Poesia nórdica| Três tradutores de Karin Boye

Karin Maria Boye (n. 26 outubro de 1900 em Gotemburgo, m. madrugada de 24 april 1941 em Alingsås) é uma escritora e tradutora sueca mais conhecida por sua poesia mas que nos legou também muitos artigos, contos e romances, o mais célebre dos quais é a distópica obra de ficção científica Kallocain (Calocaína, publicada no Brasil em 1974 na tradução do prolífico tradutor Janer Cristaldo). A poesia de Karin Boye, marcada de lado pelo seu engajamento político e doutro por sua complexa vida amorosa, numa época impregnada de preconceitos — mesmo na hoje socialmente avançada Suécia — em que assumir publicamente a homossexualidade nem sempre era uma opção muito promissora. Poeta das grandes ela própria, Karin se viu, entre outros, com os poetas Rilke, Eliot e Whitman, os quais verteu ao seu idioma materno.

* * *

 DÓI TANTO QUANDO

Dói tanto quando o broto enflora.
Ou não tardava a primavera.
Oculta atrás do instante, chora,
refém do clima que congela
onde amargou o inteiro inverno.
Então por que desponta agora?
Dói sempre quando o broto enflora
dói quando cresce
…………………….e quando para.

A mesma dor é a dor da gota
que rompe o gelo, anseia e vai,
vacila em vão, o galho agarra
mas cede ao peso, escorre e cai.
É dor de medo, frio e dúvida
ante o escuro do sentir,
é dor daquele que ignora —
se quer ficar
…………………….ou quer partir.

E quando nada mais consola,
o galho o mesmo broto afronta.
Não há mais medo que a tolha,
cai rebrilhando a mesma gota
perante o novo, intimorata
esquece o risco da jornada —
e se engrandece, num segundo,
de toda a fé
…………………….que move o mundo.

(traduzido do sueco por Leonardo Pinto Silva)

JA VISST GÖR DET ONT

Ja visst gör det ont när knoppar brister.
Varför skulle annars våren tveka?
Varför skulle all vår heta längtan
bindas i det frusna bitterbleka?
Höljet var ju knoppen hela vintern.
Vad är det för nytt, som tär och spränger?
Ja visst gör det ont när knoppar brister,
ont för det som växer
………………………………och det som stänger.

Ja nog är det svårt när droppar faller.
Skälvande av ängslan tungt de hänger,
klamrar sig vid kvisten, sväller, glider –
tyngden drar dem neråt, hur de klänger.
Svårt att vara oviss, rädd och delad,
svårt att känna djupet dra och kalla,
ändå sitta kvar och bara darra –
svårt att vilja stanna
………………………………och vilja falla.

Då, när det är värst och inget hjälper,
Brister som i jubel trädets knoppar.
Då, när ingen rädsla längre håller,
faller i ett glitter kvistens droppar
glömmer att de skrämdes av det nya
glömmer att de ängslades för färden –
känner en sekund sin största trygghet,
vilar i den tillit
………………………………som skapar världen.

§

MANHÃ

Quando o sol da manhã penetra pela vidraça da janela,
alegre e cuidadoso
como uma criança querendo fazer surpresa
cedo, muito cedo em um dia de festa —
então me espreguiço cheia de uma crescente exaltação
de braços abertos para o dia que está por vir —
para o dia que é você
para a luz que é você
o sol é você
e a primavera é você
e toda a linda, linda
vida me esperando é você!

(traduzido do sueco por Fernanda Sarmatz Åkesson)

MORGON

När morgonens sol genom rutan smyger,
glad och försiktig,
lik ett barn, som vill överraska
tidigt, tidigt en festlig dag —
då sträcker jag full av växande jubel
öppna famnen mot stundande dag —
ty dagen är du,
och ljuset är du,
solen är du,
och våren är du,
och hela det vackra, vackra,
väntande livet är du!

§

Como posso dizer se a tua voz é bela.
Apenas sei que ela me atravessa,
que me faz estremecer como uma folha
e me despedaça e me arrebenta.

O que eu sei sobre a tua pele e sobre os teus membros.
Eles me abalam apenas por serem teus,
então para mim não há nem descanso e nem paz,
enquanto eles não forem meus.

(traduzido do sueco por Fernanda Sarmatz Åkesson)

*

Como dizer se é bela a tua voz
que me atravessa
e dilacera como uma folha
feita em pedaços.

Que sei da tua pele e dos teus membros
me sacudindo e jurando que sou tua,
roubando de mim o sono e o descanso,
até que que sejam meus.

(traduzido do sueco por Leonardo Pinto Silva)

*

Como posso dizer se a tua voz é bonita.
O único que sei é que ela me trespassa,
me faz estremecer feito uma folha aflita
depois me desfaz e então me devassa.

