Poeta e crítico literário, Rafael Zacca é doutorando em filosofia pela PUC-RJ. É membro do corpo editorial da Revista Chão, onde mantém a coluna Sucesso de Sebo. Integra o Núcleo de Estudos da Cultura no Capitalismo Contemporâneo (UFF). Articula com outros poetas a Oficina Experimental de Poesia (OEP), no Rio de Janeiro. Realizou oficinas de criação poética pela OEP em alguns aparelhos culturais, como o Imperator e o MAM-RJ. Publicou o livro de poemas Rafael Zacca | Coleção Kraft (Ed. Cozinha Experimental, 2015).
A marina das coisas
um segredo para Khalil
Não é tão tarde
que não se possa
selar o céu
com o marulho
das conchas, grave
escavação
motor carvão
branco engasgado
frágil segredo —
……………. a mão
que encontra antenas
se rasga
na areia
assim se abrem as
crianças: sangue
e brinquedo um
bater de dente
(um sonho sólido)
obra um clarão
de sol secando
os grãos, castelos
…………mas não tem volta
dos que não têm
casa, se nos
tocam os dedos
dobramos os
joelhos, um
desterro. É
por isso que
bastam crianças
(se podem ir
à praia): salvam
o mundo, cavam
fundo e articulam
a marina das coisas
os bichos inexplicáveis
o tumulto do nácar.
§
Demora
brancura morte
na boca
do tempo onde
cresce
a flor-de-núncaras
num pasto
de confusão
e crença
no branco
o tempo torcido
quatro estômagos
brancos
processam crianças e moscas
………(
leite da manhã
tudo aguarda na vaca
………)
mama de agoras
e adubo
vaca entre relógios
os ponteiros imitam
os homens
espiam
a vaca cortada
em bifes e cálculos
de secura
a vaca rumina
o nada suas tetas
não aguardam
filhos os olhos
não atentam o tempo
a morte
incrédula
não vê finalidade
na vaca
o nunca murmura
nos cantos
desfaz-se
o peso
dos cascos mugido
e cheiro de bosta
anunciam vitória
contra o tempo
mas demoram
no estômago
………..(
leite da manhã
tudo aguarda na vaca
………..)
a bílis desfaz
as palavras
§
O Elefante e a Flor
para Vinicius
É noite, e o elefante / acúmulo de pedras / se ergue, na poeira / da primeira manhã.
Ensaio meus primeiros
entre os homens de terno
suas finais costuras
que sufocam as feras.
O passo-tonelada / irrompe as folhas e as / gentes que caem sobre / a pele do elefante.
Sigo tão dor que olho as
árvores na calçada
e me penso raiz
calculada de nojo.
Uma semente lhe / entremeia as veias do / coração de marfim / e vive de água e trágico.
E porque é tarde sonho
enjoos que terei
ao aniquilar horas
de uma máquina arcaica
(o peito arrebentado
resfolegando um bicho
de fumaças e frágeis
engrenagens com dentes.)
Num espasmo desperta, / germinação bruta, / as sementes de doces / numes no elefante. E // o cárdio entre paradas / estanca a vida e o passo… / vê agora sem relógio / gentes bombeando cores.
É só na travessia
que, não o peito, mas
o bolso do casaco
represa uma aurora
de coisas – como são
fluidas as coisas! são
águas e ventos e ânforas
cheias de metal líquido
são gentes que emudecem
e cordas de fogo e
todas irrompem em
poucas palavras âncoras.
O elefante já não / pacienta, e galga as milhas / da cidade por cima / dos corpos indefesos // enxotando com sua / tromba homens miseráveis / e os temporais dos tímidos / não por misericórdia // mas pela flor que lhe / retorce o coração / realçando a palidez / dos frutos em conserva.
Vem a noite e o caminho
se desnuda na selva
delicada de meus
apetites. Mas um…
…elefante galopa / sob a pele do poeta / tornando cada gesto / uma sanguínea flor// que brotasse no cárdio / musculoso de um bicho / fortaleza a reflora / qual bomba prorrompendo // cogumelos e galhos / escapando por entre / muitas fissuras de um / arrebentado e tísico…
…corpo sem arremedo
nem remédios nem cortes
nem costuras nem numes
que impeçam floração…
…a irromper em orgânica / destruição de carcaças…
…enquanto resiste o
coração num fruto…
…que entre rugas bombeia…
…a vida estragada ou…
…inteira num respiro…
…que diz: ar, e vivemos.
gostei muito!