Emilio Villa (1914-2003), por Nayana Montechiari

Um expoente entre os poetas do Novecentos, Emilio Villa viveu clandestinamente e sua obra dispersa e pouco conhecida, intencionalmente. Aldo Tagliaferri, seu amigo e biógrafo, definiu-o perfeitamente: “Il Clandestino”. Emilio Villa (1914-2003) foi poeta, tradutor, crítico de arte, grande conhecedor de línguas semíticas, da língua italiana ou Ytaglyana (o que considerava uma língua de escravidão), do milanês, inglês, francês, grego, latim e até do “português brasileiro”. Traduziu fragmentos de Safo, a Odisseia de Homero, de tabuletas mesopotâmicas ao Genesis – primeiro livro da Bíblia hebraica.

Além de produzir livros e objetos de arte, Emilio Villa colaborou com grandes revistas e jornais italianos como: Il Frontespizio, Il Meridiano di Roma, Il Bargello, L’Italia che scrive, Corrente, Convivium e Letteratura. Junto a Ettore Colla, dirigiu a revista Arti Visive. Tempos depois, convidou Piero Manzoni e Agostino Bonalumi como colaboradores da revista Appia Antica que acabava de fundar. Em 1951, vem ao Brasil a convite de Pietro Maria Bardi para a inauguração do MASP e para contribuir diretamente com as exposições didáticas. Entre as revistas brasileiras, Villa colaborou para a revista Habitat e O Nivel. Em 1961, junto com Mario Diacono, fundou a Revista EX. Junto a Claudio Parmiggiani, organizou ainda uma coletânea de textos de artistas das artes visuais, escrita e plástica. Eram publicados em uma pequena caixa de papel, com os textos divididos em livretos, em uma linda edição. Uma destas publicações, reuniu em um mesmo número a obra de Emilio Villa e Haroldo de Campos, no livro TAU/MA «Post-rivista dedicata alla creatività in tutte le sue forme».

Nayana Montechiari é doutoranda em Literatura Italiana pelo Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Possui Mestrado em Literatura Italiana e graduação na área de Letras: Português – Italiano ambos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente desenvolve pesquisa sobre o poeta italiano Emilio Villa com ênfase em tradução, poesia e artes visuais. Participa do Grupo de pesquisa ESTTRADA (Estudos de Tradução e Adaptação), vinculado ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq desde 2014.

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Imagem 1: L’Io scanasciutto, Emilio Villa – 1961.
Fonte: http://www.artnet.com/artists/emilio-villa/lio-scanasciutto-OI-pyT5lCoq3paeM8c7FkA2 (2019).

Às vezes, um relâmpago

Às vezes, um relâmpago…

Somos daqueles mortos que não estão
convencidos de estarem mortos,
sempre escondidos por detrás dos portões,
como ladrões, no fundo, por detrás da porta
da felicidade (mas com os cadarços
desamarrados), com nariz empinado, e à espera
de uma oportunidade para voltar. Bem, deixa pra lá,
mas pare de esputar nas paredes.

Às vezes, um relâmpago…

Falar, falar de cinzas, de orvalho, falar
com os olhos fechados e com os lábios que tagarelam
sozinhos, automaticamente, sem querer, falar
é como dizer: “nada. Paciência. Que assim seja.
Nos veremos de novo, não tema.”
Mas então a melancolia volta, como um estúpido,
e dou meia volta, corro para casa
por medo de que meu filho no berço
tenha pegado fogo.

Deixe-me estender uma mão, meninas, deixe-me
estender: a vida é uma valsa; um temporal.

Às vezes, um relâmpago…

A volte un lampo

A volte, un lampo…

Siamo dei morti che non sanno
persuadersi d’essere morti,
sempre nascosti dietro i portoni delle case:
come ladri, in fondo, dietro la porta
della felicità (ma coi lacci
delle scarpe slacciati), col naso in su, e aspetta
che torni un’occasione propizia. Beh, lasciamo andare,
ma smetti di sputacchiare sui muri.

A volte, un lampo…

Parlare, parlar di ceneri, di rugiada, parlare
cogli occhi chiusi colle labbra che chiacchierano

da sole, automaticamente, senza volere, parlare
è come dire: “nulla. Pazienza. Così sia.
Noi ci vedremo ancora, non temere.”
Ma poi mi torna la malinconia, come uno stupido,
e torno indietro di scatto, corro a casa
per paura che mio figlio nella culla
abbia preso fuoco.

Lasciatemi allungare una mano, ragazze, lasciatemi
allungare: la vita è un valzer ; un temporale.

A volte, un lampo…

(Tradução de Emilio Villa)

Di volt, una lüsnada (Oramai, [1937] 2014)

Di volt, una lüsnada…

Nün sem di mort che vörarisen minga
persüadiss de vess mort,
che sem scundüu dedré i purtùn,
’me di làder, dedré la porta, in fund,
de la legria (ma cun la stringa
dislasada), cul nas in ari, e speta
che la te vegna bona. Be’, a mund:
ma söta no a spüašà sül mür.

Di volt, una lüsnada…

Parlà, parlà de šender, de risada, parlà
cui öcc saràa, cui laber che čičaren
de per lur, sensa vurè, parlà
l’è cume dì: “nagott. Pasiensa. Amen.
Se vedarèmm anmò, va là.”
Ma pö me ven la lüna, cume un martur,
e turni indré de cursa, curi a cà,
per paüra che ’l fiö dent in la cüna
el me taca fög

Lasèm slungà la man, tusànn, lasèm
slungà; la vita è un valser; un tempuràl.

Di volt, una lüsnada…

Di volt, una lusnada.
Pintura: Di volt, uma lusnada. Coleção permanente Galleria d’Arte Moderna e Contemporanea “Silvio Zanella”. Disponível em: http://www.provincia.bz.it/catalogo-beniculturali/it/ricerca.asp?kks_priref=30012043 Acessado em: 25 de setembro de 2020.
Imagem: pintura de Vincenzo Ferrari, 1987.
Folha dobrada em duas com um poema de Emilio Villa e uma gravura de Vincenzo Ferrari no interior. A obra faz parte da série “Di volt, una lüsnada”, edição de 120 exemplares do Mercato del Sale / Edizioni Rare, Milão. Poema de Emilio Villa “Di volt, una lüsnada” na versão italiana e na versão original. (dialeto milanês). Gravura de Vincenzo Ferrari com a representação de uma mão, uma flecha, um labirinto e as letras que formam o nome “EMILIO” numeradas.

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Imagem: fólio [evanescenza].
Fonte: Revista Quaderni del Fondo Moravia ( 2002, p. 24).

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poesia é trata-se de um poema de nove folhas soltas cuja leitura pode se dar em qualquer outro. Deixamos aqui o acesso ao pdf traduzido por Nayana, para não alongar demais o post. Para baixá-lo, é só clicar aqui.

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