Que sei eu da tua pele e das tuas pernas.
Comove-me só o fato de que sejam tuas
e eu não terei repouso nem a paz eterna
enquanto elas não forem minhas, nuas.

(traduzido do sueco por Luciano Dutra)

Hur kan jag säga om din röst är vacker.
Jag vet ju bara, att den genomtränger mig
och kommer mig att darra som ett löv
och trasar sönder mig och spränger mig.

Vad vet jag om din hud och dina lemmar.
Det bara skakar mig att de är dina,
så att för mig finns ingen sömn och vila,
tills de är mina.

§

NOITE DE SANTA VALBURGA

Enfim estou junto à montanha do destino.
Em volta, como nuvens de tempestade,
juntam-se seres informes, animais crepusculares,
com suas asas negras,
com seus olhos forsforados.
Paro? Ou ando? A senda segue, sombria.
Se paro pacificamente aqui no sopé da montanha,
ninguém mais me importuna.
E posso assistir serenamente seus embates como jogos nebulosos no ar,
mero olho desgarrado.
Porém se ando, se ando, aí já não sei de mais nada.
Pois para quem anda esses passos
a vida vira uma fábula.
Eu própria fogo,
hei de cavalgar nas serpentes bruxuleantes de fogo.
Eu própria vento,
hei de voar nas pandorgas aladas.
Eu própria o nada,
perdida na tempestade
hei também de me arrojar viva ou morta, feito um destino pesado de futuro.

(traduzido do sueco por Luciano Dutra)

VALBORGSNATT

Sent omsider står jag vid ödenas berg.
Runtomkring som ovädersmoln
skockar sig formlösa väsen, skymningsdjur,
svartvingade,
fosforögda.
Stannar jag? Går jag? Vägen ligger mörk.
Stannar jag fredlig här vid foten av berget,
då rör mig ingen.
Lugn kan jag se deras kamp som en dimmans lek i luften,
själv blott ett vilset öga.
Men går jag, går jag, då vet jag ingenting mer.
För den som tar de stegen
blir livet saga.
Själv eld
skall jag rida på ringlande eldormar.
Själv vind
skall jag flyga på vingade vinddrakar.
Själv intet,
själv förlorad i stormen
slungas jag död eller levande fram, ett öde framtidstungt.

* * *

OS TRÊS TRADUTORES

Fernanda Sarmatz Åkesson (n. 20 de maio de 1970, em Porto Alegre/RS) é bacharel em ciências jurídicas e sociais pela PUC/RS. Vive em Estocolmo desde 1999, onde completou seus estudos com  cursos de pedagogia e de português para estrangeiros. Trabalha como professora de português (língua materna e língua de herança). Já traduziu obras de ficção e não-ficção. Alguns dos autores traduzidos são: Astrid Lindgren, Peter Englund, David Lagercrantz, Pernilla Stalfelt, Christina Rickardsson. Casada com um sueco, tem uma filha e uma cachorra.

Leonardo Pinto Silva (n. 31 de dezembro de 1970 em Fortaleza/CE) é jornalista e tradutor, majoritariamente do norueguês. Aprendeu o idioma na Noruega, onde concluiu o ensino médio, e já traduziu, entre ficção e não-ficção, mais de trinta títulos de autores como Jostein Gaarder, Karl Ove Knausgård e Thor Heyerdahl, para diversas editoras brasileiras. Recentemente, teve publicado pelas editoras Carambaia (SP) e Moinhos (MG) peças de Henrik Ibsen, que serão encenadas em Porto Alegre pela diretora Camila Bauer, brasileira vencedora do Ibsen Awards 2017. Entre uma obra em prosa e outra, dedica-se à tradução de poesias dos idiomas escandinavos. Vive em São Paulo, é casado e tem dois filhos.

Luciano Dutra (n. 6 de novembro de 1973 em Viamão/RS) é bacharel em língua e literatura islandesa (2007) e mestrando em estudos de tradução pela Universidade da Islândia. Além de literatura islandesa e nórdica contemporânea, traduz as sagas, obras únicas de prosa de ficção compiladas na Idade Média por autores anônimos da Islândia. Em 2014, fundou em Reykjavík, onde vive desde 2002, a Sagarana forlag, editora multilíngue especializada na publicação de literatura em tradução entre as línguas nórdicas e o português. Mantém desde 2016 a página Um Poema Nórdico ao Dia (http://www.facebook.com/nordrsudr), que traz diariamente poemas de autores de todos os países nórdicos, a maioria deles até agora inéditos em português, sempre em tradução direta dos idiomas originais.

 

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