
Apresentação
Dois amados e uma amada, boa noite!
Vamos compor uma dramaturgia teórico-quixotesca sobre tradução, teatro, narração, política, poesia!!??
Neste link segue uma proposta de início, mas é tudo cambiável, modificável, possibilitante. Botei no drive pq gera a possibilidade de escrevermos ao mesmo tempo e vermos essa troca ao vivo entre vivos.
Acho que a ideia de compormos juntos pode gerar um lindo fruto. Além de ser uma forma lancinante de lermo-nos, escutarmo-nos, con-versarmos!!
Para Lígia, a quem envio o texto mais de supetão, espero q seja um grande incentivo a seu doutorado sobre o narrador-tradutor! Ou melhor, A Narradora-Tradutora.
Beijos a tod@s!!
Daniel
Dialogantes tradutórios:
Lígia Borges: Dançou afroxé com Mestre Moa do Katendê, assassinado pela brutalidade que tem sido estimulada. Doutoranda no programa de Artes Cênicas pela ECA-USP, com o projeto “Veredas de Tradução e Profanação do Narrador”. No mesmo programa concluiu mestrado com a dissertação “Tecendo o Sopro do Narrador”. É professora de teatro na EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística), referência no ensino de artes integradas para crianças. Coordenou o ateliê “Era uma Vez” no Instituto Eurofarma. Realiza também o ofício de contadora de histórias em SESCs, escolas, bibliotecas, livrarias e ONGs, trabalhando inclusive com formação de educadores nessa linguagem. Participou do desenvolvimento do Projeto História Viva das editoras Ática e Scipione. Foi encenadora e atriz do Núcleo Panóptico de Teatro, além de já ter trabalhado com o Teatro Dodecafônico, Ausgang e Cia. O Grito. Como arte-educadora já ministrou oficinas em diversos projetos, com um enfoque metodológico no jogo teatral. Como atriz participou de diversos espetáculos e oficinas em regiões diversas do Brasil, na América do Sul e Itália. Seu foco de pesquisa está voltado principalmente para as narrativas e a improvisação cênica. Mãe de Cassiano, 39 anos.
Charles Wrapner: Ator, dramaturgo, fazedor de teatro, iniciou a carreira aos oito anos de idade como membro de um grupo teatral infantil que viajava por toda Cuba. O grupo coletava histórias de diferentes comunidades, tomando-as como ponto de partida para criar e realizar peças dedicadas ao povo. Durante seus anos de formação, ele escreveu e encenou diversas peças, sempre participando como ator, seja em “Cegos”, de Maurice Maeterlink, “As três irmãs”, de Anton Tchékhov ou ainda “Traços de meus olhos” e “O dia amargo de Dona Josefa”, escritas por ele mesmo. Seguindo a sua pesquisa na pequena vila de cana de açúcar El Yabú, Charles escreveu os textos cênicos “La Guarandinga” e “You, I, Sex”, que foram apresentadas para milhares de espectadores. Curiosamente, o serviço público de transporte, há muito tempo interrompido, começou a funcionar mais uma vez em reação ao impacto público da peça. Na Universidade de Artes de Havana, onde ele atualmente conclui seus estudos de dramaturgia, Charles fundou a companhia de teatro La Quinta Rueda, que excursionou por toda Cuba com suas peças “Emily”, “A noite do assassino” e “Dança da morte”.
Daniel Glaydson Ribeiro: Professor de Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e de Pluralismo Cultural no Instituto de Estudos e Pesquisas do Vale do Acaraú. Ingressou no teatro em 2003 com a Cia. de Teatro Palavrão e o “Contemporaneirismos”. Em 2006, na Engenharia Cênica, compôs a música do espetáculo “Irremediável”, que recebeu o Prêmio Myrian Muniz de Teatro, da Funarte. Em São Paulo, participou do grupo Ausgang com os espetáculos “Rapsódia Muda”, “Samba de Brecht”, entre outros, e co-editou o livro “Almanach Muda”, onde publica o ensaio-poema “Poesia Muda: Butes Ostranênio”. Mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana pela Universidade de São Paulo e Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP), com tese que apresenta material inédito da Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima. Traduziu Vicente Huidobro, Jüri Talvet e, em parceria com Fábio Roberto Lucas, inventa alexandrinos para Paul Valéry. Pai de Anita e Tarsila, 33 anos.
Fábio Roberto Lucas: Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (2018). Possui graduação em Filosofia pela mesma instituição (2010) e em Letras pela Universidade São Judas Tadeu (2003). Fez doutorado sanduíche em 2017 pela Université Paris Ouest Nanterre e desenvolve pesquisas nas áreas de teoria literária e poesia moderna e contemporânea. Publicou traduções de Mladen Dolar (Revista Literatura e Sociedade números 18 e 19) e, no momento, trabalha a tradução de alguns poemas do jovem e do velho Valéry junto com Daniel Glaydson Ribeiro, bem como alguns poemas em prosa, a seção Poïétique dos Cahiers e os Principes de An-archie pure e apliquée, junto com Roberto Zular. Também integra o coletivo CAPSartes, do bairro do Grajaú em São Paulo, como mediador de ateliês de escrita e de debates sobre filosofia e música.
Aqui é possível baixar o pdf:
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TRA-DU: Trato entre sóis
Per-sonagens
Autrui
Lígia Borges
Charles Wrapner
Fábio Roberto Lucas
Daniel Glaydson Ribeiro
JACOB
Uma mistura subtil de crença, de sabedoria e de imaginação constrói diante dos nossos olhos a imagem constantemente modificada do possível.
