vendavais,
quando as águas em turbilhão terror
lançaram nela e sem ter secas as faces 5
pôs sua mão acolhendo Perseu assim
disse: “Filho, que dor desabou em mim!

Mas você dorme e com jeito
lactente pousa
neste mísero lenho de bronzicavilhas, 10
noctiluzente,
que se estendeu em ciano-breu;
nem mesmo atenta ao ror do céu
que tão denso por ondas
desce aos cabelos, nem mesmo a uma voz 15
entre ventos, mas só
deita-se em púrpuras lãs com tão linda tez.
Pois se tal horror lhe causar horror
pelo que enfim vou dizer,
tampe esse tenro ouvido. 20

E direi: durma, bebê,
durma todo o mar e durma tanto mal mais sem fim!
Que a mudança agora brilhe inteira
vinda do pai, ó Zeus!
Se uma palavra insolente falei aqui 25
se ao justo fugi,
perdão me dê.”

Outras traduções disponíveis aqui.

§

frag. 567, Tzetzes, Quilíadas 1.312

τοῦ καὶ ἀπειρέσιοι
πωτῶντ’ ὄρνιθες ὑπὲρ κεφαλᾶς,
ἀνὰ δ’ ἰχθύες ὀρθοὶ
κυανέου ‘ξ ὕδατος ἅλ-
λοντο καλᾶι σὺν ἀοιδᾶι.

vejam que pássaros sem
fim já pousavam na testa de Orfeu
e saltavam os peixes
dentre a ciana água do mar
pela beleza do canto

§

frag. 579, Clemente de Alexandria, Miscelâneas, 4.7.48

ἐστί τις λόγος
τὰν Ἀρετὰν ναίειν δυσαμβάτοισ’ ἐπὶ πέτραις,
†νῦν δέ μιν θοαν† χῶρον ἁγνὸν ἀμφέπειν·
οὐδὲ πάντων βλεφάροισι θνατῶν
ἔσοπτος, ὧι μὴ δακέθυμος ἱδρὼς
ἔνδοθεν μόληι,
ἵκηι τ’ ἐς ἄκρον ἀνδρείας.

Reza a lenda que
nossa Virtude mora em rochas inacessíveis,
junto aos deuses, pois rege aquele santo chão,
sem ceder sua visão aos olhos
de algum mortal, só pra quem sofre dentro
seu suor mordaz
e sobe aos cimos do valor.

§

frag. 582 Campbell

ἔστι καὶ σῖιγᾶς ἀκίνδυνον γέρας

o silêncio é prêmio certo sem perigo

§

frag. 584 Campbell, Ateneu, 12.512c

τίς γὰρ ἁδονᾶς ἄτερ θνα-
τῶν βίος ποθεινὸς ἢ ποί-
α τυραννίς;
τᾶσδ’ ἄτερ οὐδὲ θεῶν ζηλωτὸς αἰών.

mas sem o prazer, que vida hu-
mana encontra a graça, qual po-
der tirano?
Sem o prazer, ninguém inveja os deuses.

§

Elegia 9 Campbell

     ἓν δὲ τὸ κάλλιστον Χῖος ἔειπεν ἀνήρ·
“οἵη περ φύλλων γενεή, τοίη δὲ καὶ ἀνδρῶν”·
    παῦροί μιν θνητῶν οὔασι δεξάμενοι
στέρνοις ἐγκατέθεντο· πάρεστι γὰρ ἐλπὶς ἑκάστωι
    ἀνδρῶν, ἥ τε νέων στήθεσιν ἐμφύεται.
θνητῶν δ’ ὄφρά τις ἄνθος ἔχηι πολυήρατον ἥβης,
    κοῦφον ἔχων θυμὸν πόλλ’ ἀτέλεστα νοεῖ·
οὔτε γὰρ ἐλπίδ’ ἔχει γηρασέμεν οὔτε θανεῖσθαι,
    οὐδ’, ὑγιὴς ὅταν ἦι, φροντίδ’ ἔχει καμάτου.
νήπιοι, οἷς ταύτηι κεῖται νόος, οὐδὲ ἴσασιν
    ὡς χρόνος ἔσθ’ ἥβης καὶ βιότου ὀλίγος
θνητοῖς. ἀλλὰ σὺ ταῦτα μαθὼν βιότου ποτὶ τέρμα
    ψυχῆι τῶν ἀγαθῶν τλῆθι χαριζόμενος.

o homem de Quios falou este primevo primor:
“Como a raça das folhas é também a dos homens”;
pena que poucos mortais tenham ouvido a lição
para guardá-la no peito; todos mantêm a esperança:
jovens a sentem crescer dentro do seus corações.
Quando um mortal ainda tem as flores do viço,
vai leviano pensar, “nada que tenho tem fim”;
porque nunca espera ver a velhice ou a morte,
quando se sente bem, nem imagina um torpor.
Tolo será quem pensa assim, porque nem desconfia
que esta vida e vigor têm uma breve estação
para os mortais. Escuta, que estás no fim desta vida:
sempre saber tolerar, sempre se dar um prazer.

§

Epigrama 18 Campbell, Antologia Palatina, 7.257

παῖδες Ἀθηναίων Περσῶν στρατὸν ἐξολέσαντες
ἤρκεσαν ἀργαλέην πατρίδι δουλοσύνην.

Filhos de Atenas destruíram o exército persa
para da pátria afastar toda cruel servidão.

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s