alejandra pizarnik: la tierra más ajena (1955), pt. 1

alejandra pizarnik

alejandra pizarnik nasceu em buenos aires em 1936, publicou seus primeiros poemas com vinte anos e licenciou-se em filosofia e letras pela universidad de buenos aires. no começo da década de 1960 viveu em paris, onde estudou história da religião e literatura francesa, na sorbonne, e tornou-se amiga de nomes como andré pieyre de mandiargues, octavio paz, julio cortázar e rosa chacel. foi tradutora de artaud e marguerite duras. de volta a buenos aires, passou o resto da vida dedicada a escrever. suicidou-se em buenos aires em 25 de setembro de 1972.

trata-se de uma das figuras mais emblemáticas da poesia hispanoamericana, especialmente da argentina. sua poesia tornou-se febre entre os jovens dos anos 80 e 90, sendo caracterizada por um “fundo intimismo e severa sensualidade”, como atesta ana becciú na edição que realizou da poesia completa de alejandra. octavio paz, admirador de sua obra, diz que ela “leva a cabo uma cristalização verbal por amálgama de insônia passional e lucidez meridiana em uma dissolução de realidade submetida às mais altas temperaturas”. impressões nonsenses à parte, não se pode discordar de um comentário desse depois que se tenha lido a poesia de pizarnik. os comentários, aliás, que insiro até aqui nesta introdução estão contidos na edição da poesia completa de alejandra que tenho em mãos e cujo texto base é o que utilizo para a tradução:

alejandrapizarniklibroPIZARNIK, Alejandra. Poesía completa. Edición a cargo de Ana Becciú. Barcelona: editorial Lumen, 2010.

seu primeiro livro, que traduzi integralmente, chama-se la tierra más ajena, datado de 1955. nota-se influências da poesia de rimbaud, epígrafe ao livro, e também de octavio paz e cecilia meireles, por exemplo. repleta de uma poética escura e úmida (um dos melhores adjetivos que encontrei), alejandra fala muito da morte, do desejo de ir-se, da melancolia. não é de se estranhar que seja do gosto dos jovencitos, mas vai muito além. com uma técnica magistral, que despedaça a sintaxe e se constrói sobre panos de imagéticas surrealistas, a poeta como que pinta suas emoções numa tela. por vezes, confesso como tradutor, é difícil dar-se conta dos caminhos tortuosos pelos quais ela nos leva. entretanto, por outro lado, sua emoção nos transparece muito clara e comovente. e essa emoção, a memória, a água e a noite são temas recorrentes em alejandra. a morte percorre seus temas de maneira bastante, embora apenas aludida. (tão diferente do que eu próprio escrevo, mas tão viciante). é a recorrente figuração de imagens esfumaçadas, desfocadas, escuras, até mesmo asquerosas, que torna sua poesia tão forte e visual. uma poeta que se vê e se reflete tanto em seus poemas, que se figura, e que ao mesmo tempo tanto nos pode causar angústia com seu úmido isolamento.

sobre a tradução:

como se poderá ver com facilidade logo a partir do primeiro poema, clareza não é regra aqui. com métrica e sintaxe bastante livres, às vezes retorcidas, e ausência de pontuação, tentei seguir os passos do texto em espanhol para que não me distanciasse por demais das formas que os versos de alejandra apresentavam. a proximidade entre o espanhol e o português me permitiram diversas vezes a simples transposição vocabular, mas houve momentos em que eu simplesmente me perdia nos pântanos dessa terra tão ao longe, e voltar de lá era sofrido. por isso revisei o que pude até agora, mas sempre há a possibilidade de uma revisão mais detida. outra coisa é a aparência de erro que podem suscitar alguns versos, como alguns do primeiro poema, dias contra o sonho. o que posso dizer é que é estranho mesmo, mas tava lá. por fim, resolvi deixar de lado nesta postagem os poemas no original em espanhol, dado o espaço que iriam ocupar e o trabalho que me dariam pra digitar.

dividi a postagem desse livro em duas partes. os onze primeiros poemas estão neste post. amanhã posto os outros onze. assim a leitura pode ser feita com calma e atenção, em doses homeopáticas. espero muito que gostem como eu gostei dessa doida porteña magnífica.

vinicius ferreira barth

 

alejandra pizarnik
a terra mais ao longe (1955)

Ah! O infinito egoísmo da adolescência,
o otimismo estudioso: quão pleno de
flores estava o mundo nesse verão! Os
ares e as formas morrendo…
A. Rimbaud

 

DIAS CONTRA O SONHO

Não querer brancos rodando
em planta movível.
Não querer vozes roubando
germinais arqueada aéreas.
Não querer viver mil oxigênios
nímias cruzadas ao céu.
Não querer trasladar minha curva
sem encerar a folha atual.
Não querer vencer ao ímã
no fim a alpargata se esfiapa.
Não querer tocar abstratos
chegar ao meu último cabelo castanho.
Não querer vencer caudas brandas
as árvores situam as folhas.
Não querer trazer sem caos
portáteis vocábulos.