CORO DE VOZES
constantemente modificada do possível constantemente modificada do possível constantemente modificada do possível constantemente modificada do possível
DANIEL
A tradução seja, antes de tudo, a forma abissal da leitura, e logo, da escuta. Forma abissal, mas nunca suprema ou soberana. Curvar-se sobre um ponto, voltar a nuca para o som, como a própria figura da interrogação ―?―, ou pendurar-se neste ponto, voltar a nuca sob o som ―¿―. Empoçar-se e empossar-se. Tomar posse apenas ao mergulhar no poço, posse no sentido de que pertenço ao poço.
LÍGIA
Posso dar uma pausa para escutar o eco no poço?
(jogos possíveis com eco, entre-línguas, anunciando palavras chaves)
DANIEL
No Início era a Tradução. Im Anfang war die Übersetzung, poderia ter escrito João ―em grego, ΕΝ ΑΡΧΗ ἦν ἡ μετάφρασις, απόδοση, metafrase, apódose― ou Fausto. Na Infância era a Transcriação?
Colocar-se sobre o texto [Über-setzung] ―ou sob a voz―, mas apenas na condição de logo levantar-se; montar o Λόγος, cavalgar em terras estranhas até chegar, apear-se, sentir como pisa neste solo, ou como nada neste poço, o outro. Dis-sedeo, dessentar-se, dessedentar-se, dissidir, decidir. Não por acaso, o teXto carrega em seu interior, em seu meio, um quiasma.
CHARLES
Es interesante el sentido de preámbulo, de umbral que puede ser la traducción. Sin embargo creo que cuando ese jinete desmonta en el umbral tiene un objetivo. El objetivo mismo de la traducción misma… es el sentido de traición. En alguna raíz de la palabra en alguna vieja lengua traducción significa traición. Un destino terrible que contrasta con los deseos del traductor. El traductor quiere ser fiel, está enamorado de la fidelidad, pero la palabra, la fuerza que impulsa el hecho lo obliga a ser un traidor. Traidor es un vocablo de carácter moral muy fuerte, pero tendría entonces que mirarse el sentido y el espíritu de esa traición y podría comprenderse de outro modo. El valor de ser un traidor al estilo de un traductor hace entender por qué es válida esa noble traición. Un hecho que el traductor hace con pena muchas veces, sí, con pena de no poder llevar al otro lenguaje lo que siente que significa la cosa, por faltarle elementos para traducir las esencias siempre intraducibles. Después de todo no existe manera de traicionar la esencia, sí la obra, sí el lenguaje, sí el movimiento, pero no la escencia.
AUTRUI
Im Anfang war die Tat…
FÁBIO
Foi o que ele disse? Depois de alguma hesitação, é verdade, as possibilidades eram tantas, das Wort, der Sinn, die Kraft! Esqueceram a rima? Ele não, nem nossa tradutora. Verbo e exacerbo – esclarecido e Sentido – direção e Ação… Mas poderia ser gesto, força, palavra, que rimas ressoam por aí? Não sei se as maiúsculas são necessárias, lá eles capitulam por lei todos os substantivos, ali não precisa. Esse quiasma… Seria ele uma quebra, uma queda, talvez como a do inacabado Fausto valeriano, depois de namorar mas recusar a soberania e a solidão do cume mais alto do velho mundo. Ele é empurrado e cai…
AUTRUI
…Âme ivre de néant sur les rives du rien…
FÁBIO
É o que lhe diz a fada que o toca, Fausto ainda inconsciente, atordoado pelo tombo. Quer-o in-finito, impossível tradução da fímbria assonante de néant e rien, o nada substantivo que desliza e rima em direção ao vazio pronominal, ao palco – onde o verso se divisa, ressoa como aposto, habita o que foi enunciado pelo ser mítico, qualifica a vida passada de Fausto, mas também reverbera como vocativo e lhe endereça a própria enunciação em ato. Um chamado que dobra o passado sobre o presente, e tenta inscrever o herói decaído nas amarras míticas de um beijo. Contudo, de algum modo, ele saberá, ao longo de um intermezzo, reverter o jogo, desdobrar os tempos, uma nova quebra, este outro ponto surdo.
AUTRUI
“Tua primeira palavra foi não. E ela será a última”. No começo era o ato? A tradução desata. Rima com o quiasma?
DANIEL
Alma embriagada de Neantho sobre os rios do pranto!
Em teus lábios, sono áureo onde sombria boca
Baila (e melhor se cala ao todo azul da larva),
Sentes, tal astro vil e indiferente, a mosca
Transparente a rodar a mais pura palavra
Cantara o jovem Paul Valéry (conforme nossa tradução) ao final do século XIX, muito antes de devotar-se ao silêncio poético em que se engendrou por décadas A Jovem Parca.
AUTRUI
Nos versos or-iginais do soneto alexandrino Ballet, se escuta:
Sur tes lèvres, sommeil d’or où l’ombreuse bouche
Bâille (pour mieux se taire à tout le bête azur),
Sens-tu, tel un vil astre indifférent, la mouche
Transparente tourner autour du mot très pur
DANIEL
Na língua portuguesa, azul não rima com puro. O azul deste animal ou fera (bête azur) remeteu-me à infância do inseto, sua forma larval, que por sua vez rima quiasmaticamente com palavra, larva, algo curiosamente próximo à homonímia francesa do verme e do verso, vers, vers. Vermsos. Esta caça do transporte ou do cavalgamento sonoro interlingual, em acentos, cesuras, rimas, aliterações e assonâncias, descortina algo para além do arbítrio. É com o ocaso dos Casos, aqueles que determinam o repetitivo final das palavras em latim, demarcando sua sintaxe, que a rima desponta na poesia (como memória e luto dessa casuística?).
A rima só será uma máquina de criar impropérios, como quer Daniel Jankolovitch, quando toda a linguagem for tal máquina. É fato que forças (anti)políticas e midiáticas, mais nojentas que qualquer mosca, tem sugado da linguagem todo o seu pertencimento, tornando-a um impropério exemplar. O impropério dos impropérios. Falamos ainda? O que o Kapital representativo deseja é que sejamos falados.
