“Variações bélicas”— seis poemas de Amelia Rosselli, por Valentina Cantori

Amelia Rosselli (1930-1996) foi poeta, prosadora e tradutora de origem ítalo-inglesa, e uma das maiores vozes da poesia italiana do século XX. Nasceu em Paris, em condição de exílio: seu pai, Carlo Rosselli,  junto da mãe Marion Cave, havia se refugiado na França para escapar da perseguição fascista; ele e seu irmão Nello eram figuras importantes para o antifascismo, e foram assassinados, em 1937, pelas milícias francesas, a mando da polícia italiana.

A infância e a juventude de Amelia Rosselli foram caracterizadas por multilinguismo — italiano, inglês e francês eram as línguas da comunicação corriqueira — e vários deslocamentos: morou na Suíça, nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde estudou etnomusicologia, teoria musical e composição, conhecimento que reverberaria profundamente em sua escrita.

Depois de estudar na Inglaterra, mudou-se para Florença e mais tarde para Roma, onde começou a se dedicar à tradução e aos estudos literários; Rosselli escreveu seus primeiros textos nas três línguas de formação, para depois escolher a paterna para a sua escrita. Em 1963, a revista «Menabò» publicou vinte e quatro de seus poemas com uma Notizia de Pier Paolo Pasolini, que foi o primeiro a reconhecer sua habilidade poética, ajudando-a também a publicar Variazioni belliche (1964). A esse livro seguiram-se outros, entre os quais Serie ospedaliera (1969), Documento (1976), Impromptu (1981) e La libellula (o poema foi composto em 1958, sendo publicado alguns anos mais tarde pela revista «Nuovi Argomenti»; sairia  como livro apenas em 1985).

Rosselli se destacou como tradutora, vertendo para o italiano poemas de Emily Dickinson e Sylvia Plath; foi no mesmo dia da morte de Plath que se suicidou, trinta e três anos mais tarde, jogando-se da janela de seu apartamento. 

Exílio, morte, fuga e desenraizamento permeiam a poesia de Amelia Rosselli, que, ao longo dos anos, sofreu crises e distúrbios psíquicos, e foi internada em sanatório. Desejo de vida é também o que caracteriza seus escritos: tomando distância de certa racionalidade estéril e doentia, Rosselli repensa o mundo a partir da linguagem, constantemente testada em seus limites e possibilidades, que se expande e contrai na medida de sua percepção.

Em suas composições, muitas são as referências aos mestres da literatura: de Shakespeare a Montale, de Rimbaud a Cavalcanti, a poeta não recusa a tradição mas a integra, inovando-a a partir da própria experiência poética; com o verso Perché non spero tornare giammai nella città delle bellezze, Rosselli retoma a famosa balada composta por Guido Cavalcanti longe de Florença (Perchino spero di tornar giammai), refletindo sobre a própria condição de exílio. 

Os poemas apresentados aqui pertencem ao libro Variazioni belliche [Variações bélicas], publicado em 1964.

Valentina Cantori

* * *

Per la tua pelle olivastra per la tua mascella cadente
per le tue virginee denta per il tuo pelo bruno per il
tuo amore impossibile per il tuo sangue olivastro e la
mascella inferiore cadente per l’amministrazione dei beni
che non consiglia altre armonie, per l’amore e per il mistero
per la tua voracità e per la mia per il tuo sondare impossibile
abissi — per la mia mania di grandezza per il tuo irrobustire
per la mia debolezza per il tuo cadere e risollevarti
sempre si chiamerà chimera il breve viaggio fatto alle
stelle.

Pela tua pele olivácea pela tua maxila cadente
pelas tuas virgíneas dentas pela tua penugem bruna pelo
teu amor impossível pelo teu sangue oliváceo e a
maxila inferior cadente pela administração dos bens
que não aconselha outra harmonia, pelo amor e pelo mistério
pela tua voracidade e pela minha por teu sondar impossível
abismos — pela minha mania de grandeza pelo teu fortalecer
pela minha fraqueza pelo teu cair e levantar-te
sempre se quererá quimera a curta viagem feita às
estrelas.

