O essencialismo de Ismael Nery

Ainda na série sobre a filosofia essencialista de Ismael Nery e sua relação com a poesia do próprio Nery e de Murilo Mendes, transcrevo aqui a parte inicial do texto O Essencialismo de Ismael Nery, que foi publicado como capítulo do livro Ismael Nery e Murilo Mendes: reflexos.

bernardo brandão


O essencialismo de Ismael Nery

A arte de Ismael Nery, diz-nos Jorge Burlamaqui, “não é só uma percepção da vida pelos sentidos. A grande produção artística deixada por Ismael obedece a um conjunto filosófico gerado de um pensamento constantemente preocupado com o absoluto, o essencial e com a unidade”. Esse “conjunto filosófico” foi batizado por Murilo Mendes de essencialismo. Não é fácil, no entanto, dizer em que consiste essa filosofia. Ismael não nos deixou nada substancial escrito sobre o tema. Dizia que “se suas idéias eram verdadeiras, haveriam de se transmitir na sucessão das idades, não importando que aparecessem com o nome dele ou de outro”.

Nossas principais fonte são os textos escritos por Jorge Burlamaqui e pelo próprio Murilo Mendes, aos quais Ismael de preferência expunha as suas idéias. Nas Recordações, Murilo sintetiza a filosofia essencialista do seguinte modo:

 Ismael tinha apenas 25 ou 26 anos de idade, e já os seus próximos sabiam que havia construído um sistema filosófico muito original, apesar de o não escrever. Era o essencialismo, baseado na abstração do tempo e do espaço, na seleção e cultivo dos elementos essenciais à existência, na redução do tempo à unidade, na evolução sobre si mesmo para a descoberta do próprio essencial, na representação das noções permanentes que darão à arte a universalidade. Já se vê que ele não improvisou um tal sistema. Suas raízes vinham de longe: embora muito pouco dado a leituras, era Ismael extremamente curioso de todas as experiências humanas, passando sempre em revista as teorias mais diversas. Sua vida e as poucas notas que deixou provam que Ismael Nery viveu seu sistema, julgado por ele próprio uma introdução ao catolicismo.

A relação da filosofia essencialista com o catolicismo deve ser notada. Murilo Mendes nos conta que, nos anos 20 e 30, os intelectuais brasileiros eram, na sua grande maioria, avessos à religião: “o catolicismo era sinônimo de obscurantismo, servindo só para base de reação. Não era possível, sobretudo a uma pessoa de bom gosto, ser católica”. Mas, apesar de imerso nesse meio intelectual, Ismael Nery era um católico fervoroso. Sabendo da indisposição existente na época contra as idéias de sua religião, Ismael resolveu apresentar algumas delas de um modo laico, buscando fundamentá-las racionalmente. Eis uma nota sua sobre o assunto, citada nas Recordações:

A grande e única tragédia consiste no desvirtuamento do objetivo do homem: eis por que sou católico. No catolicismo aprendo a priori o que verifiquei no curso da vida. A vida é construtiva e o homem desvirtuado precisa demolir. Eis por que criei o essencialismo, que não passa de um método para ajudar o homem a ser homem. Ele sendo homem será católico: atingindo a justiça será santo, desejo máximo de Deus e interesse máximo do homem.

Não se deve, no entanto, pensar a partir dessas considerações que o essencialismo seja uma mera repetição de dogmas religiosos. Como escreveu Murilo Mendes: “o essencialismo é uma teoria filosófica e artística criada por Ismael Nery sobre bases católicas. Ismael imprimiu-lhe o caráter da sua fortíssima personalidade, sujeitando-a, porém, aos eternos princípios do catolicismo”. De acordo com Jorge Burlamaqui, o essencialismo podia ser dividido em três campos: o filosófico, o moral e o artístico. Na verdade, o método filosófico do essencialismo, baseado na abstração do espaço e do tempo, fundamentava as idéias morais e artísticas de Ismael Nery. É esse método que dava unidade ao conjunto da filosofia essencialista. No entanto, se de acordo com o próprio Nery, o essencialismo tinha como objetivo “ajudar o homem a ser homem”, era o campo moral a principal aplicação essencialista. Por sua vez, foi na arte que a filosofia de Ismael atingiu seus mais duradouros resultados, ao se concretizar na sua produção artística, bem como na de alguns de seus amigos.

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