LÍGIA
Falamos, vomitamos, falambulante temerosos do silêncio.
Falofalafalha súbito engasgo
Teu nariz traduz minha gagueira?
Clamo tua nuanuca, seus pelos ouriçados são oceanos para dança do meu sopro
Quiçá traduzirão o desbaratar dos gestos
FÁBIO
No começo era a tradução. Foi assim que começamos. Mas esse começar é presente ou passado?
AUTRUI
Valéry, percebendo o problema, varia tempo e começo… Au commencement était la fable, au commencement est le mépris, au commencement sera le sommeil…
FÁBIO
Seja fábula, desprezo ou sono, sempre um desequilíbrio, uma inevitável traição, quase quasi presença, limiar poesia-ferocidade, vermsos. Começo e eterno retorno. Inessencial queda anacidental da essência. A palavra sempre outrora, alhures, reenvia e vem e vai junto à e para além da bocorelha que abrem, da mãolho que deslizam. Se no começo (s)é(ra) a tradução, então o começo mesmo é fábula, sempre-já natureza-invenção, hesitação som e sentido, voz e pensamento, ser e ficção. E falar um verbo inconjugável na primeira pessoa do agora indicativo, exceto quando o coletivo se empoça e se interroga: falamos? (e o tempo se divisa novamente em presente-passado) falo fábula do Kapital. Já o falar se fala sendo fal(h)ado. A questão estaria no K que deixamos fal(h)ar e com quem fal(h)amos.
LÍGIA
Driblo teu Kapital, teu Valéry e outras nobres falas falos desconhecidos para avistar genealogias copulares anteriores à tradução e à fábula. Te convido a deslizares além para a escuta de um útero traduzido como kabaça, com qual das línguas traduzirás meu gemido?
CHARLES
La traducción es un ejercicio inevitable, casi un reflejo. Una persona puede desconocer por completo un idioma, tener el suyo propio, su lengua natal, el idioma que aprendió de sus padres, familia y amigos. Incluso esa persona puede conocer ese idioma sólo parcialmente, sólo conocer lo que aprendió en la vida, porque nunca ha estudiado ese idioma en una clase o en una escuela. Entonces, cuando una persona con esos conocimientos sencillos de la lengua se posiciona frente a un idioma desconocido, su reflejo es un intento de traducir la palabra al idioma que conoce. Siempre el primer impulso es buscar la semejanza de esa palabra desconocida con alguna palabra del idioma que ha hablado y escrito siempre, su idioma. Comienza así un proceso mágico de traiciones donde se sueñan e imaginan equivalentes para esas palabras y sonidos. Este proceso puede ser totalmente improductivo o no. Puede ser angustioso o no. Sin embargo ese tanteo, tan parecido al del ciego con su báculo por un espacio extraño, puede resultar en un conocer el idioma a profundidad, en crear una forma de comunicarse con ese idioma, en establecer un puente entre las dos lenguas. Ese puente puede ser más o menos hábil, efectivo, provechoso, comprensible para unos e incomprensible para otros, pero siempre es un ejercicio donde se tantea, se explora en la escencia de dos idiomas. Ese reflejo primero de encontrar un equivalente es el mismo que hace el traductor sabio, entendido en más de un idioma para encontrar la escencia de la frase y llevarla a otras palabras. Pero el traductor necesita habilidad, necesita ingenio, necesita sensibilidad. Las palabras llevan el espíritu de un discurso y es eso lo que debe trasmitir el traductor a un tercero que lee. Pudiera pensarse como tomar agua de una fuente usando las manos e intentar que llegue a la boca de un enfermo la mayor cantidad posible de esa agua. Luchar porque el agua conserve sus propiedades. Es inevitable que eso ocurra, nunca llegará la misma cantidad de agua, siempre algo se nos escapa de entre las manos. Aún así algo de esa agua puede llegar y aliviar al convaleciente. Aliviar una necesidad es el objetivo. Así mismo el mensaje puede llegar y ser comprendido por el lector. Objetivo principal, primero, básico.
Sin embargo hay detalles que son importantes. Detalles que otorgan espíritu a la traducción y a sus efectos. Como mismo el amor con que se lleve a cabo la acción de darle agua al enfermo influirá en el estado del paciente. Y la habilidad y el espíritu del individuo al transportar el agua desde su fuente original hasta los labios del convaleciente influyen en saciar el mal. De ese mismo modo incide la sensibilidad del traductor para llevar el mensaje de un lado a otro. Es algo que tiene que ver con la delicadeza del traidor al completar su terrible crimen de la manera más noble. El traductor como el cirujano, no tiene otra opción que cortar el cuerpo, rasgar la palabra. En el rasgado mirará con dedicación, encontrará el punto exacto, buscará entre sus herramientas y empleará la adecuada, luego suturará intentando dejar pocas huellas. Así mismo redactará el traductor sus textos intentando que no haya marcas. Ninguna huella sucia que delate su traición.
Es curiosa para mí esta metáfora porque refleja la noble acción del traductor. La fuente es esa obra que ha sido creada en su idioma, que nace con esa estructura. El traductor es el vehículo, la noble persona que comete su noble acción. Y el lector es de algún modo convaleciente por no poder llegar al agua, por no poder comprender las palabras del texto. Pero siempre en la vida hay fuentes de agua más pura, hay personas más nobles que otras para cuidar enfermos y hay cuerpos que asimilan mejor algunas aguas que otras. Sin embargo, ninguna de estas situaciones puede evaluar la nobleza del traductor. A veces la traducción hace brillar la pieza, porque el traductor se enamora de la idea de la obra y la devuelve en lenguaje hermoso. Su traición puede ser castigada o exaltada. Siempre es cuestión del equilibrio.
