Trish Keenan, por Mariano Marovatto

TRISH-KEENAN-RIP

A inglesa Trish Keenan foi vocalista e letrista do Broadcast, banda que formou ao lado de seu companheiro, James Cargill, em 1995. Com cinco álbuns lançados, Trish morreu em janeiro de 2011, em decorrência do vírus H1N1, a gripe suína, durante a turnê do disco Tender Buttons, na Austrália. O Broadcast, em linhas gerais, possui uma sonoridade bastante onírica que tem como ponto de partida o rock psicodélico norte-americano dos anos 1960 (específica e escancaradamente a banda The United States of America). Fazendo uso de quinquilharias eletrônicas e samples de ruídos de outras eras, a paisagem sonora criada por Cargill é lo-fi, noir, melancólica, nostálgica, freudianamente inquietante. Ao longo de seus 15 anos de trajetória, o Broadcast angariou um numeroso séquito de fãs graças à figura e ao imaginário lírico de Trish Keenan. Cantora e letrista subestimada durante o boom da música pop britânica do final dos anos 1990, Trish disse uma vez que a psicodelia adotada pela banda não era charme ou pose, mas uma questão de afirmação pessoal e sobrevivência: “Quando descobri a psicodelia, ela foi como uma espécie de auto-ajuda para mim. Suas propriedades me permitiram deixar de lado um orgulho imobilizador de classe trabalhadora que eu tinha e que estava cimentando uma identidade falsa na minha psique, impedindo-me de me transformar naquilo que de fato sou”.

Enquanto parte desse séquito de fãs, há alguns anos venho acumulando uma série de projetos acerca da obra de Trish, alguns com queridos poetas parceiros, que nunca consegui dar cabo. Certa noite retomei algumas das traduções que havia feito de algumas das letras da banda e fiz algumas revisões que me pareceram razoáveis. Não segui à risca quase nada das rimas, muito menos da métrica. Não traduzi para cantar em português. Finalmente agora, à convite da Escamandro, publico alguma coisa sobre a letrista, ainda um pequeno pedaço do que gostaria. “Valerie” e “Na hora do almoço” (em inglês, “Valerie” e “Lunch Hour Pops”) são canções do álbum Haha Sound, de 2003. “Botões moles” é versão de “Tender Buttons”, do disco homônimo de 2009. Impossível não associar a morte de Trish Keenan, da falência de seus pulmões por conta de um vírus de rápido contágio, ao cenário distópico que estamos vivendo por conta do covid-19. Fiquem em casa e se cuidem.

Mariano Marovatto

* * *

Valerie

Caio no sono antes de fechar os olhos:
dentro da máscara, outro disfarce.
O cansaço faz desenhos na minha cabeça.
O sol na janela anuncia coisas boas.

Balança os seus brincos no meu cabelo.
Antes de dormir, deita os sonhos no meu travesseiro

O sol no meu rosto não vai expulsar
o silêncio gelado de quando anoitece.
Me afogo no branco do seu quarto.
O céu atrás da cortina anuncia coisas boas.

Balança os seus brincos no meu cabelo.
Antes de dormir, deita os sonhos no meu travesseiro

Valerie

Inside the mask, another disguise
I fall to sleep before closing my eyes
Tiredness draws in my head a cartoon
Sun at the window, good things coming soon

Shake your earrings over my head
Lay down your dreams on my pillow before bed

The silence of ice at the borders of day
Sun in my face will not keep them away
Sinking me into the white of your room
Sky through the curtain, good things coming soon

Shake your earrings over my head
Lay down your dreams on my pillow before bed

§

Na hora do almoço

Eu espero, nas escadas, a cabeça dar um tempo
(deixar os balões saírem, deixar os balões saírem)
Eu espero, nas escadas, serenar o pensamento
(você é o sol na minha cabeça, você é o sol na minha cabeça)

As nuvens balançam como um navio
no mar
a acalmar
a afronta
das ondas

Eu espero nas escadas e tenho uma visão:
objetos de amor pelo ar, objetos de amor pelo ar.
Eu espero, nas escadas, por educação.
(Qual melhor visão posso desejar? Qual melhor visão que há?)

Minha ferida,
inflada
pela clareza,
voe para longe.

(deixar os balões saírem, deixar os balões saírem)

Lunch Hour Pops

I wait on the stairs for a break in my mind
Let the balloons go outside
Let the balloons go outside
I wait on the stairs for my thoughts to align
You are the sun in my mind
You are the sun in my mind

Clouds rock like a ship at sea
Sooth the waves of injury
Clouds rock like a ship at sea
Sooth the waves of injury

I wait on the stairs, there’s a view in my mind
Objects of love in the sky
Objects of love in the sky
I wait on the stairs for my thoughts to be kind
What better view will I find?
What better view will I find?

Inflated with transparency
Float away my injury
Inflated with transparency
Float away my injury

Let the balloons go outside
Let the balloons go outside

§

Botões moles

O carvão, a brasa
O calo, o colo
O pente, a paz
As cores, o córtex
A codeína, o código
O contexto, a vírgula
O coletor, a colheita
A pena, a pane
O sonho, o agiota
O brejo, o bem
A barbatana, apara
A suçuapara, para

O carvão, a brasa
As cores, a carícia
A paz, o pente
As cores, o córtex
O código, a codeína
O contexto, a vírgula
O cadáver, a semelhança

Morre! Corta.
Morre! Corta.
Morre! Corta.
Morre! Corta.
Morre! Corta.
Morre! Corta.
Morre.

Tender Buttons

The coal, the coal light
The callus, the caress
The comb, the calm
The colours, the cortex
The code, the codeine
The comma, the context
The collector, the green
The fine, the fall
The financier, the dream
The fen, the fine
The fin, the defend
The fawn, then do

The coal, the coal light
The colours, the caress
The comb, the calm
The colours, the cortex
The code, the codeine
The comma, the context
The corpse, the likeness

Die, cut, die, cut
Die, cut, die, cut
Die, cut, die, cut
Die

Deixe um comentário