9 poemas de marcus fabiano

10720992_10152330448672143_895667999_n

Marcus Fabiano Gonçalves (1973) é gaúcho e mora no Rio de Janeiro, onde é professor de Hermenêutica e Filosofia do Direito na Universidade Federal Fluminense. Os textos dessa seleção pertencem ao seu segundo livro de poemas, ARAME FALADO (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012). O autor também publica ensaios e inéditos no endereço: marcusfabiano.wordpress.com

* * *

Me habéis preguntado qué hila el crustáceo
entre sus patas de oro y os respondo: el mar lo sabe.
Pablo Neruda

OS NOMES DO MAR

o mar cria seus próprios cavalos e torna-se pedra quando muito gelado. ele não conhece flor nem fogo e mesmo assim pode queimaduras e adornos. tem enguias e mães d’água, corais e algas. o seu chão constela-se de esponjas e anêmonas. o mar é pródigo em estrelas e proventos. mas não tem galhos para os pássaros nem cabelos para os afogados. o mar é um cofre de naufrágios. no seu fundo caminham os escafandristas. entre moreias e meros seus sapatos levitam. o mar é duro e delicado como a carapaça de um crustáceo. em suas angras ele brinca de aquário. é aéreo nas nuvens e seu humor sujeita-se à lua. o mar arrasta ou empurra. e seus abismos devoram muitas âncoras. são os brincos que Iemanjá reclama. na praia a onda lambe a areia mas nunca há ânsia. o plâncton escoa na garganta e o píer é um palito que por ela avança. e se um farol a ilumina, ei-la sem amídalas. o mar é inteiro boca e saliva. e nunca cospe, apenas engole. quem pensa em ressaca o enxerga de fora. ou acredita em mentiras. o mar exige sorte além de perícia. o mar salga e salva. seu imenso é um cemitério de almas. o mar não se cala quando quer, por isso é bem maior que o céu. ele dá a volta ao mundo sem andar em círculos e move as nadadeiras do pensamento perdido. o mar pode ser lindo e sinistro. solares e umbrívagos são seus caminhos. e eles recolhem muita espuma pelas bordas. o mar é imêmore e guarda todas as horas. e só chega à costa para que alguém possa vê-lo. o homem que o vê é um peixe seco. de ar e sangue, e sem guelras. o homem é igual ao mar, concebe e faz guerras. deus separou a porção seca do mar e pôs o homem a viver nela. a terra separa as águas como a vontade faz com os homens. em sua crosta há duas árvores: a do conhecimento e a da vida. a lei é que certas frutas vermelhas são interditas. para ir de um lado a outro o homem tem pés. para atravessar o mar, navios e Moisés. em terra o homem é o lobo do homem. já o lobo marinho é bem mais tranquilo. é mimoso feito um ouriço recém-nascido e quando cresce não promete espinhos. frente ao mar o homem tem arroubos divinos: caminhar sobre as águas, multiplicar os peixes. mas sua vida terrestre é de carne e leite. o homem brinca de deus quando teima. ele se consome de porquês e se fabrica problemas. o homem brinca de deus porém vive no tempo. e no mar ele nomeia seus medos: mar morto, mar negro, mar vermelho. o homem é água e enredo.

§

PAPAYAS A TUS PIES

palha, madeira ou tijolo:
o lobo mau assoprando
o leitão natalício do porco

(como uma bigorna filosófica
dentro se pode levar peso morto)

Lima, bairro de Miraflores
margeando o Pacífico
um motorista de táxi ensina-me
algumas palavras em quéchua:
ura, quiere decir cabeza

depois mostra uma ponte:
mira, de allá saltan los locos
o los desesperados

y se caen al suelo
a tus pies (ploft!)
como papayas.

§

TUBO DE RAIOS CATÓDICOS

sim, a gravidade é só esse detalhe
se um trapézio emparelha o Pégaso
e o olho é o novo umbigo do limbo
com os ouvidos por tubo digestivo

mera burla nesse cipoal de psicóticos
que se abole à custa de uns colchetes
e mormaços de manás propiciatórios

o teclado no covil dos metacarpos
e logo a luz desnumbra os nimbos:
raios escarificam bruxas e odaliscas
imoladas em fogueiras de vaidades
ou atiçadas pelas próprias crinas

e recolados à tela da TV que somos
as muitas Moiras e um Belerofonte
se revelam no elemento Estrôncio.

§

TALHERES DE PRATA

naquelas noites enluaradas
ele passava de calvo a hirsuto
e o seu jeito calmo, taciturno
mudava em espasmos e uivos

toda pele comichava muito
e durante um jantar de gala
ele explicava aos convivas
sua grave alergia à prataria

no canto do terraço escuro
sob uma lua já cheiíssima
foi visto abrindo um tubo
grande, como de vitamina

pensaram em crise cardíaca
porém no rótulo constava
pastilhas para licantropia.

§

GRILAGEM

os jagunços dizendo que capavam
nada sabiam das bolas de Abelardo:
brandiam páginas sem cabeçalho
de arcabuz engatilhado no sovaco

em um varal de fios desencapados
andrajos espichados pelos caibros:
o couro do pandeiro trina o nervo
e uma mulher berra sobre o berço

no vau desse mato mal emancipado
várias vidas esgravatam sob o taco
da luzida bota do dito proprietário.

§

DRUMMOND, FARMACÊUTICO

na usinagem das anginas, o melhoral:
do neurônio à reles bactéria digestiva
bálsamo para as dores que excruciam

contra as tênias do tédio, o vermífugo
que clareia a fosca alameda dos cinzas
e ladrilha uma vereda com pedrinhas

o velho tônico de combate à anemia:
o ferro do sangue, o mesmo da mina
sabendo a bílis negra da melancolia

e para os achaques de asma ou mialgias
a melhor cânfora que arrepia as plumas
ali onde é mais viva a nossa carne crua.

§

Quando te aproximares da terra, abre os olhos.
Américo Vespúcio, 1503

AVISO AOS NAVEGANTES

no perene provisório o atol é sem atalhos: Abrolhos
e os abra como se ordenasse um Sésamo, bem abertos
mais ainda se as quilhas que singram entranhas do mar
são longas lâminas de foices ceifando contra o fúcsia
onde – avisa Vespúcio – há recifes de floração súbita.

§

MIDAS BIJUTERIAS

dispensado
da joalheria
cultivava
suas cintilâncias
com o que tinha:
de um ouro
aparente
e de umas gemas
de acrílico
o velho ourives
seguia tirando
o sustento
dos filhos

da alquimia
à maquiagem
obtinha ligas
que tingidas
de dourado
a todos olhos
encantavam

meticuloso
só não gostava
que dissessem
ser de tolo
o seu precioso
falso ouro

tão modesto
com seu dom
de reproduzir
o que cintila
que só dizia
imitar o Midas
em seu toque
de bijuteria.

§

SPAGHETTI WESTERN

por três segundos, naqueles fotogramas da sétima arte, só um coldre sobre o catre. um corte para o vilão (carranca de bebeu vinagre) e dois índios impávidos (mexicanos de forte-apache). na tomada alguns agaves e pelotas de feno pela rua do combate. quatro closes alternados completam a sequência do face a face e o tema do suspense encaminha-se para o ápice. as mãos rápidas e então os saques: cai o mocinho sem acreditar que seu Smith & Wesson engasgue. agora entendes a insistência na imagem? tiraram as balas do revólver do coldre sobre o catre. velhos truques da dramaticidade: bandido bom, melhor se for covarde.

3 comentários sobre “9 poemas de marcus fabiano

Deixe um comentário