Recordemos el cuento de Jorge Luis Borges cuando cuenta en su Autobiografía, dictada en inglés en Nueva York y de la cual he leído una traducción al español revisada por el propio poeta, donde cuenta que leyó en su adolescencia por primera vez El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha, la novela de Miguel de Cervantes, en una traducción al inglés que conservaban sus mayores en la casa. Años después cuando leyó la novela en español, le parecía una traducción espantosa, horrible y criticó con fuerza al traductor de aquella obra maestra escrita en inglés. Hay una metáfora interesante en este error. Una metáfora que habla, tal vez en escencia, de la habilidad y la sensibilidad del traductor para volvernos a contar el cuento.
Y me adentro entonces en un punto interesante. A vuelo de pájaro demos un salto a la antigüedad y sus textos. Acaso no son traducciones esos textos que hemos leído de los grandes poetas. Cuántas veces y cuántos hombres contaron la Odisea o la Ilíada, no sabemos. Sin embargo de todas aquellas historias orales hemos recibido traducciones de un lenguaje a otro. El hecho de poner la leyenda contada de boca en boca sobre una superficie (piedra o papiro) en símbolos con equivalencias sonoras, es una traducción. Ahí perdimos mucho de la oralidad y los gestos, las artes escénicas de los narradores. Fue tomada el agua con las manos y una parte se perdió en el tránsito hasta nuestras bocas. Así fue aliviada un poco de nuestra sed, pero no saciada completamente. El traductor hace eso, vuelve a contar el cuento que ha escuchado de boca del autor. Su manera de contarlo, la vida que le infunda al renacer del cuento conseguirá más o menos la atención del destinatario. En todos los casos tiene que volver a contar el cuento, volver a decir el poema, pero esta vez su cuento y su poema. Sus manos han seleccionado y modificado esa agua. Sus palabras ahora pueden llevar el alivio o la confusión a todos. Y entonces pudiera hablarse de la responsabilidad del traductor. Ese es un buen tema para hacer otra charla distendida que pudiera compartirles pronto.
Perdonen que no hable desde la técnica, no soy un especialista. En todo caso soy un poeta y nada más.
DANIEL
Nada mais,
como um animal falante no olho do furacão,
hablando para el ojo del huracán, dentro
del agua sucia, abrindo
as portas da rua para o furacão jorrar
a água vulcânica do mundo.
Amizade
a tradução do outro ao tempo
conceder-é. La amistad
es conceder al viento
la música del otro.
O texto é só
a partitura do pensamento tatuada
em Nuanuca.
LÍGIA
Sobre a tatuagem dançam a água que escapou por entre os dedos e o su-orvalho da noite enferma. Eles trazem mais alívio à sede que a água transportada pelas mãos entregue no vetor boca vísceras ressecadas. A tatuagem traduz com mais precisão as entranhas e as camadas vertiginosamente líquidas sugerem o desvendar do labirinto. Mas há uma flecha que deseja habitar esse labirinto, que se encantou pelos seus entremeios e não deseja cumprir seu vetor. Gira tesa no arco almejando as mil direções e mira alvo em cada curva.
AUTRUI
…eles põem os olhos e as mãos na substância palpitante de nossos seres. Elucidar a miséria dos corpos, encontrar a pobre carne ferida sob as mais brilhantes aparências sociais, reconhecer o ver/verme/verso/vermso que rói a beleza, esse é o trabalho deles…
FÁBIO
Nesse discurso aos cirurgiões, por certo, a tradução mais fiel de ver seria verme, ponto. Mas a evocação do texto pela metáfora que liga tradução e cirurgia, evocada por sua vez após a palpitação homonímica que vai do azul da larva à mais pura palavra, reabre-me a questão: qual seria, nesse caso, a traição mais nobre, mais aguçada, a mão mais delicada e ardilosa, aquela que trabalha em sintonia quase que perfeita com a tessitura contínua da matéria e do tempo, deixando apenas as pegadas mais sutis, inevitáveis? Poderão dizer que a evocação é circunstancial, mas quando um texto, um pedaço de linguagem seja ele qual for, não se evoca a partir de uma circunstância outra, de uma voz d’alhures, música del otro que o difere desde sempre? E quando essa deriva circunstancial não perfaz ela mesma uma dança cheia de ressonâncias, ferindo até mesmo o suposto original em sua própria tessitura\corrosão mais íntima? Esse mesmo discurso aos cirurgiões, em seu todo, não deixaria de ser, entre outras coisas, a afirmação de que a medicina e a cirurgia são uma arte…
AUTRUI
“… aquela cuja matéria é a carne viva…”
FÁBIO
… deslizando-se entre a vida que toca e a vida com que toca, numa manobra complexa no limiar entre o ato deliberado e o fluxo múltiplo e silencioso dos seres e dos segundos, uma intervenção que aspira à leveza e precisão tão absolutas que ela – animal falante no olho do furacão – precisa acertar para errar, tecer para roer, e de vez em quando vice-versa, mas sempre no intuito ético dessa exatidão extrema, quer dizer, excessiva e ab-errante como o existir…
AUTRUI
…toda a ciência do mundo não faz um cirurgião. É o fazer (a poïésis) que o consagra…
LÍGIA
Qual bisturi manejará os sopros vomitados?
Do olho d´água à catarata, qual rio permanece rindo?
Foz do riso, saliva, tromba dágua
A chuva chegou à palavra nascente
só veio transbordar na nuca-furacão de estimação
Desalojou as margens das feridas dantes tecidos seccionados milimetricamente suturados
A palavra epiderme aceita a tradução sangue jorrado?
