Mascha Kaléko, por Valeska Brinkmann

Mascha Kaléko (1907 – 1975) nasceu em Chrzanów no império Austro-Húngaro, hoje Polônia. Filha de judeus, ainda criança mudou-se com os pais para Alemanha, fugindo dos Pogrons, depois em 1933 emigrou para Nova York com o marido. no final dos anos 20 em Berlim, fez parte da Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade), movimento vanguardista de artistas e escritores como Erich Kästner, Joachim Ringelnatz , Bertold Brecht e Kurt Tucholsky. Seus poemas falam do exílio, do dia-a-dia e do amor na cidade grande em tom melancólico e irônico, muitos foram musicados para os cabarés, na voz de cantoras como Claire Waldoff e Hanne Wieder. Sobre seu livro Das lyrische Stenogrammheft, 1933, o filósofo Martin Heideger lhe disse: “Seu caderno estenográfico mostra que você sabe tudo a que aos mortais é dado saber“ .

Os poemas abaixo foram tirados dos livros póstumos In meinen Träumen läutet es Sturm, dtv, 1977 e Sei klug und halte dich an Wunder, dtv 2013.

Valeska Brinkmann estudou Radio e TV na FAAP em São Paulo. Trabalha na emissora de Radio e TV pública de Berlin, onde vive há 14 anos.Escreve contos e histórias para crianças. Tem textos publicados em sites literários na Alemanha e no Brasil (Stadtsprache Magazin, Literaturabr). Publicou em 2016 Pedrina – A perua que queria ser Pavão – Die Pute die ein Pfaul sein wollte, pela editora Bübül Verlag Berlin.

* * *

Rezept

Jage die Ängste fort
Und die Angst vor den Ängsten.
Für die paar Jahre
Wird wohl alles noch reichen.
Das Brot im Kasten
Und der Anzug im Schrank.

Sage nicht mein.
Es ist dir alles geliehen.
Lebe auf Zeit und sieh,
Wie wenig du brauchst.
Richte dich ein.
Und halte den Koffer bereit.

Es ist wahr, was sie sagen:
Was kommen muß, kommt.
Geh dem Leid nicht entgegen.
Und ist es da,
Sieh ihm still ins Gesicht.
Es ist vergänglich wie Glück.

Erwarte nichts.
Und hüte besorgt dein Geheimnis.
Auch der Bruder verrät,
Geht es um dich oder ihn.
Den eignen Schatten nimm
Zum Weggefährten.

Feg deine Stube wohl.
Und tausche den Gruß mit dem Nachbarn.
Flicke heiter den Zaun
Und auch die Glocke am Tor.
Die Wunde in dir halte wach
Unter dem Dach im Einstweilen.

Zerreiß deine Pläne. Sei klug
Und halte dich an Wunder.
Sie sind lang schon verzeichnet
Im grossen Plan.
Jage die Ängste fort
Und die Angst vor den Ängsten.

Receita

Expulsa os medos
E o medo dos medos
Para os poucos anos
Há de ser o suficiente.
O pão no cesto
E o terno no armário.

Não diga meu.
Tudo te é emprestado.
Vive o momento e vê,
Quão pouco precisas.
Instala-te.
E deixa a mala preparada.

É verdade o que falam:
O que é pra vir, vem.
Não te oponhas ao sofrimento
Se ele está lá,
Encara-o em silêncio.
Ele é efemero tal qual a felicidade.

Não esperes nada.
E protege bem teu segredo.
Também o irmão trai,
Trata-se de ti ou dele.
Toma tua própria sombra
Como tua companheira.

Varre bem tua sala.
E saúda teus vizinhos.
Ajeita tua cerca
E tambem o sino no portão.
A ferida em ti está desperta
Debaixo do telhado, por enquanto.

Rasga teus planos. Sê astuto
E te agarra nas maravilhas
Elas ja foram há tempos lançadas
No grande plano.
Expulsa os medos
E o medo dos medos.

§

Die frühen Jahre

Ausgesetzt
In einer Barke von Nacht
Trieb ich
Und trieb an ein Ufer.
An Wolken lehnte ich gegen den Regen.
An Sandhügel gegen den wütenden Wind.
Auf nichts war Verlaß.
Nur auf Wunder.
Ich aß die grünenden Früchte der Sehnsucht,
Trank von dem Wasser das dürsten macht..
Ein Fremdling, stumm vor unerschlossenen Zonen
Fror ich mich durch die finsteren Jahre.
Zur Heimat erkor ich mir die Liebe.

Os primeiros anos

Abandonada
Num barco da noite
Boiei
E cheguei até a margem.
Nas nuvens desviei contra a chuva.
Em bancos de areia contra o vento bravio.
Nada era de se confiar.
Só em milagres.
Comi dos frutos verdes do anseio,
Bebi da água que deixa sedento.
Uma estranha, muda na frente de zonas desconhecidas
Gelei mediante os anos sinistros.
Para meu país escolhi o amor.

§

Was man so braucht…

Man braucht nur eine Insel
allein im weiten Meer.
Man braucht nur einen Menschen,
den aber braucht man sehr.

De que se precisa mesmo…

Precisa-se só de uma ilha
sozinha, ao longe no mar.
Precisa-se só de uma pessoa
mas aí, muito se vai precisar.

§

Feinde

Die Feinde, sagst du,
geben dir
auf Erden keine Ruh.
Du hast nur einen
wahren Feind,
min Bruder
das bist du!

Inimigos

Os inimigos, dizes tu
não te dão
Na terra sossego algum
Tens somente um
verdadeiro inimigo,
meu irmão
este és tu!

§

Inventar

1
Haus ohne Dach
Kind ohne Bett
Tisch ohne Brot
Stern ohne Licht.
2
Fluß ohne Steg
Berg ohne Seil
Fuß ohne Schuh
Flucht ohne Ziel.
3
Dach ohne Haus
Stadt ohne Freund
Mund ohne Wort
Wald ohne Duft.
4
Brot ohne Tisch
Bett ohne Kind
Wort ohne Mund
Ziel ohne Flucht.

Inventário

1
Casa sem telhado
criança sem cama
Mesa sem pão
Estrela sem luz.

2
Rio sem cais
Montanha sem corda
Pé sem sapato
Fuga sem destino.

3
Telhado sem casa
Cidade sem amigo
Boca sem palavra
Floresta sem aroma.

4
Pão sem mesa
Cama sem criança
Palavra sem boca
Destino sem fuga.

§

Irgendwer

Einer ist da, der mich denkt.
Der mich atmet. Der mich lenkt.
Der mich schafft und meine Welt.
Der mich trägt und der mich hält.
Wer ist dieser Irgendwer?
Ist er ich? und bin ich Er?

Um certo alguém

Tem alguém aqui, que pensa em mim.
Que me respira. Que me guia.
Que cria a mim e meu mundo.
Que me carrega e me sustenta.
Quem é este certo alguém?
É ele eu? E sou eu ele?

3 comentários sobre “Mascha Kaléko, por Valeska Brinkmann

  1. Bom dia, Tem uma tradução de sozusagen grundlos vergnügt? Queria mandar essa poesia aos meus amigos em Portugal. Essa poesia era escrito no anúncio de falecimento do meu marido há um mês .
    Muito obrigada
    Diethild Simon

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