nota crítica: “toda poesia” de paulo leminski

TODA-POESIA-LEMINSKI

acabou de sair o livro Toda poesia de paulo leminski (1944-89), como todos sabem – & quem não sabe, trate de saber (“quem tem QI, vai”, diria o poeta). como escreve alice ruiz na apresentação do livro, “este livro é antes de tudo uma vida inteira de poesia”. talvez seja nesse sentido mesmo que o livro cumpre & descumpre seu papel : é sobre isso esta breve nota.

impossível negar o louvor necessário para uma realização como essas: já fazia mais de vinte anos que o polaco loco paca morreu, sem que tivéssemos uma organização da sua poesia, que em grande parte ainda permanecia de difícil acesso, por falta de edições. é o caso, por exemplo, dos Quarenta clics em Curitiba (1976) & de poemas presentes nos livros independentes Polonaises (1980) & Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase (1980) que no fim das contas não entraram no Caprichos e relaxos (1983). estes perdidos em reedição entram agora no final do volume sob a alcunha de “poemas dispersos”. portanto, sim, temos agora toda poesia publicada em livro, com o cuidado de retomar aqueles que não saíram nas edições comerciais; & isso é um passo importantíssimo para divulgar a obra de leminski, além de permitir um estudo mais facilitado para os não-sei-quantos-mas-decerto-muitos interessados na sua poesia (eu, um desses, sofri muito na graduação no ES, na década passada, pra encontrar uma série de poemas, & só pude mesmo ler os Quarenta clics depois de vir morar em curitiba). para além dessa coleção com todos os poemas publicados em livro, ainda temos uma antologia crítica sobre a poesia de leminski, que passa a ser outra pérola para os interessados em geral; como já havia sido em edições do Catatau (1975).

dito isso, tenho cá duas ressalvas. a meu ver, são ressalvas de certo modo sérias. não para desbancar esse livro, mas para pensarmos numa política de edições completas; já que eu ainda espero algumas outras de poetas vivos & mortos. portanto, o que escrevo se pretende uma crítica construtiva, principalmente pensando em algumas edições de poesia completa de autores internacionais com seus resultados.

em primeiro lugar, embora a edição seja primorosa no cuidado dos poemas mais visuais de leminski (detalhe fundamental para recordar sua herança concretista), ela deixa de lado os processos dialógicos que construíram dois livros do poeta em parceira com artistas plásticos. Quarenta clics em Curitiba, com fotos de jack pires e Winterverno (2001, edição póstuma) com desenhos de joão suplicy. o argumento do editor é de que, “Dado que os poemas são anteriores às fotos, optamos por reproduzir aqui apenas os textos, sem as imagens.” ora, mesmo que escritos antes das fotos, sua existência poética em livro se deu nesse diálogo, nessa busca que determinou a seleção dos poemas, bem como sua ordem. o que quero dizer é que, apesar de os poemas já significarem antes das imagens, eles passam a ganhar novos significados quando colados às imagens. esse ponto, a meu ver, enfraquece a função de leminski como poeta multifacetado, que sai do estritamente “escrito” para outras lavouras, como poesia visual, interface com imagens, música popular (as letras também não entraram nessa coleção), HQ, graffiti &c.

no caso de Winterverno, o editor sequer justifica a ausência das imagens, além de excluir os poemas que já tivessem aparecido anteriormente em outros livros, creio que sob a ideia de economia de papel & preço. neste caso, o processo torna mais custoso o conhecimento da inteireza do projeto entre os artistas, com o conhecimento de todos os poemas que faziam parte dele; além do mesmo problema que já apontei, sobre a perda do sentido dialógico da obra, independente da ordem de criação. ainda assim, no caso de ficarmos sem as imagens, ao menos uma lista dos poemas presentes seria útil ao leitor um pouco mais interessado.

em segundo lugar, creio que este livro perde uma oportunidade, a saber, a de reunir os poemas de fato esparsos. como disse, a série “poemas esparsos” é, na verdade, constituída apenas por poemas que haviam aparecido nos livros independentes & que não entraram nas edições maiores a partir de Caprichos e relaxos. sei que leminski publicou inúmeros poemas em revistas e jornais: esse trabalho de recolha, ainda que árduo, ainda resta por fazer, para sabermos (nem faço ideia) quanto ficou de fora dos livros, mas participava na sua intervenção contínua sobre a cultura. não estou falando de revirar mais poemas inéditos & aceito o veredito de alice ruiz (quando da publicação póstuma de O ex-estranho, em 1996), de que “Os poemas inéditos publicáveis acabam aqui”. falo dos publicados & dispersos, sem livro; falo das canções gravadas. penso, por exemplo, na pérola inédita em livro, mas musicada & gravada por josé miguel wisnik, letra que encerra, aliás, o seu posfácio:

Subir
No raio de uma estrela
Subir até
Sumir
Subir até sumir
No brilho puro
Subir mais
Subir além
Além de toda a treva
De toda a dor
Além de toda a treva
De toda a dor
Deste mundo

o trabalho de ajuntar essas canções tem sido feito por estrela leminski, sobretudo (que eu saiba) pelo viés da execução; agora há pouco ainda fiquei sabendo do impressionante recente blog de josemar vidal jr., lírico leminski, que está tentando organizar as gravações & disponibilizá-las. no livro, entretanto, esse vazio confirma que, apesar da imensa importância desta primeira empreitada, que de cara já se alçou às listas de best sellers, ainda ficamos por esperar o bigode completo do cachorrolouco.

na gravação acima, leminski toca violão & canta “mudança de estação”,
“valeu” & “verdura”, com a percussão & bateria de kito pereira.

guilherme gontijo flores

8 comentários sobre “nota crítica: “toda poesia” de paulo leminski

  1. Olá, tudo bom? Li sua crítica e, ao que entendi, o Toda poesia não reúne todas as poesias escritas e publicadas para determinados títulos, não é? Caso você não tenha entendido o que acabei de questionar, gostaria de saber, por exemplo, se nessa reedição da obra do Leminski eu posso encontrar todas as poesias publicadas no livro Distraído Venceremos.

    1. caro italo, esse livro tem todas as poesias do leminski que já foram publicadas em livro, portanto todos os poemas do distraídos venceremos. o que eu critiquei foram dois pontos específicos: 1) que as imagens de alguns livros não foram incluídas & 2) que ainda há poemas do leminski (imagino) que não foram publicados em livro, mas saíram em revistas, letras de música, &c. abraços!

  2. Olá, Guilherme

    Você tem razão. Essa recolha dos poemas deixa certa incompletude, ficou devendo, pois foram muitas “Nanicas da produção” das quais o nosso poeta participou ativamente com textos diversos. Mas, apesar disso, já é um passo para uma redescoberta da obra do cachorro louco, depois de tanto tempo fora do mercado. Confesso minha frustração quando vi que os poemas de 40 clics vieram sem as fotografias…

    Abraço, Rosi

    1. érika, se desagrada, não veja. ou dê sugestões que possam melhorar.
      da minha parte, não vale o esforço pra tenta explicar que o que você vê como o mero “escreves ruinzinho” eu entendo como estilo ou modo de pensamento. nem que “clareza e objetividade” estão longe dos meus intuitos neste blog.

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