Marin Sorescu (1936-1996), por Beethoven Alvarez

Marin Sorescu foi um poeta romeno, um dos grandes poetas romenos da segunda metade do século XX; além disso foi dramaturgo, romancista, ensaísta, editor, tradutor e pintor. Nasceu em 1936 numa cidadezinha chamada Bulzeşti, no estado de Dolj, na região da Valáquia, no sudoeste romeno; morreu aos 60 anos, em Bucareste, onde se casou e morou desde o início da década de 1960; mesmo viajando muito (é conhecido por ter visitado todos os continentes), manteve residência na Romênia durante toda a vida, o que inclui os mais de 30 anos da ditadura de Nicolae Ceaușescu. Produziu muito desde os 28 anos, publicou mais de 20 livros de poemas, e outros tantos de diversos gêneros, foi traduzido para mais de 10 línguas, teve suas pinturas expostas pela Europa, recebeu vários e vários prêmios, e, entre 1993-5, mesmo sem partido ou grandes aspirações políticas, e sob alguma crítica, foi Ministro da Cultura.

Seu primeiro livro, Singur printre poeti (Sozinho entre os poetas), de 1964, é uma coleção de paródias líricas e pastiches poéticos. Falando só de poesia, publicou, entre outros, Poeme (Poemas, 1965, Prêmio da União de Escritores da Romênia); Moartea ceasului (A morte do relógio, 1966); Tinereţea lui Don Quijote (A juventude de Dom Quixote, 1968); Tuşiţi (Tosse, 1970); Suflete, bun la toate (Minha alma, boa em tudo, 1972); La lilieci (Entre morcegos, vol. I-V, 1973-1995; Astfel (Então, 1973); Descântoteca (Desencantoteca, 1976); Sărbători itinerante (Sábados itinerantes, 1978); Ceramică (Cerâmica, 1979); Fântâni în mare (Fontes no mar, 1982); Apă vie, apă moartă (Água viva, água morta, 1987); Poezii alese de cenzură (Poesias selecionadas pela censura, 1991) e Traversarea (A travessia, 1994).

No teatro, destacou-se com Iona (Jonas, 1968), peça escrita no início do governo de Ceauşescu que reconta, numa chave existencialista, a história bíblica do profeta Jonas que foi engolido por uma baleia (Jonas 1:17). Iona fez grande sucesso e junto com Paracliserul (O sacristão, 1970) e Matca (A abelha-rainha, 1973) forma uma espécie de trilogia ligada ao Teatro do Absurdo que estabelece Sorescu como um dos grandes dramaturgos do pós-guerra.

Além de romances e ensaios, escreveu prosa satírica e literatura infanto-juvenil! Como tradutor, verteu para o romeno toda a obra lírica de Boris Pasternak.

Nenhuma crítica ou biografia de Sorescu deixa de salientar como marca de sua poética uma sutil e arguta ironia. Essa mesma ironia, passando pelo tratatamento de temas históricos, filosóficos, religiosos e cotidianos, aos poucos se desenvolve em um simbolismo desmistificador todo próprio, eivado de existencialimo.

Aqui, numa seleção que se guiou muito por minha curiosidade, escolhi estes sete poemas para traduzir. Propositalmente o primeiro deles se chama Curiosidade. Na sequência, ainda explorando a temática da curiosidade, ou antes, da criatividade, aparece Perpetuum mobile, com claras notas de sarcasmo. Finamente irônico, Na aula dá relevo à subversão que é ter ideias próprias. Ainda no ambiente escolar, Retroversão amplia a discussão sobre criação e sobre a própria compreensão do ser quando, metalinguisticamente, trata o tema da tradução. Esse poema, até onde sei, já foi traduzido por Rosemary Arrojo (em Oficina de Tradução) e Carlos Alberto Faraco (em Depois de Babel), ambos a partir de versões do inglês, com o título Tradução. Em direção a uma simbologia particular, mas também de forma metapoética, Sozinho adota um tom mais íntimo, o mesmo tom que ganha ares de confissão e pessimismo em Doença (este já traduzido por Luciano Maia, 1995). Por fim, com uma atenção menos íntima, Ritmo encerra, sem solução nenhuma, essa pequena seleção que eu gostaria que oferecesse uma breve ideia da obra poética de Sorescu, que um dia disse (não sei onde): “a palavra dita é uma fronteira transposta; pelo ato de dizer alguma coisa, eu falho em dizer tantas outras coisas.”