FÁBIO
A pele, margem se transformando em rumor…quando canaliza e quando impulsiona o jorro? Tradução, nem dentro, nem fora, eriçada, estranha ao que é e ao que ela é, move o que a move, feridas tecidas, bisturi que rasura, fere/tece/cura, apura, modula o encontro equívoco – radicalmente igualitário – de heterogêneos.
LÍGIA
Fronteiras se redesenham e o sopro tradutor segue as pegadas de uma palavra-alvo no arco eriçado de Òsotokànsosò, o caçador de uma flecha só. Ela é única, o arco é teso mas seu trajeto exige a malemolência de percorrer limiares mutantes como onda do mar na areia.
De um lado o ícone nu, com sua aparência quase imperceptível. São inúmeros véus que o encobrem ou seria o sobressalto de uma névoa? Sua respiração meditativa, a dança das artérias.
Do outro lado a rima, ou seriam as rimas? Confusão das inúmeras máscaras que se interpõem na dança frenética de rascunhar aparências. Disfarce que redesenha interstícios além da epiderme. Transborda assim sua ginga descompassada de cotejar o ícone.
A flecha aguarda um encontro para disparar. Oferendas são enviadas às feiticeiras dos limiares e máscaras tombam
Rimas dilaceradas intuem o pulso do ícone.
Silêncio
Ensaio de aproximação
A flecha é disparada
Vetor que tange alitera oscila treme expira
Uma nova onda se prepara
A flecha segue sinuosa seu trajeto fronteiriço
AUTRUI
Como ao ler um soneto de Les Amours de Ronsard: “Quando vos vejo, e quando em vós eu penso, / Não sei o que dentro de mim cintila, / E me apunhala, e depois mutila / A alma despida por arroubo intenso / Tremem os nervos e eu me faço tenso; / Como uma vela ao fogo algo destila / Sob suspiro, minha força oscila, / Esfria e me deixa sem ar, em suspenso”.
FÁBIO
Até aqui, nenhuma novidade. Ou quase. Esse último verso – Me laisse froid sans haleine & sans pous – poderia ser traduzido por “sem ar & sem pulso”. A rima da sílaba final áfona não desagrada; rimas soam de jeito diferente, toantes ou em mais de um limiar da articulação entre consoantes e vogais, a insistência artificial na perfeita assonância – apesar de certamente servir para afiar o uso da língua – pode deixar surdo à miríade de melodias e ritmos desses outros modos de rimar. Sim, trata-se de questão de historicidade. Mas onde estaria a fértil (in)fidelidade? Nos anacronismos desse soneto traduzidos em seus próprios rigorosos termos agora ou, pelo contrário, no risco absurdo de modulá-lo a partir de um sistema de expectativas vizinho? Vertê-lo em prosa, verso livre, com rimas perfeitas ou não, cada uma dessas estratégias desloca o poema por um campo de tensões diferente. Não se trata de autonomia, pois a escolha ou decisão é tomada diante do derridianamente indecidível, submetida àquilo que o sujeito não pode mais elaborar ou construir a partir de si mesmo. Pelo mesmo motivo, não se trata de mero arbítrio, pois o lugar da decisão já se transformou e não é mais o mesmo conforme a estratégia adotada ou o campo de tensões adentrado. Não estamos em um quadro com divisões petreamente desenhadas, de um lado isso, de outro aquilo, pois se diria a temporalidade mesma da decisão ou de seu contrário se dobrar à medida desse deslocamento entre caminhos que vão se abrindo, reabrindo outras questões metonímica ou metaforicamente conexas. Por isso, entre as diversas estratégias, haveria soluções de contínuo, nós cuja gravidade atrai para si possibilidades que antes pareciam se repelir mutuamente. Não é o caso, entretanto, de uma abstração ou um universal que as reduz à condição de casos, mas, longe disso, de uma força que intensifica diferenças recíprocas, atraindo-as para o entorno de um mesmo polo gravitacional [a (in)decisão busca esses pontos]. Por isso, o que se chama aqui de solução de contínuo também não é, de modo nenhum, um meio-termo, um valor médio negociado dentro de uma escala de valores já estabelecida, mas uma variação potencialmente infinita na espessura, nas dobras e nas estrias do limiar que os separa/partilha. Mais do que romper limites, apagá-los ou denunciá-los como falsos em favor de um todo indiferenciado, a questão seria dobrá-los, fletir a luz, passear intensivo pelo limiar, livrando-se de sua injunção determinante e extensiva. Em outras palavras, não é adiar indefinidamente a decisão, mas prolongar aquela que não cai na extorsão da dicotomia “(meu) limite ou apeíron”, pois transforma a própria escala de valores na órbita do que decidirmos.
AUTRUI
Ora, o que ocorreria se, ao traduzirmos aquele verso, utilizássemos “meio penso” em vez de “em suspenso”? Agora a rima não apenas se mantém perfeita, mas também se enriquece na homonímia entre adjetivo e verbo conjugado, criando uma relação insuspeita entre o ato de pensar e o desequilíbrio do pensador.
FÁBIO
Entretanto, essa via explicita outro problema, presente desde o início, mas agora dramatizado pelo contraste, qual seja, o tipo de linguagem: afinal, a expressão reverbera um tanto coloquial demais para um verso que, ao menos até Les Amours, ainda era o heroico da poesia francesa. Uma vez mais, onde a (in)fidelidade fértil? Na transposição de uma ligação normativa entre enunciado e enunciação não mais em vigência ou na tentativa de encontrar, para essa mesma articulação, uma norma cujo vigor se modula no intervalo de tempo e espaço entre a escrita e a leitura? Mas a formulação dessa pergunta não está boa, como também a anterior, pois cria a impressão de que essa busca por uma aclimatação em outro regime de espaço-tempo envolve um risco que a transposição sugerida inicialmente não teria; longe disso, a aporia é a própria mobilidade dos limites – a princípio evidentes – entre o seguro e o arriscado, o que torna impossível assumir abertamente certo risco sem correr muitos outros, não tendo deles exata medida; por isso, essa pergunta recoloca em questão toda a estrutura adotada até aqui de modo mais ou menos impensado, dentre outros fatores, a sutil assimetria no ritmo do decassílabo (4/6) e suas dobras nas sedimentações de sentido agenciadas na relação entre as estrofes, mudanças de rima, frases…
AUTRUI
Considere-se o soneto por inteiro, eis que a leitura do verso seguinte intensifica ainda mais todos esses problemas: “sou como um morto, caído na fossa”… enorme colisão entre etimologia e pragmática! Tudo bem que fosse e fossa derivem do latim fossa/ae, nada mais esperado, a surpresa está nesse encontro repentino entre Ronsard e Nelson Gonçalves!
