Lubi Prates nasceu em 86, em São Paulo. Graduanda em Psicologia e especializando-se em Psicoterapia Reichiana. Tem publicado o livro coração na boca (Editora Multifoco, 2012) e algumas participações em revistas e antologias literárias nacionais e internacionais. Edita a revista literária Parênteses e atua como revisora e tradutora. Vive em Curitiba, onde media o clube de leitura Leia Mulheres.
sergio maciel
* * *
até só restar o depois
(sobre o dia 29 de abril de 2015, em Curitiba)
pudesse,
recordaria se havia sol
antes daquela tarde
quando tudo se resumiu a
cinza:
fumaça, um
quase
aquele estado de consciência frágil
entre estar acordado &
desmaiar.
pudesse,
recordaria o cheiro
antes daquela tarde
quando tudo se confundiu a
gás
pólvora
sangue.
recordaria quais eram
minhas atividades inúteis
antes de acessar a internet&
navegar entre as notícias
para descobrir o alvo
dos helicópteros que
sobrevoavam a cidade
destruindo
destruindo
destruindo
qualquer segundo
de silêncio
inibindo os gritos
pudesse,
eu recordaria o antes:
quando não havia escombros.
§
esse esforço em manter distâncias
você pratica
você conta os centímetros até
ser o longe, outra cidade
você consegue desfazer
o silêncio das suas chaves
dos seus passos pelo corredor
da sua voz
no meu ouvido.
tudo que eu desgosto
você esforça
até confundir:
lembrança ou ilusão
comecei a duvidar de mim.
§
Poesia ainda é
persiste
um risco
à minha vida.
uma rima que sufoca
um eterno engasgo
que haja ar,
que haja água.
e
ainda assim,
seu contrário:
Poesia ainda é
persiste
boia, salva-vidas
§
rotações por minuto
é como encontrar
o caminho de casa
sem mapas bússolas gps
conhecer os seus discos
decorar as canções
as rotas vão ficando maiores
o esquema se torna
automático
tão rapidamente.
conhecer os seus discos
decorar as canções
é como encontrar
o caminho de casa
entre as rotações na velha
vitrola, as marcações mentais que fazemos
percebo que tua alma
flui
até mim
entre as pausas
aquele silêncio.
talvez pareça simples
estar à vontade
tocar um instrumento
sem olhar fixamente para os próprios dedos
mas calculei o preço
conhecer os seus discos
decorar as canções
é encontrar
o caminho de uma casa
construída sobre um terreno emprestado
mas tão meu:
rotações na velha
vitrola, marcações mentais que fazemos
when you come back home
i’mgonna dance with you
entre as pausas
morar neste silêncio.
§
é 2015
os últimos dias do ano e
eu quero antecipar os calendários:
a tevê insiste em retrospectivas.
é 2015
os últimos dias do ano:
eu acabei de desembrulhar os presentes de
aniversário: eu tenho 29 anos.
frequentemente,
repito para
mim mesma:
não imaginei que chegaria tão longe.
não imaginei que chegaria tão longe.
não imaginei que chegaria tão longe.
é 2015
os últimos dias do ano e
eu quero antecipar os calendários:
a tevê insiste em retrospectivas
mas sobre
a mulher poderia ser eu
assassinada por seu companheiro
a mulher poderia ser eu
que cometeu suicídio depois de humilhações constantes no seu emprego
a mulher poderia ser eu
que morreu numa clínica de aborto clandestina
a mulher poderia ser eu
estuprada no transporte público
a mulher que sou eu
nenhuma lembrança.
é 2015
os últimos dias do ano e
eu quero antecipar os calendários:
não imaginei que chegaria tão longe.
§
há uma arquitetura
no corpo
o encaixe de um tijolo
que facilita
e ou
dificulta.
há uma arquitetura
no corpo
que edifica mas
me desaba
há
uma
arquitetura
no
corpo
dizem: sábia
embora não explique
esse peso nos meus pés
que prevejo desabamentos
embora não explique
esse vazio no meu tórax:
impreenchível
qual ciência determinou que
minhas mãos não
demorariam ao segurar?
há uma arquitetura
no corpo
dizem: sábia
em mim:
inexata.