Não posso deixar de agradecer o André Kangussu que foi um dos primeiros a me apresentar a obra desse poeta romeno e a me estimular a traduzi-lo, e também o Guilherme Gontijo, que ouviu umas leituras minhas e, porque é uma pessoa gentil, sugeriu enviar pra cá essas traduçõezinhas.

Beethoven Alvarez

Beethoven Alvarez nasceu em Petrópolis, mas seu documento de identidade hoje diz que é natural do Rio de Janeiro. É Professor Adjunto de Língua e Literatura Latina da UFF em Niterói. Possui doutorado em Linguística (na área de Estudos Clássicos) pela Unicamp, com período sanduíche na University of Oxford. Hoje tem interesse em comédia romana antiga, métrica arcaica (iambo-trocaica) do latim, versificação das língua modernas (neolatinas e outras), tradução do texto teatral e tradução poética. Não se recorda de ter ficado bêbado (inúmeras vezes) em Brașov e lembra feliz de ter atravessado a Estrada Transfăgărășan (com a moto emprestada de um amigo russo que conheceu bêbado).

* * *

Curiozitate

Ce se aude? Ce nu se mai aude?
Şi când se aude, ce se aude?
Şi când nu se aude, ce nu se aude?
Şi de ce nu s-aude, când nu s-aude?
Şi cine aude, când se aude?
Şi pentru ce se aude?
Şi până când?

De ce se aude ceva şi nu altceva?
Ia să nu se mai audă, ce se aude!
Ce-am auzit că s-aude?
Dar până când?

Curiosidade

O que se ouve? O que não se ouve?
E quando se ouve, o que se ouve?
E quando não se ouve, o que não se ouve?
E quem ouve, quando se ouve?
E para que se ouve?
E até quando?

Por que se ouve uma coisa e não outra?
Não ouça mais o que se ouve!
O que eu ouvi como se ouve?
Mas até quando?

§

Perpetuum mobile

Între idealurile oamenilor
Și realizarea lor
Întotdeauna va exista
O diferență de nivel
Mai mare
Decât cea mai înaltă cascadă.

Se poate folosi rațional
Această cădere
De speranțe,
Construindu-se pe ea ceva
Ca o hidrocentrală.

De la energia astfel câștigată,
Chiar dacă n-o să reușim
Să ne aprindem decât țigarile,
Tot e ceva,
Pentru că, fumând, ne putem gândi serios
La niște idealuri și mai grozave.

Perpetuum mobile

Entre as ideias de alguém
E a realização delas
Sempre existe
Uma diferença de altura
Maior
Que a da mais alta cascata.

É possível usar de forma racional
Essa queda
De esperança,
Construindo acima dela algo
Como uma hidroelétrica.

Da energia assim gerada,
Mesmo se só usarmos
Para acender nossos cigarros,
Ganha-se alguma coisa,
Porque, fumando, podemos pensar seriamente
Em algumas ideias ainda mais extraordinárias.   

 §

La lecție

De câte ori sunt scos la lecție
Răspund anapoda
La toate întrebările.

– Cum stai cu istoria?
Mă întreabă profesorul.
– Prost, foarte prost,
Abia am încheiat o pace trainică
Cu turcii.

– Care e legea gravitației?
– Oriunde ne-am afla,
Pe apă sau pe uscat,
Pe jos sau în aer,
Toate lucrurile trebuie să ne cadă
În cap.

– Pe ce treaptă de civilizație
Ne aflăm?
– În epoca pietrei neșlefuite,
Întrucât singura piatră șlefuită
Care se găsise,
Inima,
A fost pierdută.

– Știi să faci harta marilor noastre speranțe?
– Da, din baloane colorate.
La fiecare vânt puternic
Mai zboară câte un balon.

Din toate astea se vede clar
C-o să rămân repetent,
Și pe bună dreptate.

Na aula

Toda vez que sou expulso da aula
Respondo ao contrário
A todas as perguntas.

Como vai em história?
Pergunta o professor.
– Burro, bem burro,
Acabei de fazer uma paz duradoura
Com os turcos.

– O que é a lei da gravidade?
– Em qualquer lugar que eu estiver,
Na água ou na terra
No chão ou no ar,
Todas as coisas têm que cair
Na minha cabeça.

– Em que estágio da civilização
Nos encontramos?
– Na idade da pedra que nem está lascada,
Porque a única pedra lascada
Que se encontrou,
O coração,
Se perdeu.

– Sabe fazer um mapa de nossas esperanças?
– Sim, com balões coloridos.
A cada vento forte
Voa pra longe mais um balão.

Diante disso tudo, fica claro
Que vou continuar repetindo de ano,
E por um bom motivo.