FÁBIO
Devagar, o espaço do equívoco possível nessa passagem é considerável; no original, a ligação entre morte e fossa é bem marcada e um filólogo mais estudado talvez precisasse que a imagem da queda na vala comum teria implicações naquele início do século XVI francês em nada próximas do imaginário da fossa amorosa da música popular atual; talvez, sim, que seja.
AUTRUI
Porém, o estupendo no acaso desse equívoco não se diluiria com essas possíveis explicações, bem pelo contrário, se reforçaria, pondo em questão não apenas a presumida distância entre o lirismo mais soberbo e o sentimentalismo mais coloquial, mas também e principalmente as diferenças históricas da partilha sócio-discursiva entre coloquialismo e soberba; ler, interpretar e traduzir seriam como dobras no contínuo espaço-tempo, distâncias que se friccionam pela força gravitacional dos equívocos do infinito em ato poético.
LÍGIA
Em algum momento as feridas tradutoras almejaram a queda do pensador já desequilibrado. Só abismo e travessia diante de si. As rimas mais infundadas já entoaram seu canto sedutor para regressar para o seu lar manco fosso, fossa, fosse ninho, assoviava. Ainda existe alguma lembrança do lar?
FÁBIO
Acho que o drible já é hesitação entre, acontecimento ziguezagueante em malemolência; e gemer já é traduzir, não como conteúdo ou sintoma de algo, mas como ato mesmo de cópulas e úteros onde se chocam, se equivocam e se modulam reciprocamente matérias-energias heterogêneas, balbucio da carne entre as pulsões omnidirecionais do contínuo e as estrias vibratórias do discreto. Se o lar é fosso, margem depósito de todos os fluxos que transbordaram e se perderam durante a tradução, sua lembrança mesma não seria já sempre um fosse, nova abertura subjuntiva e hipotética para outros fluxos e rumores trans/borda/mentos? Se assim for, essa lembrança suplementar – esse sopro de sobra –não escaparia à entropia pela força de seu chamado mesmo? À escuta dessa voz, desse gemido, o lar – mais do que retorno atávico a um k “anterior a” cheio de culpas e extorsões sacrificiais – seria uma dobra entre o antes e o depois, uma distorção no contraste entre criação e dispêndio, uma transfiguração nas combinações entre o prazer e a morte, virgindade e viuvez. Um tra(duz)ir hesitante, dançando junto aos fluxos que mobiliza e o mobilizam. Ou, como falha ainda nosso nobre poeta:
“Para além, para aquém dos nomes
Estão os pronomes, que são mais – verdadeiros já, e mais próximos da Fonte,
E as palavras que vêm aos amantes e às mães, e que são desse instante, inteiramente rente à sensação de vida – quando a carne muito perto da carne balbucia.
(…)
Com o nome, começa o Homem.
Ante o nome só há o Sopro,
O rumor
Que docemente ceifa o dormente,
Gemido do prazer, da morte,
Em todos esses tempos sem conhecimento.
Escuta o som da Voz, Virgem ou Viúva de palavras”.
(Cahiers XXI, p. 870-871, 1939).
DANIEL
Neantho é quem pratica o ato poético radical, soberbo e capital de roubar a lira de Orfeu, ousadia de separar tal lira da cabeça decapitada e sagrada, violar a caverna-templo onde tais restos restavam expostos e oráculos, fazer ressoar novamente o casco da tartaruga primitiva. Mas quando Neantho ergue a lira e a toca, os animais que outrora se acalmavam clássicos, eriçam-se em fúria contra o saltimbanco, e o rasgam, devoram e o subsumem em seu sangue ancestral. Neantho é o próprio tradutor, ao conceder a Orfeu a possibilidade de (não) terminar de morrer?
A lira, tocada por mãos pagãs, pode ser recomposta ao templo?
Ou terá sido igualmente feita extraços por os animais?
nu Ynícyu éh o Kantu.
CHARLES
¿Acaso el canto no es eterno? Tal vez se ha transformado y la idea de transformación lleva implícita la idea de haber sido traducido a un nuevo lenguaje, a una nueva melodía. Vengo del mundo del teatro y dentro de ese mundo tengo varias ocupaciones. Muchas veces no encuentro en español una frase sencilla que defina qué hago exactamente. ¿Hacedor de teatro? No suena tan bien en español. Sin embargo en inglés theatre maker o en alemán Theatermacher son frases que se usan para una persona que hace muchas cosas en el teatro. Digamos que define a un obrero del teatro. Estos sintagmas en español son largos y rara vez alguien los usa para definirse a sí mismo. Sin embargo la definición en inglés o en alemán es más frecuente, más usada y las personas la comprenden de manera muy abierta. Incluye para muchas personas el hecho artístico y técnico del teatro. Señala la condición de oficio que caracteriza al teatro. Esa idea está dada por los verbos to make y machen respectivamente. Es difícil encontrar una traducción al español sencilla para estas frases, puede hacerse pero sigue existiendo un vacío y la opción preferida en muchos casos es explicarlo de otra manera, usando otras palabras.