§

Se la colpa è degli uomini allora che Iddio venga
a chiamarmi fuori dalle sue mura di grossolana cinta
verdastra come l’alfabeto che non trovo. Se il muro
è una triste storia di congiunzioni fallite, allora
ch’io insegua le lepri digiune della mia tirannia
e sappia digiunare finché non è venuta la gran gloria.
Se l’inferno è una cosa vorace io temo allora essere
fra di quelli che portano le fiamme in bocca e non
si nutrono d’aria! Ma il vento veloce che spazia
al di là dei confini sa coronare i miei sogni anche
di albe felici.

Se a culpa é dos homens então que Deus venha
a chamar-me fora de seus muros de rústica cerca
esverdeada como o alfabeto que não acho. Se o muro
é uma triste história de conjunções falidas, então
que eu persiga as lebres em jejum da minha tirania
e saiba jejuar até que venha a grande glória.
Se o inferno é uma coisa voraz eu temo então estar
entre aqueles que carregam as chamas na boca e de ar
não se nutrem! Mas o vento veloz que se expande
além dos confins sabe coroar os meus sonhos também
de auroras felizes.

§

Perché non spero tornare giammai nella città delle bellezze
eccomi di ritorno in me stessa. Perché non spero mai ritrovare
me stessa, eccomi di ritorno fra le mura. Le mura pesanti
e ignare rinchiudono il prigioniero.

Porque espero jamais voltar para a cidade das belezas
eis-me de volta a mim mesma. Porque espero jamais reencontrar
a mim mesma, eis-me de volta entre os muros. Muros pesados
que ignoram e encerram o prisioneiro.

§

la mia fresca urina spargo
tuoi piedi e il sole danza! danza! danza! — fuori
la finestra mai vorrà
chiudersi per chi non ha il ventre piatto. Sorridente l’analisi
si congiungerà – ma io danzo! danzo! – incolume perché
’l sole danza, perché vita è muliebre sulle piantagioni
incolte se lo sai. Un ebete ebano si muoveva molto
cupido nella sua
fermezza: giro! giro! come tre grazie attorno al suo punto
d’oblio!

a minha fresca urina espalho
teus pés e o sol dança! dança! dança! — lá fora
a janela não vai mais querer
fechar-se para quem não tem o ventre liso. Sorridente a análise
se juntará — mas eu danço! danço! — incólume porque
o sol dança, porque vida é mulíebre nas plantações
incultas se o sabes. Um débil ébano se movia muito
cobiçoso em sua
firmeza: giro! giro! como três graças em torno de seu ponto
de oblívio!

§

Perché iddio (io) mi perdonasse era necessario
ch’io mangiassi. Nel mondo psicologico delle mie
idee, cadeva l’ultima stella. Nel mondo psicologico
delle mie idee, era innata l’idea di dio. Nel mondo
psicologico della mia infanzia, cadeva l’ultimo
dio. Nel mondo inglese della mia infanzia, cadeva
la monade. La monade sorvegliava riccamente
il mondo.

Para que deus (eu) me perdoasse era necessário
que eu comesse. No mundo psicológico das minhas
ideias, caía a última estrela. No mundo psicológico
das minhas ideias, era inata a ideia de deus. No mundo
psicológico da minha infância, caía o último
deus. No mundo inglês da minha infância, caía
a mônada. A mônada perscrutava ricamente
o mundo.

§

o mio fiato che corri lungo le sponde
dove l’infinito mare congiunge braccio di terra
a concava marina, guarda la triste penisola
anelare: guarda il moto del cuore
farsi tufo, e le pietre spuntate
sfinirsi
al flutto.

ó meu fôlego que corres pelas beiras
onde o infinito mar conjuga braço de terra
a côncava marinha, olha a triste península
anelar: olha o coração que oscila
fazer-se tufo, e as pedras despontadas
findarem-se
no fluxo.

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