§

Retroversiune

Susţineam examenul
La limba moarta,
Şi trebuia sa ma traduc
Din om în maimuţa.

Am luat-o pe departe,
Traducînd mai întâi un text
Dintr-o padure.

Retroversiunea devenea însa
Tot mai dificila,
Cu cât ma apropiam de mine.
Cu puţin efor
Am gasit totuţi echivalenţe mulţumitoare
Pentru unghii şi parul de pe picioare.

Pe la genunchi
Am început sa ma bâlbâi.
În dreptul inimii mi-a tremurat mâna
Şi-am facut o pata de soare.

Am mai încercat eu s-o dreg
Cu parul de pe piept.
Dar m-am poticnit definitiv
La suflet.

Retroversão

Estava fazendo a prova
De uma língua morta,
E tinha que me traduzir
De homem em macaco.

Eu comecei de longe
Traduzindo primeiro um texto
De dentro de uma floresta.

A retroversão se tornava porém
Bem mais difícil,
Quando me aproximava de mim.
Com um pouco de esforço
Achei entretanto equivalentes satisfatórios
Para as unhas e os pelos das pernas.

Nos joelhos
Comecei a gaguejar.
Perto do coração minha mão tremeu
E fiz uma mancha de sol.

Logo procurei consertar
Com o pelo do peito.
Mas tropecei em definitivo
Na alma.

§

Singur

Mi-e frig în cămaşa asta
De litere
Prin care intră uşor
Toate intemperiile.

Vântul prin a,
Lupii prin b,
Iarna prin c,
Şi eu încerc să-mi apăr măcar inima
Cu un titlu mai gros,
Dar mă îngheaţă frigul care intră
Prin toate literele.

Mi-e urât în cămaşa asta
De litere
Prin care intră uşor
Respiraţia și bătăile inimii.

Prin a,
Prin b,
Prin c,
Alfabetul este plin de mine
Pentru o clipă.

Sozinho

Estou com frio com essa camisa
De letras
Por ela entra facilmente
Todo mau tempo.

O vento pelo a,
Os lobos pelo b,
O inverno pelo c,
E estou tentando fazer meu coração aparecer
Com um título mais grosso,
Mas me congela o frio que entra
Por todas as letras.

Fico feio nessa camisa
De letras
Por ela entra facilmente
Respiração e batidas do coração.

Pelo a,
Pelo b,
Pelo c,
O alfabeto está cheio de mim
Por um momento.

§

Boala

Doctore, simt ceva mortal
Aici, în regiunea fiinţei mele.
Mă dor toate organele,
Ziua mă doare soarele
Iar noaptea luna şi stelele.
Mi s-a pus un junghi în norul de pe cer
Pe care pâna atunci nici nu-l observasem
Şi mă trezesc în fiecare dimineaţă
Cu o senzaţie de iarnă.
Degeaba am luat tot felul de medicamente,
Am urât şi am iubit, am învăţat să citesc
Şi chiar am citit niste cărţi,
Am vorbit cu oamenii şi m-am gândit,
Am fost bun si-am fost frumos…
Toate acestea n-au avut nici un efect, doctore,
Şi-am cheltuit pe ele o groază de ani.
Cred că m-am îmbolnăvit de moarte
Într-o zi,
Când m-am născut.

Doença

Doutor, eu sinto uma dor terrível
Aqui na região do meu ser,
Me doem todos os órgãos
De dia me dói o sol,
E de noite, a lua e as estrelas.

Sinto uma pontada na nuvem do céu
Que até então eu nem tinha notado
E acordo todas as manhãs
Com uma sensação de inverno.

Em vão eu tomei todo tipo de remédio,
Senti ódio e amei, aprendi a ler
E até li alguns livros,
Falei com as pessoas e pensei,
Eu fui bom e eu fui querido…

Tudo isso não teve nenhum efeito, doutor
E eu gastei um monte de anos com isso.

Eu acho que adoeci
Um dia
Quando nasci.

§

Ritm

Cohorte de marginalizaţi
Se răscoală.
Vor în centru. Îl ocupă.
Împingând spre margine
Norocoşii din etapa precedentă.

Se cuibăresc, puiază.
Şi aşteaptă cu inima cât un purice
Cohortele de marginalizaţi
Care trag spre centru.

Ritmo

As multidões de marginalizados
Se revoltam.
Querem estar no centro. O ocupam.
Empurrando para a margem
Os que foram bem sucedidos antes.

Fazem ninho, crescem.
E esperam com o coração de uma pulga
Multidões de marginalizados
Que se movem para o centro.

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