En algunas de las intervenciones mencioné la responsabilidad del traductor. Esta idea está ligada a aquella noble misión de traducir más el sentido que la frase. Podría nombrarse como: traducir el espíritu a través del texto más que el simple lenguaje solamente. Que pueda leerse con claridad la idea de la obra en el otro idioma, que pueda sentirse su espíritu sin que quede atrapado en las trampas de la gramática o de la literalidad. Esa es la responsabilidad importante del traductor. Puede burlar el lenguaje y modificar las reglas del idioma siempre y cuando sea para conservar las cualidades de la obra. Me sorprenden muchas veces las maneras de agradecer en varios idiomas y de donde vienen las frases de agradecimiento. En particular me agrada la hermosa manera de agradecer usada por los alemanes: Dankeschön. Varias veces he pensado sobre cómo traducir esta frase al español para que conserve su idea escencial, danke significa gracias, schön significa bonito, hermoso. He visto muchas veces la frase traducida como muchas gracias, pero me parece que en esa traducción pierde mucho de su sentido, se aleja de la idea. Su traducción literal sería gracias bonitas, o gracias hermosas. Sin embargo en español cobra otro sentido la frase a pesar de que esté en el contexto de la persona que agradece, tal vez si apareciera de este modo podría entenderse mejor: hermosas gracias. En la situación donde alguien acaba de hacer un favor a otro y contesta con esta frase tiene más sentido. Incluso puede valorarse más el detalle si sabemos que la conversación se desarrolla en el contexto alemán. La delicadeza del modo de agradecer queda contenida también en la frase al ser traducida de este modo. Por otra parte la respuesta a Dankeschön en alemán es Bitteschön. La traducción literal favor hermoso, que en según lo antes explicado corresponde perfectamente con la situación anterior si se traduce invirtiendo el adjetivo y el sustantivo de la siguiente forma: hermoso favor.
– Hermosas gracias.
– Hermoso favor.
Estas frases conservan la delicadeza del idioma original, imposibles de conservar si se traducen usando las habituales en español. La otra opción sería usar muchas gracias seguido de una acotación donde se explica que el personaje agradeció amablemente. Sin embargo siento que esta última opción renuncia a un juego que crea nuevos efectos poéticos inspirados en la traducción que son muy aprovechables. Por eso vale si el siguiente ejemplo se traduce en su modo más sencillo.
– Danke.
– Bitte.
– Gracias.
– De nada.
No es extraordinariamente amable. Vale que se use este modo que es el habitual y no tiene nada de especial en español comparado con el ejemplo anterior.
(Fábio e Daniel se beijam, e seguem para o público)
El teatro está pensado para la escena. Su fin no es ser editado en un libro. Su final es el contacto con el público que asiste al convivio de la representación. De ahí que uno de sus aspectos más importantes sea la oralidad. Muchas veces hemos trabajado en mi grupo con traducciones y frases en diversos idiomas. En estos casos importa mucho la calidad sonora de la frase en correspondencia con la partitura sonora de la escena. Los acordes melódicos de la palabra deben contribuir también al efecto sensorial de la obra. En consecuencia con esa idea buscamos las frases cuyos sonidos posibiliten esa sensación. Usaré un ejemplo de la obra emily, de la agrupación teatral cubana La Quinta Rueda cuya traducción del español al portugués fue hecha por uno de nuestros dialogantes, mi querido Daniel. La frase en español: El alma Vinne – decía Emily – escoge su propia compañía y después cierra la puerta. La traducción de Daniel: A alma, Vinne – dizia Emily – escolhe sua própria companhia e depois fecha a porta. La frase en ambos idiomas es hermosa. Sin embargo cambia considerablemente cuando es dicha sobre la escena en uno u otro idioma. En español el final resulta débil, es casi un susurro. Los sonidos en cierra la puerta dejan que se escape una sensación de lentitud incluso aunque la frase se diga alto y rápido. No hay posibilidad de modificarlo para alcanzar la sensación de que la puerta se cierra de golpe. Eso lleva a un modo específico de decirlo, casi en susurro. Luego la sensación que nos inspira el texto es traducida al lenguaje corporal en un ladeo brusco de la cabeza donde queda claro, la puerta sin dudas se ha cerrado de golpe. El espectáculo fue concebido originalmente en español pero su traducción al portugués hizo modificar algunos detalles. El final: fecha a porta tiene sonidos que dan una mejor idea de la frase. Y conociendo estos detalles es posible hacer una traducción efectiva al lenguaje sonoro del espectáculo. Por tanto cuando la actriz dice fecha a porta se ve obligada a modificar el movimiento que sucedía a la frase en español puesto que en portugués la frase contiene la intensidad del movimiento. El acorde que da el movimiento cuando el texto es dicho en español está contenido en la sonoridad del portugués por tanto es innecesario. Digamos que podría resultar reiterativo si se dice el texto en portugués y se hace además el movimiento. Un detalle que cambia algunas cosas y dice muchos de los matices de la traducción. Traducción en todos los lenguajes posibles, texto, cuerpo, voz, sonido, palabra, luz, acción, sensación, etc.
Quisiera hacer una pequeña observación sobre algo que llama mi atención. El español es un idioma muy específico, muy detallado. Para explicar a qué me refiero voy a poner dos ejemplos. Uno apenas lo mencionaré, voy a reparar más en el segundo. Muchas veces bromeo con amigos de habla inglesa o germánica aludiendo a que ellos tienen problemas de identidad que están originados en su educación lingüística. Y aunque siempre lo hago como una broma muchos de ellos no han demorado en profundizar en el asunto. Me refiero a que los verbos ser y estar, tan definidos en algunos idiomas de origen latino, están contenidos en inglés y en alemán en un solo verbo. En inglés: to be, en alemán sein. Siempre aclaro que ser no es lo mismo que estar y hay un margen muy claro para esta idea en idiomas como el portugués o el español. Sin embargo aunque germánicos o ingleses saben diferenciar estas ideas, usan la misma palabra para ambas cosas y esto resulta en otro nivel de comprensión.
