Lucille Clifton, por Lubi Prates

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Lucille Clifton (1936, Nova Iorque, EUA) foi uma poeta, escritora e professora negra. Publicou diversos livros de poesia e infantis. Seu livro de estreia, Good Times, de 1969, foi considerado um dos melhores livros de poesia do ano, nos Estados Unidos. Com Good Woman: Poems and a Memoir: 1969–1980, e Next: New Poems, ambos de 1987, concorreu ao Prêmio Pulitzer. Com Blessing The Boats: New and Collected Poems 1988–2000, de 2000, ganhou o National Book Award. Seus poemas tratam da condição da mulher negra na diáspora, valorizando a herança africana presente em nós (Lucille descendia da República do Benin). Lucille faleceu em 2010. Sua obra segue inédita no Brasil. Os poemas abaixo foram traduzidos por mim e contaram com o olhar atento do Manu Quadros, a quem agradeço.

*

listen children

listen children
keep this in the place
you have for keeping
always
keep it all ways

we have never hated black

listen
we have been ashamed
hopeless tired mad
but always
all ways
we loved us

we have always loved each other
children all ways

pass it on

ouçam, crianças

ouçam, crianças
guardem isso onde
vocês possam guardar
para sempre
guardem isso de todas as maneiras

nós nunca odiamos preto

ouçam
nós estivemos envergonhados
desesperançosos cansados com raiva
mas sempre
de todas as maneiras
nós nos amamos

nós sempre nos amamos
crianças, de todas as maneiras

passem isso adiante.

§

blessing the boats

(at St. Mary’s)

may the tide
that is entering even now
the lip of our understanding
carry you out
beyond the face of fear
may you kiss
the wind then turn from it
certain that it will
love your back may you
open your eyes to water
water waving forever
and may you in your innocence
sail through this to that

abençoando os navios

que a maré
que agora mesmo adentra
o lábio do nosso entendimento
te carregue
para além da face do medo
que você beije
o vento e lhe dê as costas
com a certeza de que ele
te amará de volta que você
abra seus olhos para a água
água ondulando para sempre
e que você com sua inocência
consiga navegar através dela

§

won’t you celebrate with me

won’t you celebrate with me
what i have shaped into
a kind of life? i had no model.
born in babylon
both nonwhite and woman
what did i see to be except myself?
i made it up
here on this bridge between
starshine and clay,
my one hand holding tight
my other hand; come celebrate
with me that everyday
something has tried to kill me
and has failed.

você não vai celebrar comigo?

você não vai celebrar comigo
isto que eu moldei como
um tipo de vida? eu não tive nenhum modelo.
nascida na babilônia
não branca e mulher.
o que eu imaginei ser além de mim mesma?
eu forjei isso.
aqui nesta ponte entre
a luz da estrela e a argila,
minha mão segurando firme
minha outra mão; venha celebrar
comigo, que todos os dias
alguma coisa tenta me matar
e falha.

§

sisters

me and you be sisters.
we be the same.

me and you
coming from the same place.

me and you
be greasing our legs
touching up our edges.

me and you
be scared of rats
be stepping on roaches.

me and you
come running high down purdy street one time
and mama laugh and shake her head at
me and you.

me and you
got babies
got thirty-five
got black
let our hair go back
be loving ourselves
be loving ourselves
be sisters.

only where you sing,
I poet.

irmãs

você e eu somos irmãs.
somos iguais.

você e eu
vindas do mesmo lugar.

você e eu
passando óleo nas pernas
retocando nossas raízes.

você e eu
com medo de ratos
pisando nas baratas.

você e eu
descendo alegres correndo a rua purdy aquela vez
e a mãe rindo e balançando a cabeça para

você e eu.

você e eu
tivemos bebês

fizemos trinta e cinco
enegrecemos
deixamos nossos cabelos voltarem
amando nós mesmas

amando nós mesmas
somos irmãs.

apenas onde você canta,
eu sou poeta.

§

the lost women

i need to know their names
those women i would have walked with
jauntily the way men go in groups
swinging their arms, and the ones
those sweating women whom i would have joined
after a hard game to chew the fat
what would we have called each other laughing
joking into our beer? where are my gangs,
my teams, my mislaid sisters?
all the women who could have known me,
where in the world are their names?

as mulheres perdidas

eu preciso saber os nomes
daquelas mulheres com quem eu teria caminhado
alegremente como fazem os homens em grupo
balançando os braços, e daquelas mulheres
suadas com quem eu teria me juntado
depois de uma partida difícil para jogar conversa fora.
do que teríamos chamado umas às outras rindo
brincando na nossa cerveja? onde está minha gangue,
meu time, minhas irmãs extraviadas?
todas as mulheres que poderiam ter me conhecido,
onde nesse mundo estão seus nomes?

§

telling our stories

the fox came every evening to my door
asking for nothing. my fear
trapped me inside, hoping to dismiss her
but she sat till morning, waiting.

at dawn we would, each of us,
rise from our haunches, look through the glass
then walk away.

did she gather her village around her
and sing of the hairless moon face,
the trembling snout, the ignorant eyes?

child, i tell you now it was not
the animal blood i was hiding from,
it was the poet in her, the poet and
the terrible stories she could tell.

contando nossas histórias

 a raposa vinha todas as noites para a minha porta
sem pedir nada. meu medo
me prendia lá dentro, na esperança de dispersá-la,
mas ela sentava até a manhã, aguardando.

ao amanhecer, nós duas
nos erguíamos de nossos lombos, olhávamos através do vidro,
e saíamos andando.

será que ela reuniu as outras raposas ao seu redor
e cantou sobre a face redonda e sem pelos,
o focinho trêmulo, os olhos ignorantes?

criança, eu te digo agora que não era
do sangue animal que eu estava me escondendo,
era da poeta nela, a poeta e
as terríveis histórias que ela poderia contar.

§

Lubi Prates (1986, São Paulo/SP) é poeta, tradutora, editora e curadora de Literatura. Tem três livros publicados (coração na boca, 2012; triz, 2016; um corpo negro, 2018). um corpo negro foi contemplado pelo PROAC com bolsa de criação e publicação de poesia e está em processo de publicação na Argentina, Colômbia, Estados Unidos, Espanha e França, além de ter sido finalista do 61º Prêmio Jabuti e do 4º Prêmio Rio de Literatura. Tem diversas publicações em plaquetes, antologias e revistas nacionais e internacionais. Co-organizou junto com outras mulheres os festivais literários para visibilidade de poetas, [eu sou poeta] (São Paulo, 2016) e Otro modo de ser (Barcelona, 2018) e também participou de outros festivais literários no Brasil e em outros países da América Latina. É sócia-fundadora e editora da nosotros, editorial, e é editora da revista literária Parênteses. Dedica-se à ações que combatem a invisibilidade de mulheres e negros. Atualmente, é doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento Humano, na Universidade de São Paulo.

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