Adelaide Ivánova (1982-)

Adelaide Ivánova, por Jakob Ganslmeier
Adelaide Ivánova, por Jakob Ganslmeier

Adelaide Ivánova (Recife, 1982)é poeta e fotógrafa brasileira, lançou os livros Autotomia (Pingado-prés, fotos) e Polaróides (e negativos das mesmas imagens) (Cesárea, 2014, poemas e crônicas), Erste Lektionen in Hydrologie (und andere Bemerkungen) (edição da autora, 2014, fotos)  e O martelo (Douda correria, 2016, poemas). Tem trabalhos fotográficos publicados por diversas revistas internacionais. Adelaide Ivánova vive e trabalha entre Colônia e Berlim, na Alemanha. Há ainda mais material que vale a pena conferir no site https://adelaideivanova.com.

* * *

para vaniela

o lugar mais longe que
eu tinha ido era tão perto
que foi só pra lá que eu
pensei em ir meu nome
é vaniela da silva e o lugar
mais longe que fui foi a paraíba
saquei o que tinha
calcei as sandálias
bebi um café e fui
trabalhar mas dei um
perdido e não voltei pra
casa fui andando
pra frente que é pra onde
se deve andar se eu fosse
um homem branco ninguém ia nem
perceber “fugiu com uma nêga”
“tá apagado
no bar”
“tinha dívidas no banco
no boteco no agiota”
mas não sou travis e
isso aqui não é paris
nem é texas
não tem glamour de
cinema tem a delegada
gleide que adora aparecer
nas fotos e tem
toda sorte de infelizes
pra me julgar que eu saiba
tenho o direito de sumir
de dar meus perdidos
eu não esperava
tamanho alarido
me diga mesmo desde
quando essa terra se
importa com seus mortos
com seus desaparecidos
se eu fosse um homem preto
e tivesse sumido
todo mundo ia rir
“deve ter feito merda
grande”
“esse é o fim
de todo ladrão”
“devia ter dívida
com um traficante”
mas sou mulher
e fica ainda pior
me odeiam por não ter sido estuprada
e me odiariam se tivesse sido
iam perguntar
o que eu teria feito
que foi bem feito
que devo ter merecido
nesse road movie
perverso em que meu papel é
ao mesmo tempo
geni e super star
não sou soberana
sou um particípio
nos jornais dizem
“teria roubado”
“teria falsificado”
“teria fugido”
ninguém considera
que eu, vaniela,
fugi porque pude
porque quis
fosse sozinha
com a namorada
ou com o tal do juiz
cada um vai e se vira
como pode eu comprei
umas passagens
e fui pra rodoviária
eu só queria vazar.

Autotomy
Autotomy

para laura

em 1998 quando encontraram
o corpo gay de matthew shepard
sua cara tinha sangue por todo lado
menos duas listras
perpendiculares
que era por onde suas lágrimas
haviam escorrido
naquele dia o ciclista
que o encontrou não
ligou para polícia logo que o viu
porque o corpo de matthew
estava tão deformado
que o ciclista achou ter visto
um espantalho

sábado passado em são paulo
a polícia matou laura
não sem antes
torturá-la laura
foi filmada ainda viva
por outro sujeito
que em vez de ajudá-la
postou no youtube o vídeo
d’uma laura desorientada
e quem não estaria
tendo sangue na boca e na parte
de trás do vestido

laura tem um corpo
e um nome que lhe pertencem
laura de vermont presente!
foi assassinada pela nossa indiferença
e pela polícia brasileira
tinha 18 anos
sábado passado.

Erste Lektionen in Hydrologie

 o ministro

pudessem os homens brancos em bruxelas
e thomas de maizière ouvir este meu poema
estaria resolvida o problema das fronteiras
veja bem sr. ministro
em minha cama não se pede visto já troquei
lençóis e fronhas sujos de sêmen made in
espanha hungria áustria zimbábue iraque
alemanha fazemos a alegria uns dos outros
e diga-me sr. ministro
se não fôssemos nós quem mais a faria? e quem
faria o crescimento dos seus índices demográficos?
segundo fatou diome somos responsáveis por 40%
diga mesmo sr. ministro
sem nós expatriados de onde viriam tantas delícias
as teses os ensaios a vida as baladas os bares os
quadros com os quais lucram vossos museus
de onde viriam os livros premiados com os quais
lucram (ou lucravam) suas poeirentas livrarias?
haveria para pasolini este homem europeu um futuro
mais duradouro tivesse pasolini se refugiado?
talvez fosse morto na síria na líbia ou na casa
de caralho menos por ser refugee e mais por ser
viado (sim outro grande problema mas esse não é
hoje o tema do poema) já deitei em futons tapetes
colchões e carpetes de toda sorte de gente inclusive
os de budapeste os mais cabrões atualmente
(os jogadores de golf de melilla não são menos sinistros)
o segredo sr. ministro
deixa eu explicar é abrir fronteiras e coração sermos
bons como lou salomé que fez a caridade de comer
nietzsche e para o próprio deleite ainda deu pra rée e (dizem)
rilke sermos bons com quem vier não importando a cor
do passaporte nem do sujeito apenas dando muito seja lá
do quê – um visto um teto um trabalho um hallo um meio
de transporte mais seguro e ventilado que um caminhão
e um destino mais humano que o injusto e raso para onde
eu você e petra laszlo mandamos o pai em fuga e seu filho
(o chão).

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