El segundo ejemplo es el siguiente, usamos la frase traducir al… cuando hablamos de determinado idioma, y lo leí en… cuando hablamos de determinada traducción. Lo traduje al español, es una traducción del inglés al alemán. Esa traducción está en español, yo lo leí en español. Es muy curiosa y específica esta diferencia. Cuando leemos algo es en el determinado idioma, mientras que si lo traducimos es a determinado idioma. El uso de diferentes preposiciones nos indica el sentido de cada acción. Leer en habla de que estamos en el reino de un idioma determinado, o sea que nos suscribimos a sus reglas. Mientras que traducir al nos dice que movemos de un lugar a otro, indica cambio, modificación, traslado. Este detalle aunque es simple resulta hermoso porque define el estatismo o la modificación como naturaleza de determinada acción.
Otro de mis intereses en el campo de la traducción son aquellos traductores que de modo simultáneo facilitan la comunicación entre dos personas. Hablo de personas con un entrenamiento fabuloso que logran traducir ideas de inmediato durante una conversación. Durante mis novatas observaciones me he dado cuenta que cuando el traductor está presente físicamente, o sea cerca de los conversadores, su traducción adquiere un matiz mucho más vivo, digamos más conectado con la situación que cuando lo hace en la distancia a través de la tecnología. En este tipo de traducción creo que tiene mucho que ver la proximidad, la información corporal que llega a centímetros de distancia no es la misma a varios metros. Y aunque inocentemente pudiera pensarse que el traductor solo pone atención a las frases, el importante el lenguaje del cuerpo para escoger la palabra precisa que defina la intención del hablante. O sea que la escencia del mensaje llegue de manera eficiente al otro interlocutor. Aunque me declaro un diletante en el asunto y tengo curiosidad por investigar este tipo de traducción más a fondo, creo que una vez más he llegado a un punto recurrente en este diálogo: la escencia del texto a traducir. Escencia como espíritu, intención del mensaje. Texto como tejido, cuerpo vivo que entrelaza y da consistencia a las ideas. Entonces claro está que hay algo vital que conecta todo esto, pudiera ser ese algo el norte del traductor. Un extraño soplo que se mueve en el terreno del misterio y la indefinición, y aunque puede ser develado y definido todo el tiempo, es inagotable.
(Lígia abraça a Charles, fecha a cortina)
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Apêndices
Ronsard, soneto 94 de Les amours
Quand je vous voi, ou |
Quando vos vejo, e quando em vós eu penso, Quando te vejo, e quando em você eu penso, |
Je ne sai quoi, dans le coeur me fretille, |
Não sei o quê dentro de mim cintila, |
Qui me pointelle, & tout d’un coup me pille |
E me apunhala, e depois mutila |
L’esprit emblé d’un ravissement dous. |
A alma despida por arroubo intenso. |
Je tremble tout de nerfs & de génous : |
Tremem os nervos e eu me faço tenso; |
Comme la cire au feu, je me distile |
Como uma vela ao fogo algo destila |
Sous mes soupirs : & ma force inutile |
Sob suspiro, minha força oscila, |
Me laisse froid sans haleine & sans pous. |
Esfria e me deixa sem ar, em suspenso. Esfria e me deixa sem ar, meio penso. |
Je semble au mort, qu’on dévale en la fosse, |
Como quem tombou na vala fúnebre Sou como o morto, caído na fossa, |
Ou à celui qui d’une fièvre grosse |
Ou quem está tomado pela febre, ou quem está com uma febre grossa, |
Perd le cerveau, dont les esprits mués |
Perco meus brios, e mais nada me restou |
Révent cela qui plus leur est contraire, |
Salvo esse sonho de algo tão inquieto. |
Ainsi, mourant, je ne sauroi tant faire, |
Assim, morrendo, nada faria exceto |
Que je ne pense en vous, qui me tués |
Pensar em vós, a pessoa que me matou. Pensar em você, a pessoa que me matou |
BALLET
Sur tes lèvres, sommeil d’or où l’ombreuse bouche
Bâille (pour mieux se taire à tout le bête azur),
Sens-tu, tel un vil astre indifférent, la mouche
Transparente tourner autour du mot très pur
Que tu ne diras pas – fleur, diamant ou pierre
Ou rose jeune encore dans un vierge jardin
Une nudité fraîche sous une paupière
Balancée, amusée hors du chaos mondain.
Cette minute ailée éparpille un sonore
Vol d’étincelles au vent solaire pour briller
Sur tes dents, sur tes hauts fruits de chair, sur l’aurore
Des cheveux où j’eus peur à la voir scintiller
Petit feu naturel d’un sidéral insecte
Né sous le souffle d’or qui tes songes humecte.
BALÉ
Em teus lábios, sono áureo onde sombria boca
Baila (e melhor se cala ao todo azul da larva),
Sentes, tal astro vil e indiferente, a mosca
Transparente a rodar a mais pura palavra
Que tu não dirás – flor, diamante, ou pedra
Ou rosa inda mais fresca em virginal jardim
Uma tenra nudez que flui sob uma pálpebra
Entretida, do caos mundano fora – assim.
Este minuto alado espalha uma sonora
Revoada de centelhas ao vento solar
Em teus dentes, na carne opulenta, na aurora
Dos cabelos, onde ela é vista cintilar
O fogo natural de um sideral inseto
Que vem do sopro quente a embeber teu afeto.
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Experiência fascinante de escrita colaborativa, com Lígia Borges, Charles Wrapner e Fábio Roberto Lucas.