 

FUMO

marcos rosados em osso calado
agitam um cocktail fumacento
milhões de calorias desvanecem
ante uma repicante austeridade
das fumaças vistas detrás
duas mãos de trevo roto
quase enredam os dentes separados
e castigam as gengivas escuras
sob ruídos recebidos ao segundo
os pelos riem-se movendo
os vestígios de vários marcianos
cognac bordeaux-amarelado
ébrio banheiros sanguíneos
três vozes foneam três beijos
para mim para ti para mim
pescar a calandria eufórica
em chapas penosas
ascendente faina!

 

REMINISCÊNCIAS

e o tempo estrangulou minha estrela
quatro número giram insidiosos
enegrecendo os confeitados
e o tempo estrangulou minha estrela
caminhava reles sobre poço escuro
os brilhos choravam a meus verdores
e eu olhava e eu olhava
e o tempo estrangulou minha estrela
recordar três rugidos de
ternas montanhas e raios escuros
duas taças amarelas
duas gargantas raspadas
dois beijos comunicantes da visão de
      uma existência a outra existência
duas promessas gementes de
      tremendas loquacidades distantes
duas promessas de não ser de sim ser de não ser
dois sonhos jogando a ronda do sino ao
      redor de um cosmos de
      champagne amarelo esbranquiçado
dois olhares afirmando a avidez de uma
      estrela tiquinha
e o tempo estrangulou minha estrela
quatro números riem em cambalhotas desgostosas
morre um
nasce um
e o tempo estrangulou minha estrela
sons de nenúfares ardentes
desconectam minhas futuras sombras
um vapor desconcertante recheia
      meu soalhado recanto
a sombra do sol tritura a
      esfinge de minha estrela
as promessas se coagulam
frente ao signo de estrelas estranguladas
e o tempo estrangulou minha estrela
mas sua essência existirá
em meu intemporal interior
brilha essência de minha estrela!

 

ÁGUA DE LUME 

                                        Sim. Chove…
o céu geme montanhas exaustas
sombras molhadas recolhem suas partes
cavidades barrosas tremendas
simplórias gotas de água sulfurada
se bem não sei como recolho as massas
de ver se me agita o pálido lume
tremenda espessura de cães e gatos
as gotas seguem

 

SER INCOLOR

(ao coelhinho que
comia as unhas)

costura instável em meu caos humor diário
repicar harpa listrada
cadáveres chorosos mar salino

tua opacidade tirará fontes de verde sabão
bandeirolas coradas
em mão direita de unhas comidas

 

 

NEMO

não irá longe o dia raro de verdor
em que cantarei para a lua odiada que dá luz à minha espessa cabeça cortada
                                                                                                  [a navalha
que dá luz aos ventos brutais
às flores agudas que ardem nos dedos sob benignos band-aids
à estrela que se oculta quando é chamada
à chuva úmida rebolando-se em sua nudez repulsiva
ao sol amarelo que trespassa as peles marcando escuras pegadas
ao reloginho enviado do inferno interruptor dos belos sonhos
aos mares gelados arrastando sujeiras ondas cintilhos dourados ardores
                                                                                                  [nos olhos

 

 

VAGAR NO OPACO

minhas pupilas negras sem inelutáveis faíscas
minhas pupilas grandes pólen cheio de abelhas
minhas pupilas redondas disco riscado
minhas pupilas graves absoluta sem ginga
minhas pupilas retas sem gesto inato
minhas pupilas cheias poço bem cheiroso
minhas pupilas coloridas água definida
minhas pupilas sensíveis rigidez do desconhecido
minhas pupilas salientes beco preciso
minhas pupilas terrestres remedos celestes
minhas pupilas escuras pedras caídas

 

TRATANDO A SOMBRA VERMELHA

sua solidão que mia
zeros e zeros
vertente de valores ingênuos
retina ante o desconhecido
as brisas sonoras
retornam ferindo
seu ser de sorrisos
e dentes abertos
rir numa noite ensolarada
do vigoroso particípio

 

NOITE

correr não sei onde
aqui ou lá
singulares dobrares desnudos
basta correr!
tranças apegam meu anoitecer
de caspa e água de colônia
rosa queimada fósforo de cera
criação sincera em sulco capilar
a noite desamarra sua bagagem
de brancos e negros
tirar deter o seu ressurgir

 

 

MEU BOSQUE

acumular desejos em plantas ingratas
referir o teu
em verdor somente
e então surgirão dez cavalos
a atirar a cauda ao vento negro
moverão as folhas
suas crinas molhadas
e virá a esquadra
redondeando versos

 


POEMA AO MEU PAPEL

relendo próprios poemas
penas impressas transcendências cotidianas
sorriso orgulhoso equívoco perdoado
é meu é meu é meu!!
relendo letra cursiva
latir interior alegre
sentir que o verbo se coagula
ou bem ou mal ou bem
estranheza de sentires inatos
cálice harmonioso e autônomo
limite em dedo gordo de pé cansado e
cabelo lavado em cabeça crespa
não importa:
é meu é meu é meu!!

 

pizarnik2

Um comentário sobre “alejandra pizarnik: la tierra más ajena (1955), pt. 1

  1. Eu acho a Alejandra Pisrnik a maior poeta da Argentina. Aliás a força da poesia Argentina são as mulheres. Os homens são bem inferiores. É engraçado isso !!!!

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